34 - O FINAL
Em dezembro de 1976,
uma das primeiras providências de meu pai foi vender a Rural e enviar a
restituição do empréstimo à minha avó Jovelina. Depois também fez negócio com o
Gordini e recebeu a maior parte em troca de uma vitrola e uns quarenta
discos!... Em seguida comprou uma bicicleta e passou a ir trabalhar de “Bike”
todos os dias!...
Em maio de 1977, quando
contei a minha mãe que tinha pedido demissão no emprego, ela nada falou. Mas
nada de excepcional, pois raramente falava comigo. Desconfio que ela foi até à loja
para esclarecer o assunto. E provavelmente no mesmo dia passou na loja vizinha,
a “Rei dos Panos”, uma filial cuja Matriz ficava em Goioerê PR e já deixou o
meu novo emprego encaminhado, para iniciar no dia primeiro de junho!... Não
fiquei em casa nenhum dia e ainda estudava à noite!...
Na época estava
cursando a 7ª série no Colégio Médici, mas por falta de salas de aulas, numa
extensão no Colégio Marechal Rondon e era no centro da cidade, pavilhões de
madeira, a qual posteriormente veio a ser Quartel da Polícia Militar e após a
demolição, fizeram o Fórum de Justiça. Consegui passar até com facilidade para
a 8ª série, mas também depois de cursar a 7ª série pelo terceiro ano
consecutivo, se não fosse aprovado, deveria receber um troféu de incompetência,
pois na teoria previamente sabia todo o conteúdo!...
Na loja “Rei dos Panos”
trabalhei por um ano e meio!... Para o meu padrão, um Record que perdurou por
sete anos!... E o modelo de gerenciamento era muito diferente do praticado na loja
anterior. Tinha um gerente, mas tão gente boa que éramos praticamente uma
família!... E fui de tudo, até pajem do filho do gerente!... A loja vendia
móveis e foi assim que fiz a proeza de atravessar a mão com uma chave de
fenda!... E para quem acha engraçado, tente parafusar um pé numa mesa de fórmica!...
É a coisa mais dura do mundo!... Hoje em dia usam máquinas parafusadeiras!...
Uma das atribuições na loja era acompanhar o
“Carro de Som”, um fusquinha com dois alto-falantes em cima usado para fazer
propaganda da loja!... O motorista era o “Dico” e com ele fui para o Porto
Caiuá, fazenda Vaca Branca, fazenda Nova Esperança, até em outras cidades
vizinhas!... Pensando bem, melhor nem entrar em detalhes quanto a determinada
região de Santa Luzia e as animadas senhoras!... Mas o Dico justificava:
– Elas também são
Clientes!... Temos de fazer propaganda em todos os lugares!...
Ele dirigia e eu andava de casa em casa a
entregar os folhetos com as ofertas, tal qual já fizera em Sansabel!... Com ele
aprendi a beber e a fumar!... Até tentar mentir, pois nos tradicionais torneios
de futebol nas fazendas, quando ficávamos bêbados, começávamos a cantar as
músicas sertanejas antigas: “O que é feito daqueles beijos que eu te dei”? (Tião
Carreiro/Pardinho).
– Essa é música que nós fizemos, não é?...
– Claro que é!... – Eu
respondia todo “mamado” de pinga e cerveja, sem perceber o ridículo da
situação. Mas para propaganda da loja, valia tudo.
Virei grande amigo de
um dos vendedores, um descendente de paraguaios que morava acima da avenida
Amélia Fukuda. Ele tinha um fusquinha e teve uma vez que ficamos tão bêbados
que para ele me levar em casa precisou eu sentar de lado no banco do carona
para firmá-lo com as costas contra a porta do motorista e ele conseguir
dirigir!... E até hoje não sei como ele conseguiu chegar à casa dele!...
Mas sei que entrei em
casa e vomitei um absurdo na sala, ou seja, no meu quarto!... No entanto, nisso
estava a minha dor maior, pois ninguém se importava ou falava nada!... Eu já
era “menino esquecido” faz tempo, mas agora virara um fantasma!... Nem quarto
eu tinha!... Fizeram uma cortina num canto da sala para ocultar apenas o meu
colchão no chão e ali eu dormia não poucas vezes entre lágrimas e dor!...
Na época o patrão de
meu pai deu a ele um terreno, com escritura em Cartório, além de toda a madeira
necessária para construir uma casa e isso foi feito!... E assim em agosto de
1977 mudamos para a rua Regente Feijó onde o meu pai permanece até hoje!...
Ganhei um quartinho, mas ao menos era meu e com porta!...
Não sei ao certo se foi
no final de 1977 ou no início de 1978, mas chegou um telefonema no escritório
da serraria, vindo de Sarandi, dando conta que minha avó italiana estava
gravemente doente!... Imediatamente fomos todos para o Paraná!... Minha mãe a
chorar o tempo todo, pois temia pelo pior!... De fato, quando chegamos, o
triste presságio foi confirmado!... Ela não estava doente. Deitara no dia anterior
e dormiu para sempre, o sono da morte...
Fizeram o velório no quintal da casa!... Um pouco abaixo da horta ficou o caixão aberto, enquanto ela aparentava toda a tranquilidade do mundo!... Quando esgotou o tempo máximo de espera, fecharam o caixão!... Bateu um desespero em meu tio mais novo e ele se atirou sobre o caixão, em lágrimas copiosas a gritar:
Foi a situação mais
triste que eu tinha visto na vida!... Fiquei muito assustado com o panorama da
morte. Voltamos para Naviraí e eu estava muito impressionado!... Imaginava como
seria o meu velório. Claro que ninguém iria lamentar em desespero qual o meu tio!...
Mas pensei no oposto!... As pessoas a amaldiçoar em lamentos não a minha
ausência, mas todo o trabalho e tempo perdido!... “Morreu inutilmente qual
viveu”!...
Por outro lado, voltei
muito triste e abatido, ainda mais ao constatar que perdera algumas provas e
uma delas de um professor extremamente rigoroso. Eu tivera a infelicidade de
pegar esse professor justamente numa das primeiras aulas e era impossível sair
do serviço às dezoito horas, ir para casa, tomar banho, colocar o uniforme,
jantar rapidamente e chegar à escola antes das dezenove horas!... Não adiantaria
boas notas nas demais matérias se fosse reprovado em apenas uma!... Seria perda
de sono e tempo. Desisti de concluir a 8ª série.
E no ano seguinte
completaria dezessete anos e não aprendera e nem vira nada que justificasse as
aflições da vida. Não tinha lógica tanto sofrimento!... Então veio a conclusão:
“A vida é um acaso e Deus não existe”!...
Se não bastasse, o dono
da loja “Rei dos Panos”, concluiu que era inviável manter a filial em Naviraí.
A despesa de transporte estava muito elevada. Por mais que vendesse, não dava
lucro!... Melhor seria transferi-la para uma cidade mais perto e assim escolheu
a cidade de Formosa do Oeste PR e eu fiquei desempregado!...
Na mesma época meu pai sofreu
um acidente na oficina!... Ele estava ajustando uns encaixes de uma imensa
polia de várias toneladas de uma caldeira e ela deslizou e esmagou a ponta de
seu polegar!... Triturou de um jeito que precisou amputar!... Logo as
“fofoqueiras de plantão” comentaram que era coisa do demônio, pois o dono da serraria
era Maçom e de tempos em tempos morria algum funcionário, como oferenda do
súdito!...
E meu pai pediu
demissão!... Mas a verdade é que novos tempos chegaram à Naviraí e a energia elétrica
estava com oferta suficiente, o que levou as grandes serrarias a abandonarem as
antigas caldeiras e instalarem modernos motores elétricos. Isso aconteceu com o
outro grupo financeiro e meu tio viu-se obrigado a tentar montar sua própria oficina!...
A serraria onde meu pai
trabalhava também adotou os motores elétricos e a perspectiva futura era
desativarem totalmente a oficina, o que deixou meu pai inquieto quanto ao
futuro. E meu tio fez uma oferta de sociedade a meu pai!... Não sei quais os
termos, mas como eu estava desempregado, fui convidado a trabalhar no escritório.
Portanto, situação em nada ligado ao acidente com o dedo!... Simplesmente
circunstância e mudanças!...
Além do mais, já existia
escassez de oferta de madeira em Naviraí e a maioria das serrarias foram para o
norte de Mato Grosso, mas algumas foram para Rondônia. Entretanto, não sei o
que aconteceu, mas a sociedade não se concretizou!... No fim, meu pai arrumou
emprego em uma grande tornearia de retifica de motores no centro da cidade e eu
fui trabalhar no escritório da oficina de meu tio.
Quando cheguei para o
meu primeiro dia de trabalho, notei na parede do escritório uma enorme imagem
de Jesus!... Estava no meu território então imediatamente retirei. O Ferreiro,
novo sócio de meu tio, perguntou o motivo. Expliquei que aquele era um ambiente
de trabalho, além do mais, eu não acreditava em Jesus ou Deus!... Era tudo
questão de ilusão e comércio da fé!...
O Ferreiro riu de minha opinião e iniciamos uma
longa conversa. No fim, ele não me convenceu a acreditar em Deus, mas teve
simpatia a meu respeito. Até prometeu me emprestar uns livros. No dia seguinte
ele chegou com um livro em mãos. Entregou-me e falou:
– Leia esse livro!...
Nele você vai encontrar as respostas para todas as suas dúvidas e vai entender
qual o sentido da vida!...
Peguei o livro e li o
título: O LIVRO DOS ESPÍRITOS!... De fato, nesse livro finalmente encontrei as
respostas para os mistérios da vida e foi importante o suficiente para decidir
continuar a viver!... Voltei a acreditar em Deus e em Jesus, até comprei uma
Bíblia, dessa vez, com o Novo Testamento por completo!... Parei de beber, parei
de fumar, voltei a estudar e assim iniciei uma nova vida!...
Mas nada contra quem
quiser entender que foi a morte de minha avó que me fez mudar de opinião!... O
resto são novas aventuras para outras ocasiões!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
FIM.
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Outras Obras do autor:
- MISCELÂNEA – Crônicas e Poesias.
https://clubedeautores.com.br/livro/miscelanea-cronicas-e-poesias
MEMÓRIAS do Menino Esquecido – Versão sem
imagens.
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