quinta-feira, 7 de abril de 2022

34 - O FINAL

 34 - O FINAL

Em dezembro de 1976, uma das primeiras providências de meu pai foi vender a Rural e enviar a restituição do empréstimo à minha avó Jovelina. Depois também fez negócio com o Gordini e recebeu a maior parte em troca de uma vitrola e uns quarenta discos!... Em seguida comprou uma bicicleta e passou a ir trabalhar de “Bike” todos os dias!...

Em maio de 1977, quando contei a minha mãe que tinha pedido demissão no emprego, ela nada falou. Mas nada de excepcional, pois raramente falava comigo. Desconfio que ela foi até à loja para esclarecer o assunto. E provavelmente no mesmo dia passou na loja vizinha, a “Rei dos Panos”, uma filial cuja Matriz ficava em Goioerê PR e já deixou o meu novo emprego encaminhado, para iniciar no dia primeiro de junho!... Não fiquei em casa nenhum dia e ainda estudava à noite!...

Na época estava cursando a 7ª série no Colégio Médici, mas por falta de salas de aulas, numa extensão no Colégio Marechal Rondon e era no centro da cidade, pavilhões de madeira, a qual posteriormente veio a ser Quartel da Polícia Militar e após a demolição, fizeram o Fórum de Justiça. Consegui passar até com facilidade para a 8ª série, mas também depois de cursar a 7ª série pelo terceiro ano consecutivo, se não fosse aprovado, deveria receber um troféu de incompetência, pois na teoria previamente sabia todo o conteúdo!...

Na loja “Rei dos Panos” trabalhei por um ano e meio!... Para o meu padrão, um Record que perdurou por sete anos!... E o modelo de gerenciamento era muito diferente do praticado na loja anterior. Tinha um gerente, mas tão gente boa que éramos praticamente uma família!... E fui de tudo, até pajem do filho do gerente!... A loja vendia móveis e foi assim que fiz a proeza de atravessar a mão com uma chave de fenda!... E para quem acha engraçado, tente parafusar um pé numa mesa de fórmica!... É a coisa mais dura do mundo!... Hoje em dia usam máquinas parafusadeiras!...

Uma das atribuições na loja era acompanhar o “Carro de Som”, um fusquinha com dois alto-falantes em cima usado para fazer propaganda da loja!... O motorista era o “Dico” e com ele fui para o Porto Caiuá, fazenda Vaca Branca, fazenda Nova Esperança, até em outras cidades vizinhas!... Pensando bem, melhor nem entrar em detalhes quanto a determinada região de Santa Luzia e as animadas senhoras!... Mas o Dico justificava:

– Elas também são Clientes!... Temos de fazer propaganda em todos os lugares!...

Ele dirigia e eu andava de casa em casa a entregar os folhetos com as ofertas, tal qual já fizera em Sansabel!... Com ele aprendi a beber e a fumar!... Até tentar mentir, pois nos tradicionais torneios de futebol nas fazendas, quando ficávamos bêbados, começávamos a cantar as músicas sertanejas antigas: “O que é feito daqueles beijos que eu te dei”? (Tião Carreiro/Pardinho).

– Essa é música que nós fizemos, não é?...

– Claro que é!... – Eu respondia todo “mamado” de pinga e cerveja, sem perceber o ridículo da situação. Mas para propaganda da loja, valia tudo.

Virei grande amigo de um dos vendedores, um descendente de paraguaios que morava acima da avenida Amélia Fukuda. Ele tinha um fusquinha e teve uma vez que ficamos tão bêbados que para ele me levar em casa precisou eu sentar de lado no banco do carona para firmá-lo com as costas contra a porta do motorista e ele conseguir dirigir!... E até hoje não sei como ele conseguiu chegar à casa dele!...

Mas sei que entrei em casa e vomitei um absurdo na sala, ou seja, no meu quarto!... No entanto, nisso estava a minha dor maior, pois ninguém se importava ou falava nada!... Eu já era “menino esquecido” faz tempo, mas agora virara um fantasma!... Nem quarto eu tinha!... Fizeram uma cortina num canto da sala para ocultar apenas o meu colchão no chão e ali eu dormia não poucas vezes entre lágrimas e dor!...

Na época o patrão de meu pai deu a ele um terreno, com escritura em Cartório, além de toda a madeira necessária para construir uma casa e isso foi feito!... E assim em agosto de 1977 mudamos para a rua Regente Feijó onde o meu pai permanece até hoje!... Ganhei um quartinho, mas ao menos era meu e com porta!...

Não sei ao certo se foi no final de 1977 ou no início de 1978, mas chegou um telefonema no escritório da serraria, vindo de Sarandi, dando conta que minha avó italiana estava gravemente doente!... Imediatamente fomos todos para o Paraná!... Minha mãe a chorar o tempo todo, pois temia pelo pior!... De fato, quando chegamos, o triste presságio foi confirmado!... Ela não estava doente. Deitara no dia anterior e dormiu para sempre, o sono da morte...

Fizeram o velório no quintal da casa!... Um pouco abaixo da horta ficou o caixão aberto, enquanto ela aparentava toda a tranquilidade do mundo!... Quando esgotou o tempo máximo de espera, fecharam o caixão!... Bateu um desespero em meu tio mais novo e ele se atirou sobre o caixão, em lágrimas copiosas a gritar:


– Não vá mãe!... Não vá!... Quem vai cuidar de nós?!... Não vá...

Foi a situação mais triste que eu tinha visto na vida!... Fiquei muito assustado com o panorama da morte. Voltamos para Naviraí e eu estava muito impressionado!... Imaginava como seria o meu velório. Claro que ninguém iria lamentar em desespero qual o meu tio!... Mas pensei no oposto!... As pessoas a amaldiçoar em lamentos não a minha ausência, mas todo o trabalho e tempo perdido!... “Morreu inutilmente qual viveu”!...

Por outro lado, voltei muito triste e abatido, ainda mais ao constatar que perdera algumas provas e uma delas de um professor extremamente rigoroso. Eu tivera a infelicidade de pegar esse professor justamente numa das primeiras aulas e era impossível sair do serviço às dezoito horas, ir para casa, tomar banho, colocar o uniforme, jantar rapidamente e chegar à escola antes das dezenove horas!... Não adiantaria boas notas nas demais matérias se fosse reprovado em apenas uma!... Seria perda de sono e tempo. Desisti de concluir a 8ª série.

E no ano seguinte completaria dezessete anos e não aprendera e nem vira nada que justificasse as aflições da vida. Não tinha lógica tanto sofrimento!... Então veio a conclusão: “A vida é um acaso e Deus não existe”!...

Se não bastasse, o dono da loja “Rei dos Panos”, concluiu que era inviável manter a filial em Naviraí. A despesa de transporte estava muito elevada. Por mais que vendesse, não dava lucro!... Melhor seria transferi-la para uma cidade mais perto e assim escolheu a cidade de Formosa do Oeste PR e eu fiquei desempregado!...

Na mesma época meu pai sofreu um acidente na oficina!... Ele estava ajustando uns encaixes de uma imensa polia de várias toneladas de uma caldeira e ela deslizou e esmagou a ponta de seu polegar!... Triturou de um jeito que precisou amputar!... Logo as “fofoqueiras de plantão” comentaram que era coisa do demônio, pois o dono da serraria era Maçom e de tempos em tempos morria algum funcionário, como oferenda do súdito!...

E meu pai pediu demissão!... Mas a verdade é que novos tempos chegaram à Naviraí e a energia elétrica estava com oferta suficiente, o que levou as grandes serrarias a abandonarem as antigas caldeiras e instalarem modernos motores elétricos. Isso aconteceu com o outro grupo financeiro e meu tio viu-se obrigado a tentar montar sua própria oficina!...

A serraria onde meu pai trabalhava também adotou os motores elétricos e a perspectiva futura era desativarem totalmente a oficina, o que deixou meu pai inquieto quanto ao futuro. E meu tio fez uma oferta de sociedade a meu pai!... Não sei quais os termos, mas como eu estava desempregado, fui convidado a trabalhar no escritório. Portanto, situação em nada ligado ao acidente com o dedo!... Simplesmente circunstância e mudanças!...

Além do mais, já existia escassez de oferta de madeira em Naviraí e a maioria das serrarias foram para o norte de Mato Grosso, mas algumas foram para Rondônia. Entretanto, não sei o que aconteceu, mas a sociedade não se concretizou!... No fim, meu pai arrumou emprego em uma grande tornearia de retifica de motores no centro da cidade e eu fui trabalhar no escritório da oficina de meu tio.

Quando cheguei para o meu primeiro dia de trabalho, notei na parede do escritório uma enorme imagem de Jesus!... Estava no meu território então imediatamente retirei. O Ferreiro, novo sócio de meu tio, perguntou o motivo. Expliquei que aquele era um ambiente de trabalho, além do mais, eu não acreditava em Jesus ou Deus!... Era tudo questão de ilusão e comércio da fé!...

O Ferreiro riu de minha opinião e iniciamos uma longa conversa. No fim, ele não me convenceu a acreditar em Deus, mas teve simpatia a meu respeito. Até prometeu me emprestar uns livros. No dia seguinte ele chegou com um livro em mãos. Entregou-me e falou:

– Leia esse livro!... Nele você vai encontrar as respostas para todas as suas dúvidas e vai entender qual o sentido da vida!...

Peguei o livro e li o título: O LIVRO DOS ESPÍRITOS!... De fato, nesse livro finalmente encontrei as respostas para os mistérios da vida e foi importante o suficiente para decidir continuar a viver!... Voltei a acreditar em Deus e em Jesus, até comprei uma Bíblia, dessa vez, com o Novo Testamento por completo!... Parei de beber, parei de fumar, voltei a estudar e assim iniciei uma nova vida!...

Mas nada contra quem quiser entender que foi a morte de minha avó que me fez mudar de opinião!... O resto são novas aventuras para outras ocasiões!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

FIM.

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Outras Obras do autor:

- MISCELÂNEA – Crônicas e Poesias.

https://clubedeautores.com.br/livro/miscelanea-cronicas-e-poesias

MEMÓRIAS do Menino Esquecido – Versão sem imagens.

https://clubedeautores.com.br/livro/memorias-do-menino-esquecido

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