quinta-feira, 7 de abril de 2022

21 - A TELEVISÃO

21 - A TELEVISÃO

Ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais!... (Almir Sater).

Na verdade, eu não fazia a menor ideia do que acontecia no tal cinema, mas deveria ser bom, pois alguns carros estacionavam no terreno ao lado e quando as pessoas saiam aparentavam felicidade!... Talvez fosse alguma invenção maravilhosa qual a caixinha mágica com os homenzinhos dentro!... Sei lá!...

Algum tempo depois, em 1971, eu já entendia perfeitamente como funcionava uma televisão, tanto que nem dei muita importância quando toda a cidade de Monte Castelo parou para ver o pouso da Apolo 14 na Lua, a célebre missão espacial da NASA e com transmissão simultânea para todo o mundo!...

Eu tinha visto na revista do tio Patinhas o Professor Pardal levar os sobrinhos do Donald até Júpiter que é muito mais longe!... Imagina se iria ligar para os americanos que foram logo ali na Lua!...

Mas antes disso, talvez no dia das crianças de 1970, liberam o acesso grátis e finalmente pude conhecer o cinema!... Lembro-me até do nome do Filme: “A Queda dos Gigantes”!... Fiquei com uma expectativa enorme!... O que seriam esses gigantes?... Seriam de Júpiter?... Era um filme com um consagrado ator da época, Jack Palance e em Espanhol recebeu o título de “La Batalla de los Gigantes”. Na Itália “L’ Urlo dei Giganti”.

Finalmente apagaram as luzes e começou o filme!... Impressionante a tela enorme, o som alto, as cores brilhantes, parecia que estávamos dentro da história!... Tudo muito diferente da televisão preto e branco!... Mas não tinha nenhuma queda de gigante, exceto em relação ao porte dos soldados a brigarem na guerra!... No máximo, vi um deles cair de um caminhão. Então finalmente entendi!... A tela era tão grande que os soldados pareciam gigantes!... Por isso o nome do filme!... Mas a maior parte era um homem a cortejar uma mulher. Como diria minha prima: “Que nojo”!...

Entretanto, a pessoa que teve a ideia de presentear as crianças com o livre acesso, deveria receber um troféu de desonra, não pela elogiável iniciativa, mas pela escolha do filme!... Muito absurdo mostrar um filme de guerra para crianças que mal tinham noção da realidade!... O fato é que depois começaram as quadrilhas pela cidade. Jovens se armando de estilingue, pedras, cacetes e até facas!... Enfrentavam-se em batalhas insanas em comportamento jamais visto em outra cidade!...

Mas antes disso, na semana seguinte à surra, até aventurei-me a sentar em frente de casa. Eu gostava de ficar ali, não apenas para ver o estranho movimento de carros em direção a estradinha, mas para escutar os alto-falantes do cinema em músicas bem diferentes daquelas que meu pai amava ouvir no velho rádio. Foi assim que escutei pela primeira vez a música “Milionários”!... A mesma que o Eurípedes me ensinou a dedilhar no violão em frente à sua casa lá em Uberaba MG, no banquinho de madeira, mas isso é outra história.

O fato é que eu estava ali, triste da vida, na eterna procura de entendimento quanto ao funcionamento do mundo e de repente, escutei um menino falar:

– Apanhou de seu pai, não foi?...

– É... – Respondi. – E nem entendi o motivo.

– Fica triste não. Um dia tudo passa!...

– Mas demora. E até lá?...

– Aproveita o que tem de bom agora!... Está vendo aquela plantinha ali?... Sabia que dá para fazer borbulhas com ela?...

Era um arbusto de pequeno porte, folhas médias e roxas, tronco escuro, frutos pequenos quais graus de mamona. O menino pegou um galhinho de mato, enrolou a ponta até formar um pequeno círculo. Depois arrancou uma folha da planta roxeada e deixou a seiva escorrer sobre sua palma. Por fim, colocou o círculo dentro, trouxe para próximo ao rosto e assoprou!... Maravilha!... Dezenas de bolhas subiram pelo ar!...

– Bonito, não é?...

– Muito legal!... – Respondi, após passar um carro barulhento.

– E esses carros?... – Perguntei ao esperto menino. – Para onde vão?...

– Pois é!... – Ele abaixou a cabeça e respondeu: – Um dia vou ver essa história. Mas hoje não!... Vamos ficar aqui fazendo borbulhas!...

– Está bem! – Respondi feliz!...

Nos dias seguintes animei-me mais. Até resolvi explorar as redondezas. Foi quando escutei o típico barulho de chute na bola!... Mas era dentro de um pasto de gado com enormes pés de capim colonião!... Como seria possível isso?!... Criei coragem e abri caminho pelos tufos de capim. De repente, abriu-se uma clareira e lá estava um minicampo de futebol!... Não era pasto de gado coisa alguma. Era um quarteirão inteiro com uma casa só, dentro da cidade, apenas aos lados o capim crescera!...

Os três meninos pararam de jogar. Um deles questionou minha invasão!... Mas outro argumentou que agora seriam quatro e daria para jogar em “disputa”. Então expliquei que eu morava ali perto e assim iniciou uma nova rotina, com novos amigos. Mas no fundo era apenas uma fuga da realidade. A raiz da tristeza penetrara em meu coração e jogar bola era um momento feliz!... Criou-se um carreador pelo capim, de tantas vezes que por ali passei nos dias seguintes.

Mas logo nos mudamos para uma casa melhor, mais perto da oficina onde meu pai agora era Torneiro Mecânico. Por coincidência também era a única casa no quarteirão inteiro!... Naquela época, cidade pequena do interior, era comum essa situação. Entretanto, não era longe da anterior e quase todos os dias eu voltava ao quarteirão do campinho e entrava pelo portão da frente, como amigo convidado!...

Em certa tarde eu deixei o campinho após horas de “disputa”! Estava todo sujo, cansado, com fome, sede e fiquei com preguiça de dar a volta no quarteirão para entrar pela frente do quintal. Resolvi cortar caminho pelos fundos. Era simples!... O mato era baixo, seguiria direto até a cerca de balaústra, passaria por cima e já estaria na porta da cozinha!...

Imaginei que se pulasse a cerca próximo ao mourão teria mais segurança. O problema é que justamente ali, alguém enroscou uns pedaços de arame farpado por dentro!... Ao pular minha perna esquerda bateu no arame e três grampos furaram meu joelho!... Pior!... Fiquei pendurado, enquanto os grampos rasgavam o couro e comecei a gritar de dor!...

Minha mãe saiu desesperada em meu socorro!... E quanto mais mexia, mais rasgava!... Por fim, conseguiu me livrar e levar para a cozinha. Até hoje tenho os três furos rasgados, para combinar com o corte no outro joelho.

– Zezin?!... – Esbravejou. – Você tem ideia do que seu pai vai fazer com você quando chegar do serviço?!...

– Não conta não, mãe!... Por favor...

– Então prometa que nunca mais vai jogar bola!... Não vê o quanto isso é perda de tempo?!... Deveria estudar!... Nem ainda completou a 1ª série!... Daqui uns meses fará nove anos e como vai ser?... Entrar novamente no 1º ano?!... Foi para isso que viemos para a cidade?!...

– Não conta não... Juro!... Nunca mais vou lá jogar bola e vou estudar na escola!...

– Está bem!... – Ela ponderou. – Mas vai tomar banho, enfaixar esses cortes, dormir cedo e ficar na cama todos os dias até seu pai sair para trabalhar!... Se ele descobrir, nem sei o que será!...

E assim foi feito. Nunca mais joguei bola, naquele campinho!... Mas em outros, cinco anos depois, quanto até minha mãe esquecera da promessa e eu estava na 7ª série, finalmente voltei a jogar bola!... Aliás, no momento oportuno explicar-se-á essa mágica de não ter concluído a 1ª série aos oito anos, mas cinco anos depois estar na 7ª série!...

De qualquer forma, entendo que o meu envolvimento com o futebol tenha sido decisivo para não me envolver na guerra de quadrilhas, conforme explicado nas narrativas iniciais!... Éramos todos, apenas crianças!... Não fazia sentido aquelas brigas e agressões entre grupos armados!...

Imagino que meu pai fora devidamente cientificado quanto aos novos ferimentos. Talvez não em detalhes. Afinal, como eu poderia ocultar a perna enfaixada com a erva de Santa Maria durante o almoço?... Talvez ele fingisse não ver e eu fingia que ele não sabia e a vida seguia em frente. Até visitei a nova oficina!... Parecia um armazém abandonado e reaproveitado. Era na avenida, saída para Sansabel ou Loanda.

Na frente da oficina, mas na mesma rua de nossa nova casa, morava a família do dono e ele comprara uma moderníssima televisão!... Claro que não tínhamos acesso, mas da rua, pela janela, era possível assistir!...

Nessas alturas eu já sabia que não era mágica coisa nenhuma!... Era igual ao rádio, mas com imagens em preto e branco, na verdade, diversos tons de cinza!... Quase igual, pois enquanto o rádio funcionava o dia inteiro, a televisão funcionava somente das cinco horas da tarde até umas dez horas da noite. E ainda pegava apenas um canal!...

E toda noite era minha única e favorita diversão ficar na calçada próximo à janela vizinha, para escutar:

– Tam, tam!... Dam, dam, dam!... Tam, tam!... Dam, dam, dam!... Tam!... Tam!... Tam!... IRMÃOS CORAGEM!... A novela marcou época em 1970 e ficou mais de um ano no ar!... Enchia-me a alma de alento escutar a parte final: IRMÃOS CORAGEM!... Era exatamente o que eu precisava naqueles dias sombrios!... Coragem!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

  

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