12 - O ARADO
“Pedacinho do céu, meu
cantinho de amor, lá está quem eu amo e que adoro com fervor. Lá está a minha
vida, lá está o meu viver, minha felicidade, razão do meu ser”. (Zé do Rancho e
Mariazinha).
Por volta de 1960, veio
morar no sítio um irmão mais velho, aquele que voltara para Minas Gerais, onde
casou e teve filhos. Ele era Carpinteiro e junto aos irmãos solteiros
construíram uma boa casa para sua jovem família ao lado da sede, além de outra
um pouco menor para o meu pai, pois ele estava noivo e com data marcada para o casamento.
Foi esse irmão
Carpinteiro quem ensinou a profissão ao meu pai. E não sei o motivo, mas não
ficou muito tempo no sítio. Preferiu tocar um arrendamento de café no município
vizinho de Loanda, na estrada para Monte Castelo, mas bem pertinho de Sansabel.
Talvez tenha feito essa opção para permitir aos filhos estudarem na cidade,
onde o ensino era regular e qualificado.
Oito anos depois, eu
testemunhei a precariedade escolar na região, quando meus tios da família
italiana me levaram para conhecer a escola onde estudavam, não aquela da
entrada do “Barraco” onde minha mãe fora professora, mas outra para os lados da
fazenda do japonês.
Lógico que fizeram o maior terror
psicológico!... Disseram que a Professora batia com a régua, mandava ajoelhar
em cima de grãos de milho ou castigo piores!... Mas ao menos naquele dia, de estranho
testemunhei apenas a ausência de separação etária, pois todas as crianças
estudavam na única sala, independente do ciclo de aprendizagem. E tinha até
recreio com merenda, uma papinha doce de fubá!... Como diria o meu avô mineiro:
– É!... Para qualquer
bagual serve!...
Mas oito anos antes, a
casinha ao lado da casa grande estava desocupada e até aquele momento não existia
desavença mais séria entre o meu pai e o meu avô, exceto o caso antigo e
superado da troca do café pelo capim. Dessa forma, após o casamento, coube ao casal
ali morar!...
Na mesma época, o irmão
mais novo da dupla de violão nas cantorias, retornou para Minas com o objetivo
específico de reencontrar a namoradinha de infância em uma daquelas histórias
de amor onde se diz que “estava escrito nas estrelas”!... Logo casaram e vieram
fazer o “cantinho de amor” na outra casa no sítio.
E por quatro anos tudo
pareceu encantador! Ambos os casais tiveram filhos ou filhas! Tudo era alegria,
mas também muito trabalho!... Até o café passou a dar lucro, pois aprenderam a
usar barreiras de proteção com arbustos, para amenizar o estrago das periódicas
geadas, além de diversificar a plantação.
A cada vinte anos em
média uma forte geada congelava o Paraná. Aconteceu em 1953. Novamente pior em
1975, quando queimou absurdamente todos os cafezais! A maioria dos agricultores
desistiu do café. Teve até suicídios. Entretanto, nesses intervalos as geadas
eram regionalizadas.
Em 1964 na região do
“Barraco”, uma forte geada novamente queimou a maioria dos pés de cafés! No
sítio italiano, os irmãos desistiram e resolveram desfazer a longa sociedade.
Doravante cada irmão seguiria seu destino. E meu avô “Coisão” resolveu levar
sua família para Cambira, pois lá morava a família da filha mais velha.
No sítio mineiro também
teve estrago, mas não comprometedor, pois era mais na baixada, além do
predomínio em pecuária. Mesmo assim, a frequente repetição do problema fez o
meu pai desanimar de vez e ele resolveu seguir o sogro para Cambira. Isso
provocou um abalo emocional em meu avô mineiro, pois recebeu aquilo como uma
traição, um abandono!...
Quase um ano depois, lá
estava o meu pai de volta, qual filho pródigo, a negociar o retorno. Mas meu
avô estava muito aborrecido, ainda mais que nesse meio tempo, o outro irmão
violeiro também desistiu e foi para Guarulhos-SP trabalhar como Marceneiro! Na
cabeça de meu avô, por causa das expectativas que ele criara, a culpa era de
meu pai! E o resto já foi contado em outra narrativa...
Além de morar no precário
ranchinho, coube ao meu pai cuidar do cafezal na parte mais longínqua, lá na
beira do estradão, três quilômetros das casas. O irmão mais novo iria casar e
controlava a primeira parte. A parte central era administrada por um primo
italiano de minha mãe, casado com uma irmã de meu pai.
E assim nasceu o meu
primeiro trabalho!... Todo dia subir alguns quilômetros e levar a marmita com o
almoço de meu pai!... Ao menos ele levava a moringa de água quando subia de
manhã. Em meu regresso era praxe “vistoriar” as melancias, melões, bananeiras,
alguns pés de mangas, tangerinas e goiabeiras.
O problema é que, às
vezes, o meu senso de localização não funcionava e eu adentrava no sítio ao
lado, onde um vizinho até começou a ocultar as melancias por baixo de vegetação
seca. Na verdade, eu nem gostava daquela qualidade meio amarelada, mas tentar
ocultar os frutos e deixar as ramas expostas era quase uma provocação intolerável!...
Tive de pegar algumas melancias!...
Quase quarenta anos
depois eu voltei ao sítio e encontrei o filho do vizinho que tentara esconder as
melancias. De imediato, foi o primeiro assunto que ele fez questão em falar!...
Por fim, para provar que não tinha mágoas, serviu-me uma metade de melancia
quase igual!... E tive de engolir como se fosse a melhor fruta do mundo!...
A primeira vez que meu
pai chegou para capinar teve um desânimo terrível!... Aquele setor ficara
abandonado! Ninguém cortara os galhos secos após a geada do ano anterior. Não
foi feita a poda seletiva das brotas. Todo tipo de mato selvagem crescera entre
as fileiras do café, setor pouco aproveitado porque era depósito de galhos,
troncos e mato seco!...
Por alguns dias, meu
pai até tentou capinar o chão endurecido das ruelas, mas por fim, desistiu.
Ficou a matutar em como resolver o problema. Então decidiu comprar um arado
movido a cavalo e revolver toda a terra!... Na teoria, uma ideia brilhante!
Rapidamente ocultaria o mato dentro da terra e ainda teria um adubo vegetal!...
No mesmo dia foi à
Sansabel e negociou a compra do arado para pagar após a colheita. Nem deu tanto
trabalho, pois bastou falar que era genro do “Coisão”, pois acho que até os
cães de rua conheciam o meu avô italiano!... Além do mais, era comum a compra e
venda para pagamento na colheita.
Quando o meu avô mineiro
soube da notícia, imediatamente reprendeu o meu pai!... Falou que o arado
cortaria as raízes do café e seria um desastre!... Onde se viu usar o arado no
café?... Sem os montículos de vegetação entre as fileiras certamente o café
secaria!... Irresponsabilidade e atitude de gente preguiçosa!...
Mas meu pai colocou em
prática o plano genial!... Rapidamente revolveu todas as ruelas e ainda
aproveitou o cavalo para arrancar alguns troncos e limpar totalmente o espaço
entre as fileiras do café. Com isso, onde antes plantavam apenas feijão
tropeiro, tomate, berinjela e quiabo, agora era espaço fértil na entre safra
para arroz, feijão, amendoim e milho!...
E para surpresa geral,
até o café ficou mais exuberante e produtivo, pois ao arar permitiu melhor
infiltrar a água das chuvas!... Quando chegou a safra, obteve quase o dobro de
sacas em relação aos demais!... Logo a iniciativa se espalhou e virou febre
entre os sitiantes. Ninguém mais queria capinar, só arar!...
Meu pai quitou a dívida,
comprou um novíssimo rádio Semp a pilha, caixa de madeira envernizada com
detalhes em vermelho. A pedido de minha mãe, comprou uma máquina de costura e
também um fogão a lenha industrial com forno e tudo!...
E alguns parentes
sentavam na beira do terreirão de secar café logo na frente e o local virou
ponto de encontro até tarde da noite, ou seja, lá pelas vinte horas, já que a
iluminação era de lamparinas a querosene!...
Aliás, quanto ao terreirão,
quando voltei décadas depois, além do ranchinho ainda estar de pé, constatei
que construíram uma pequena casa no local e aproveitaram o alicerce do terreirão!...
Mas meu avô, permaneceu
indiferente, talvez envolvido em outros problemas.
“Eu não troco o meu ranchinho, amarradinho de cipó, por uma
casa na cidade, nem que seja bangaló” ...
...” Quando rompe a madrugada canta o galo carijó, pia
triste a coruja na cumeeira do Paiol” ...
...” Não me dou com a
terra roxa, com a seca larga pó, na baixada do areão eu sinto um prazer maior” (Zé
do Rancho e Zé do Pinho / Chitãozinho e Xororó).
A gente era feliz e não
sabia!
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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