02 - A GUERRILHA
Era um garoto, que como
eu, amava os Beatles e os Rolling Stones. Girava o mundo, sempre a cantar, as
coisas lindas da América!... (Engenheiros do Hawaii).
Perdi a graça, mas não
o gosto!... E também é preciso esclarecer que “velho” era qualquer pessoa com
mais de quarenta anos e o bruxo do Corcel não era um ancião, pois sequer tinha
cabelos brancos.
O fato é que na quinzena
seguinte coloquei o facão de meu pai na capa que eu mesmo costurara na máquina
de costura de minha mãe, peguei o estilingue e voltei ao matão!
Era questão de honra!
Como poderia acertar um carro a cem metros e não acertar nenhum mísero
Tico-Tico a cinco metros?... Todavia, por precaução, para não confessar o
pavor, resolvi que iria caçar no lado oeste, na região da estrada para Loanda
PR.
Não era o domínio de
minha atual galera, onde eu era o Zé Gordo. Aquelas bandas pertenciam à turma
da região do ginásio de esportes, onde eu morara no início do ano e era
conhecido como Zezé.
Além do mais, a
rivalidade do pessoal de Santa Isabel do Ivaí nem de longe espelhava a
hostilidade das quadrilhas de Santa Cruz de Monte Castelo!...
Ali sim a situação era
sinistra! Chegavam a treinar Kung-Fu, andavam armados de cassetetes e lembro-me
de uma batalha que testemunhei na quadra de esportes ao lado do colégio, onde
cada grupo entrou por um portão e foi pedrada e estilingada para todos os
lados!...
Não foi à toa que fui
suspenso da escola por trinta dias por inocentemente levar uma faca no estojo,
mas era apenas para apontar o lápis!... A garota da música americana me
entregou!... A mesma que depois reencontrei lá em Naviraí, mas essa é outra
história!... Infelizmente com tanta confusão entre os jovens, a Diretora não
quis saber de meus argumentos.
Ela morava numa casa de
esquina e eu na mesma rua, numa casa rosa, ao lado da casa do Alfredo, o filho
de fazendeiro que havia me ludibriado a colocar em sua coleção o único carrinho
de plástico que eu ganhara, após conhecer o Papai Noel.
Dias antes da
suspensão, a Diretora colocou a cabeleira cheia de bobes na janela e aos berros
reclamou de nossa algazarra na rua.
O Cacá baixou a cabeça
e foi para casa, ainda mais que há pouco tempo o pai o deixara amarrado, sem
roupas, num poste de balaústra, ao lado da casa da “educadora”, durante toda a
noite!...
Ninguém fez nada....
Foi o castigo mais constrangedor que vi na vida. Nessas horas, cada um cuidava
de sua vida e ninguém se intrometia.
O fato é que eu fiquei
indignado e quando a Diretora reclamou de nossas brincadeiras, imediatamente
mandei-a tomar “cuidado”, mas desconfio que ela escutou só a primeira sílaba...
E por isso, seria muita
inocência depois esperar ela aliviar a minha barra por causa de uma singela
faca de dez centímetros e que eu trocara por um estilingue com um menino de uma
das quadrilhas!...
Eram vinte horas,
chovia muito, mas eu permanecia firme entre a parede da casa e as goteiras,
pois se entrasse, levaria uma surra pior do que o castigo do Cacá. Onde já se
viu?!... Improperar a Diretora da escola!... Nesse dia eu aprendi que criança
precisa ter palavra de honra, mas adultos não!... Enfim, depois eu conto essa
história.
Em Monte Castelo, um dos líderes era filho do
dono da loja de venda de baterias, bem na esquina perto da praça da Igreja Matriz.
Algum tempo depois a família dele também veio para “Sansabel” e lhe perguntei:
– Qual o motivo de tanta rivalidade”?...
– Não sei. – Ele
respondeu: – Simplesmente foi assim...
Em Sansabel a única
rivalidade era no campo de futebol, de meu pessoal da região do D. E. R. (Letra
por letra) – Departamento de Estradas e Rodagens, contra os carinhas da Vila do
Sapo, lá na baixada do estádio municipal.
A região central do
matão contava com muitos pássaros. Era comum avistar Sabiás, Bem-te-vis,
Gralhas, Sanhaços, Alma de Gato, Pombas, Coleirinhas, até Periquitos e
Papagaios. Mas fui logo encontrar um dos pássaros mais bonito! Era um
Sanguinho, também conhecido como Sangue de Boi, por sua plumagem vermelha e
preta, tipo camisa do time do Flamengo!...
Em casa existia um
pequeno aviário. Não fora meu pai quem fizera. Já estava ali abandonado e arrebentado
quando meu pai comprou a casa. E concertei as telas, reformei a portinha e até
fiz uns poleiros. Faltava apenas uma ave de estimação para habitar o local,
antes que minha mãe resolvesse encher com galinhas...
Na primeira vez que
entrei no matão da região central, entre várias trilhas, optei por uma não
longa e não demorou muito a deparar-me com uma enorme arapuca e uma Gralha Azul
dentro!...
Imaginei que deveria
ter dono, mas se deixasse a ave ali, certamente seria devorada por algum Lagarto!...
Ao menos foi essa a justificava que encontrei para levar o belíssimo pássaro
para casa!...
Naquela época não existia
internet, mas as notícias circulavam rapidamente de boca em boca e não tardou o
dono da arapuca, um rapaz bem mais forte, aparecer lá em casa!... Fiquei
apavorado!... A gaguejar expliquei os meus motivos...
Mas ele foi muito legal,
conversou tranquilo e levou a Gralha Azul. Até explicou que viajara para um
sítio. Enfim, acho que se eu não a tivesse recolhido, de fato ela iria
morrer!... O importante foi que recebi apoio para caçar naquela região, mas não
poderia armar ou mexer em nenhuma arapuca.
Mas ao virar minha mão,
tive a horripilante visão!... Não tinha sangue na palma da mão porque escorrera
entre os dedos e encharcara o outro lado até perto do punho! Horrorizado,
joguei-o ao chão!... E pensei: “Como pode um passarinho tão pequeno ter tanto
sangue”?...
Voltei para casa muito
arrependido e lavei várias vezes as mãos, mas de que adianta, se a lembrança
marcante gravou na mente?... Definitivamente iria parar de caçar de estilingue!...
Ao menos naquele lado
do matão, pois dias depois lá fui eu novamente, em busca de aventura para a
região leste, nos lados da estrada do Mocó!... Mas por precaução, não segui a
orla da rodovia e fiz a conhecida trilha por dentro do matão.
Nos dias anteriores a
galera me aconselhou a não mais levar o facão, pois um grupo desconhecido tinha
cortado o arame farpado da fazenda e deu um enorme trabalho ao fazendeiro recolher
o gado.
Disseram que ele jurou
“matar” quem ele pegasse com facão!... Mas como eu iria deixar o facão em casa,
após tanto trabalho em costurar a capa?... E como iria andar por dentro do
matão?... E se encontrasse uma cobra?... E se encontrasse algum outro bicho?...
Se já não bastasse o
bruxo do Corcel, agora ainda tinha o tal fazendeiro!... E se fossem a mesma
pessoa?... Será que o homem do Corcel cortou a cerca para me incriminar?...
Enfim, exigia muita coragem encarar aquelas aventuras!... E de tanto pensar,
acabei por atrair o que mais temia, pois ao colocar o pé na estrada, ao longe
avistei uma Caminhonete C-10 e poderia ser o fazendeiro!...
Entrei no mato e
novamente em desabalada carreira, até dar de cara com uma caixa de
marimbondos!... Sofri várias picadas, mas a pior de todas, abaixo do olho,
quase nariz, provocou inchaço a tal ponto de pouco enxergar, mesmo assim,
consegui chegar à minha casa.
Naquela época eu
estudava a 7ª série do 1º Grau, após pedir demissão nas Casas Pernambucanas,
onde fiquei por um ano, pois meu pai avisou que iríamos de mudança para o Mato
Grosso, cidade de “Viraí”, só que ele foi, não deu nada certo e voltou!...
Depois foi novamente e nós ficamos numa longa espera de vários meses, no
inesquecível ano de 1976.
Com o inchaço no rosto,
não fiz o exame final e reprovei. Até existia a 2ª época em janeiro de 1977
para recuperar retardatários, mas no início de dezembro o meu pai voltou!...
Com isso, no dia 16 do mesmo mês fomos todos para Naviraí MT, hoje MS!...
Enfim, nova vida!
Não sem antes viajar
para a despedida de parentes em Sarandi PR, onde enfrentei outra aventura
surreal, ao viajar sozinho de trem, de noite, entre Maringá e Apucarana, sem
saber ao certo em qual cidade deveria desembarcar!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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