01 - O CORCEL
“Meu pai não tinha educação, ainda me lembro, era um grande
coração. Ganhava a vida com muito suor e mesmo assim não podia ser pior. Pouco
dinheiro pra poder pagar todas as contas e despesas do lar”. (Titãs).
Ontem
recebi a notícia sobre um menino supostamente raptado em Naviraí MS, mas
algumas horas depois ele voltou. Acho que foi dar um "rolê".
Em
minha infância, aos nove anos, eu saia de manhã e voltava à tardinha, com sede
e fome, todo sujo de jogar bola no campinho de terra, mas estava tudo bem.
Normal naquela época. Hoje em dia, nem pode deixar o portão aberto, quanto mais
deixar criança sozinha na rua.
Lembrei-me
de 1971 quando morei em Santa Cruz de Monte Castelo PR e um dia resolvi
investigar porque passava tanto carro na rua de casa, se não era saída para
nenhuma outra cidade, exceto alguma fazenda ao norte, apesar da existência do cinema
duas quadras acima.
Segui
as marcas de pneus deixadas na poeira e após uma curva à direita, andei uns
dois quilômetros até próximo a saída para Loanda PR. Cheguei a uma vila cheia
de sorridentes mulheres nas portas e janelas!... Na verdade, voltei para casa sem
entender o mistério.
Tempos
depois finalmente descobri!... Aquela vila tinha em toda cidade e com o apelido
de ZBM!... Atualmente isso não existe mais. A internet ocupou a necessidade do
espaço físico. Mas naquela época, por ser Zona de Baixo Meretrício, fico
pensando no risco em aventurar-me àquele lugar, pois pedofilia sempre existiu.
Só por Deus mesmo!...
No
final de 1971 minha família voltou para a cidade vizinha onde nasci, Santa Isabel
do Ivaí PR e cinco anos depois, quando morava perto de um grande matão conhecido
como duzentos hectares, era comum pegar o facão de meu pai e se aventurar
naquela floresta, algumas vezes, juntamente com uma galera, conhecedora daquela
região de ponta a ponta, cada trilha, cada pé de jabuticaba!...
Conhecia
também uma estradinha muito usada, a qual após uns cem metros terminava no
nada, numa grande clareira circular no meio do mato!... E ao redor, em algumas
sombras, as marcas de capim amassado para virar local de "safadeza".
Tinha até nome: “Mocó”!
Um
dia eu estava sozinho e resolvi verificar os ninhos de Assum Preto em uns pés
de coco macaúba lá no final dessa estrada que cortava o tal duzentos hectares. E
vi passar um belíssimo veículo, um Corcel vermelho novinho, coisa mais linda!...
Dentro, um velho magro de bigode e uma sorridente mulher. Eles entraram na tal estradinha.
Minutos
depois cheguei à entrada e “safadeza” não poderia ser algo bom, então peguei a
maior pedra do bornal, coloquei no estilingue, mirei o céu na direção da
clareira e atirei!... Em seguida escutei o pipoco da pedra a bater justamente
em cima do carro!... Eu não acertava nem passarinho a dez metros, como foi
acontecer de acertar o Corcel?...
E
pensei: “Estou morto"! Sozinho na região, uns dois quilômetros de casa. Não
tive dúvidas: Entrei no matão, pois conhecia uma trilha de pé de jabuticaba bem
perto, cujo início do outro lado era menos de duzentos metros de casa!...
O
coração quase saiu pela boca, mas o engoli de volta e desembestei qual louco
pelo mato, nem as moitas de arranha-gato me pararam!... E até hoje fico
pensando na maldade que fiz com o velho!...
A
parte mais crítica estava por vir. Antes de chegar à saída, após quebrar cipó
no peito por quase um quilômetro, resolvi examinar a situação na beira da rodovia
que dava acesso a estrada do matão, pois chegara a uma trilha desconhecida de
nossos mapas!...
De
imediato pensei que o velho do Corcel era um bruxo e tinha se transformado em
uma enorme águia para me pegar!... Deu até uma tremedeira nas pernas.
De
repente, a enorme águia – deveria ser da espécie harpia – saltou em minha
direção!... Ou o velho era um bruxo poderoso ou jogou uma praga tão grande que
uma harpia de outro mundo veio me pegar!...
Minha
salvação foi estar bem próximo da mata e voltei de imediato para a trilha!... A
águia contornou a descida e seguiu em direção às fazendas do outro lado do
matão. Acho que pegar bezerro era mais fácil!...
Ela
deve ter visto o alvoroço de minha fuga e achou que seria alguma caça!...
Imagino que humanos não fizessem parte de seu cardápio, mas diante da frustração
de não ser um animal, avaliou que o menino gordinho até daria uma boa refeição,
ainda mais por enganá-la!...
Aliás,
tinha uma plantação esquisita nessa trilha, parecia milho novo, mas as folhas
eram curtas e serrilhadas, nunca tinha visto esse tipo de milho. Além do mais,
era uma plantação pequena, no meio do mato!... Coisa estranha e sem sentido.
Enfim,
andei pelo matão mais uns quinhentos metros e cheguei à trilha da galera, onde
o grupinho fizera uma cabana e hoje aparenta ser a sede de uma fazenda ou o aeroporto
da cidade. E nada do velho.... Será que ele sofreu um infarto e morreu?...
Retornei
para casa e por vários dias, além da escola, minha atenção foi unicamente jogar
bola no areão da esquina de casa ou no campo de futebol da vila do D. E. R. –
Departamento de Estradas e Rodagens.
Foi
assim que perdi a graça em caçar. Isso até dezembro de 1976 quando minha
família se mudou para Naviraí-MS e dois anos depois comprei uma espingarda de pressão.
Fiz muitas caçadas no Córrego do Touro e nas fazendas próximas.
O
motivo que me fez desistir do plano “dos dezessete” também me levou a trocar a espingarda
por um gravador e encerrei esse ciclo!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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