quinta-feira, 7 de abril de 2022

12 - O ARADO

12 - O ARADO

“Pedacinho do céu, meu cantinho de amor, lá está quem eu amo e que adoro com fervor. Lá está a minha vida, lá está o meu viver, minha felicidade, razão do meu ser”. (Zé do Rancho e Mariazinha).

Por volta de 1960, veio morar no sítio um irmão mais velho, aquele que voltara para Minas Gerais, onde casou e teve filhos. Ele era Carpinteiro e junto aos irmãos solteiros construíram uma boa casa para sua jovem família ao lado da sede, além de outra um pouco menor para o meu pai, pois ele estava noivo e com data marcada para o casamento.

Foi esse irmão Carpinteiro quem ensinou a profissão ao meu pai. E não sei o motivo, mas não ficou muito tempo no sítio. Preferiu tocar um arrendamento de café no município vizinho de Loanda, na estrada para Monte Castelo, mas bem pertinho de Sansabel. Talvez tenha feito essa opção para permitir aos filhos estudarem na cidade, onde o ensino era regular e qualificado.

Oito anos depois, eu testemunhei a precariedade escolar na região, quando meus tios da família italiana me levaram para conhecer a escola onde estudavam, não aquela da entrada do “Barraco” onde minha mãe fora professora, mas outra para os lados da fazenda do japonês.

Lógico que fizeram o maior terror psicológico!... Disseram que a Professora batia com a régua, mandava ajoelhar em cima de grãos de milho ou castigo piores!... Mas ao menos naquele dia, de estranho testemunhei apenas a ausência de separação etária, pois todas as crianças estudavam na única sala, independente do ciclo de aprendizagem. E tinha até recreio com merenda, uma papinha doce de fubá!... Como diria o meu avô mineiro:

– É!... Para qualquer bagual serve!...

Mas oito anos antes, a casinha ao lado da casa grande estava desocupada e até aquele momento não existia desavença mais séria entre o meu pai e o meu avô, exceto o caso antigo e superado da troca do café pelo capim. Dessa forma, após o casamento, coube ao casal ali morar!...

Na mesma época, o irmão mais novo da dupla de violão nas cantorias, retornou para Minas com o objetivo específico de reencontrar a namoradinha de infância em uma daquelas histórias de amor onde se diz que “estava escrito nas estrelas”!... Logo casaram e vieram fazer o “cantinho de amor” na outra casa no sítio.

E por quatro anos tudo pareceu encantador! Ambos os casais tiveram filhos ou filhas! Tudo era alegria, mas também muito trabalho!... Até o café passou a dar lucro, pois aprenderam a usar barreiras de proteção com arbustos, para amenizar o estrago das periódicas geadas, além de diversificar a plantação.

A cada vinte anos em média uma forte geada congelava o Paraná. Aconteceu em 1953. Novamente pior em 1975, quando queimou absurdamente todos os cafezais! A maioria dos agricultores desistiu do café. Teve até suicídios. Entretanto, nesses intervalos as geadas eram regionalizadas.

Em 1964 na região do “Barraco”, uma forte geada novamente queimou a maioria dos pés de cafés! No sítio italiano, os irmãos desistiram e resolveram desfazer a longa sociedade. Doravante cada irmão seguiria seu destino. E meu avô “Coisão” resolveu levar sua família para Cambira, pois lá morava a família da filha mais velha.

No sítio mineiro também teve estrago, mas não comprometedor, pois era mais na baixada, além do predomínio em pecuária. Mesmo assim, a frequente repetição do problema fez o meu pai desanimar de vez e ele resolveu seguir o sogro para Cambira. Isso provocou um abalo emocional em meu avô mineiro, pois recebeu aquilo como uma traição, um abandono!...

Quase um ano depois, lá estava o meu pai de volta, qual filho pródigo, a negociar o retorno. Mas meu avô estava muito aborrecido, ainda mais que nesse meio tempo, o outro irmão violeiro também desistiu e foi para Guarulhos-SP trabalhar como Marceneiro! Na cabeça de meu avô, por causa das expectativas que ele criara, a culpa era de meu pai! E o resto já foi contado em outra narrativa...

Além de morar no precário ranchinho, coube ao meu pai cuidar do cafezal na parte mais longínqua, lá na beira do estradão, três quilômetros das casas. O irmão mais novo iria casar e controlava a primeira parte. A parte central era administrada por um primo italiano de minha mãe, casado com uma irmã de meu pai.

E assim nasceu o meu primeiro trabalho!... Todo dia subir alguns quilômetros e levar a marmita com o almoço de meu pai!... Ao menos ele levava a moringa de água quando subia de manhã. Em meu regresso era praxe “vistoriar” as melancias, melões, bananeiras, alguns pés de mangas, tangerinas e goiabeiras.

O problema é que, às vezes, o meu senso de localização não funcionava e eu adentrava no sítio ao lado, onde um vizinho até começou a ocultar as melancias por baixo de vegetação seca. Na verdade, eu nem gostava daquela qualidade meio amarelada, mas tentar ocultar os frutos e deixar as ramas expostas era quase uma provocação intolerável!... Tive de pegar algumas melancias!...

Quase quarenta anos depois eu voltei ao sítio e encontrei o filho do vizinho que tentara esconder as melancias. De imediato, foi o primeiro assunto que ele fez questão em falar!... Por fim, para provar que não tinha mágoas, serviu-me uma metade de melancia quase igual!... E tive de engolir como se fosse a melhor fruta do mundo!...

A primeira vez que meu pai chegou para capinar teve um desânimo terrível!... Aquele setor ficara abandonado! Ninguém cortara os galhos secos após a geada do ano anterior. Não foi feita a poda seletiva das brotas. Todo tipo de mato selvagem crescera entre as fileiras do café, setor pouco aproveitado porque era depósito de galhos, troncos e mato seco!...

Por alguns dias, meu pai até tentou capinar o chão endurecido das ruelas, mas por fim, desistiu. Ficou a matutar em como resolver o problema. Então decidiu comprar um arado movido a cavalo e revolver toda a terra!... Na teoria, uma ideia brilhante! Rapidamente ocultaria o mato dentro da terra e ainda teria um adubo vegetal!...

No mesmo dia foi à Sansabel e negociou a compra do arado para pagar após a colheita. Nem deu tanto trabalho, pois bastou falar que era genro do “Coisão”, pois acho que até os cães de rua conheciam o meu avô italiano!... Além do mais, era comum a compra e venda para pagamento na colheita.

Quando o meu avô mineiro soube da notícia, imediatamente reprendeu o meu pai!... Falou que o arado cortaria as raízes do café e seria um desastre!... Onde se viu usar o arado no café?... Sem os montículos de vegetação entre as fileiras certamente o café secaria!... Irresponsabilidade e atitude de gente preguiçosa!...

Mas meu pai colocou em prática o plano genial!... Rapidamente revolveu todas as ruelas e ainda aproveitou o cavalo para arrancar alguns troncos e limpar totalmente o espaço entre as fileiras do café. Com isso, onde antes plantavam apenas feijão tropeiro, tomate, berinjela e quiabo, agora era espaço fértil na entre safra para arroz, feijão, amendoim e milho!...

E para surpresa geral, até o café ficou mais exuberante e produtivo, pois ao arar permitiu melhor infiltrar a água das chuvas!... Quando chegou a safra, obteve quase o dobro de sacas em relação aos demais!... Logo a iniciativa se espalhou e virou febre entre os sitiantes. Ninguém mais queria capinar, só arar!...

Meu pai quitou a dívida, comprou um novíssimo rádio Semp a pilha, caixa de madeira envernizada com detalhes em vermelho. A pedido de minha mãe, comprou uma máquina de costura e também um fogão a lenha industrial com forno e tudo!...

Instalou uma antena na cumeeira do ranchinho e toda tarde escutava suas músicas preferidas de viola, sentando num banco de madeira no jardim de margaridas e outras flores que minha mãe plantara abaixo da janela.


E alguns parentes sentavam na beira do terreirão de secar café logo na frente e o local virou ponto de encontro até tarde da noite, ou seja, lá pelas vinte horas, já que a iluminação era de lamparinas a querosene!...

Aliás, quanto ao terreirão, quando voltei décadas depois, além do ranchinho ainda estar de pé, constatei que construíram uma pequena casa no local e aproveitaram o alicerce do terreirão!...

Mas meu avô, permaneceu indiferente, talvez envolvido em outros problemas.

“Eu não troco o meu ranchinho, amarradinho de cipó, por uma casa na cidade, nem que seja bangaló” ...

...” Quando rompe a madrugada canta o galo carijó, pia triste a coruja na cumeeira do Paiol” ...

...” Não me dou com a terra roxa, com a seca larga pó, na baixada do areão eu sinto um prazer maior” (Zé do Rancho e Zé do Pinho / Chitãozinho e Xororó).

A gente era feliz e não sabia!

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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