quinta-feira, 7 de abril de 2022

02 - A GUERRILHA

02 - A GUERRILHA

Era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones. Girava o mundo, sempre a cantar, as coisas lindas da América!... (Engenheiros do Hawaii).

Perdi a graça, mas não o gosto!... E também é preciso esclarecer que “velho” era qualquer pessoa com mais de quarenta anos e o bruxo do Corcel não era um ancião, pois sequer tinha cabelos brancos.

O fato é que na quinzena seguinte coloquei o facão de meu pai na capa que eu mesmo costurara na máquina de costura de minha mãe, peguei o estilingue e voltei ao matão!

Era questão de honra! Como poderia acertar um carro a cem metros e não acertar nenhum mísero Tico-Tico a cinco metros?... Todavia, por precaução, para não confessar o pavor, resolvi que iria caçar no lado oeste, na região da estrada para Loanda PR.

Não era o domínio de minha atual galera, onde eu era o Zé Gordo. Aquelas bandas pertenciam à turma da região do ginásio de esportes, onde eu morara no início do ano e era conhecido como Zezé.

Além do mais, a rivalidade do pessoal de Santa Isabel do Ivaí nem de longe espelhava a hostilidade das quadrilhas de Santa Cruz de Monte Castelo!...

Ali sim a situação era sinistra! Chegavam a treinar Kung-Fu, andavam armados de cassetetes e lembro-me de uma batalha que testemunhei na quadra de esportes ao lado do colégio, onde cada grupo entrou por um portão e foi pedrada e estilingada para todos os lados!...

Não foi à toa que fui suspenso da escola por trinta dias por inocentemente levar uma faca no estojo, mas era apenas para apontar o lápis!... A garota da música americana me entregou!... A mesma que depois reencontrei lá em Naviraí, mas essa é outra história!... Infelizmente com tanta confusão entre os jovens, a Diretora não quis saber de meus argumentos.

Ela morava numa casa de esquina e eu na mesma rua, numa casa rosa, ao lado da casa do Alfredo, o filho de fazendeiro que havia me ludibriado a colocar em sua coleção o único carrinho de plástico que eu ganhara, após conhecer o Papai Noel.

Dias antes da suspensão, a Diretora colocou a cabeleira cheia de bobes na janela e aos berros reclamou de nossa algazarra na rua.

O Cacá baixou a cabeça e foi para casa, ainda mais que há pouco tempo o pai o deixara amarrado, sem roupas, num poste de balaústra, ao lado da casa da “educadora”, durante toda a noite!...

Ninguém fez nada.... Foi o castigo mais constrangedor que vi na vida. Nessas horas, cada um cuidava de sua vida e ninguém se intrometia.

O fato é que eu fiquei indignado e quando a Diretora reclamou de nossas brincadeiras, imediatamente mandei-a tomar “cuidado”, mas desconfio que ela escutou só a primeira sílaba...

E por isso, seria muita inocência depois esperar ela aliviar a minha barra por causa de uma singela faca de dez centímetros e que eu trocara por um estilingue com um menino de uma das quadrilhas!...

Eram vinte horas, chovia muito, mas eu permanecia firme entre a parede da casa e as goteiras, pois se entrasse, levaria uma surra pior do que o castigo do Cacá. Onde já se viu?!... Improperar a Diretora da escola!... Nesse dia eu aprendi que criança precisa ter palavra de honra, mas adultos não!... Enfim, depois eu conto essa história.

Em Monte Castelo, um dos líderes era filho do dono da loja de venda de baterias, bem na esquina perto da praça da Igreja Matriz. Algum tempo depois a família dele também veio para “Sansabel” e lhe perguntei:

– Qual o motivo de tanta rivalidade”?...

– Não sei. – Ele respondeu: – Simplesmente foi assim...

Em Sansabel a única rivalidade era no campo de futebol, de meu pessoal da região do D. E. R. (Letra por letra) – Departamento de Estradas e Rodagens, contra os carinhas da Vila do Sapo, lá na baixada do estádio municipal.

A região central do matão contava com muitos pássaros. Era comum avistar Sabiás, Bem-te-vis, Gralhas, Sanhaços, Alma de Gato, Pombas, Coleirinhas, até Periquitos e Papagaios. Mas fui logo encontrar um dos pássaros mais bonito! Era um Sanguinho, também conhecido como Sangue de Boi, por sua plumagem vermelha e preta, tipo camisa do time do Flamengo!...


Em casa existia um pequeno aviário. Não fora meu pai quem fizera. Já estava ali abandonado e arrebentado quando meu pai comprou a casa. E concertei as telas, reformei a portinha e até fiz uns poleiros. Faltava apenas uma ave de estimação para habitar o local, antes que minha mãe resolvesse encher com galinhas...

Na primeira vez que entrei no matão da região central, entre várias trilhas, optei por uma não longa e não demorou muito a deparar-me com uma enorme arapuca e uma Gralha Azul dentro!...

Imaginei que deveria ter dono, mas se deixasse a ave ali, certamente seria devorada por algum Lagarto!... Ao menos foi essa a justificava que encontrei para levar o belíssimo pássaro para casa!...

Naquela época não existia internet, mas as notícias circulavam rapidamente de boca em boca e não tardou o dono da arapuca, um rapaz bem mais forte, aparecer lá em casa!... Fiquei apavorado!... A gaguejar expliquei os meus motivos...

Mas ele foi muito legal, conversou tranquilo e levou a Gralha Azul. Até explicou que viajara para um sítio. Enfim, acho que se eu não a tivesse recolhido, de fato ela iria morrer!... O importante foi que recebi apoio para caçar naquela região, mas não poderia armar ou mexer em nenhuma arapuca.

E voltando ao Sanguinho, ele estava ali!... Bem na minha frente, dando azar... O instinto de caçador dominou, preparei o estilingue e pá!... Acertei!... Fui correndo pegar a presa!... Segurei-o na palma da mão, mas já não tinha a mesma beleza. Fiquei a procurar onde tinha acertado e a pensar: “Como pode ter nome de Sanguinho se nem sangrou”?...

Mas ao virar minha mão, tive a horripilante visão!... Não tinha sangue na palma da mão porque escorrera entre os dedos e encharcara o outro lado até perto do punho! Horrorizado, joguei-o ao chão!... E pensei: “Como pode um passarinho tão pequeno ter tanto sangue”?...

Voltei para casa muito arrependido e lavei várias vezes as mãos, mas de que adianta, se a lembrança marcante gravou na mente?... Definitivamente iria parar de caçar de estilingue!...

Ao menos naquele lado do matão, pois dias depois lá fui eu novamente, em busca de aventura para a região leste, nos lados da estrada do Mocó!... Mas por precaução, não segui a orla da rodovia e fiz a conhecida trilha por dentro do matão.

Nos dias anteriores a galera me aconselhou a não mais levar o facão, pois um grupo desconhecido tinha cortado o arame farpado da fazenda e deu um enorme trabalho ao fazendeiro recolher o gado.

Disseram que ele jurou “matar” quem ele pegasse com facão!... Mas como eu iria deixar o facão em casa, após tanto trabalho em costurar a capa?... E como iria andar por dentro do matão?... E se encontrasse uma cobra?... E se encontrasse algum outro bicho?...

Se já não bastasse o bruxo do Corcel, agora ainda tinha o tal fazendeiro!... E se fossem a mesma pessoa?... Será que o homem do Corcel cortou a cerca para me incriminar?... Enfim, exigia muita coragem encarar aquelas aventuras!... E de tanto pensar, acabei por atrair o que mais temia, pois ao colocar o pé na estrada, ao longe avistei uma Caminhonete C-10 e poderia ser o fazendeiro!...

Entrei no mato e novamente em desabalada carreira, até dar de cara com uma caixa de marimbondos!... Sofri várias picadas, mas a pior de todas, abaixo do olho, quase nariz, provocou inchaço a tal ponto de pouco enxergar, mesmo assim, consegui chegar à minha casa.

Naquela época eu estudava a 7ª série do 1º Grau, após pedir demissão nas Casas Pernambucanas, onde fiquei por um ano, pois meu pai avisou que iríamos de mudança para o Mato Grosso, cidade de “Viraí”, só que ele foi, não deu nada certo e voltou!... Depois foi novamente e nós ficamos numa longa espera de vários meses, no inesquecível ano de 1976.

Com o inchaço no rosto, não fiz o exame final e reprovei. Até existia a 2ª época em janeiro de 1977 para recuperar retardatários, mas no início de dezembro o meu pai voltou!... Com isso, no dia 16 do mesmo mês fomos todos para Naviraí MT, hoje MS!... Enfim, nova vida!

Não sem antes viajar para a despedida de parentes em Sarandi PR, onde enfrentei outra aventura surreal, ao viajar sozinho de trem, de noite, entre Maringá e Apucarana, sem saber ao certo em qual cidade deveria desembarcar!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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