27 - AS MOEDAS
O que é dos outros não se deve ter! (Roberto
Carlos).
Eu nem fazia questão,
mas no início de 1972 completei dez anos!... Estava matriculado na 3º série do
Grupo Alberico. A televisão veio meses depois. Portanto, após retornar da escola,
era tradicional jogar bolinha de gude – mas falávamos “burquinhas” – na
modalidade “cabecinha” e “biroca”, mas também jogávamos “triângulo” e “estrela”.
Aliás, foi assim que aprendi a fazer a estrela de Davi sem tirar o dedo do
chão!...
E tinha uma quinta
opção, mas nem sei o nome... Basicamente era com apenas dois jogadores. Um
jogava a burquinha uns cinco a dez metros à frente e o outro deveria acertá-la
e neste caso ganharia a bolinha!... Se errasse, era sua vez de primeiro jogar
para o outro tentar acertar. E assim sucessivamente, o que permitia percorrer
uma longa distância sem nem perceber!...
Dava até para jogar
sozinho!... Bastava ter duas burquinhas e uma rua a sumir de vista. Foi assim
que virei explorador da cidade!... A parte central eu já conhecia, tanto as
avenidas do comércio, a praça da Igreja Matriz e os armazéns de café. Mas
depois explorei as três saídas em direção ao rio Ivaí, as duas saídas para
Planaltina, a saída para Monte Castelo e a sétima para Loanda e ali existia uma
grande serraria quase em frente à entrada da fazenda do vizinho.
Assim conheci o córrego
na vila do sapo, mas era muito ruim e sujo e a parte boa estava em propriedade
particular abaixo do Estádio Municipal, então era mais fácil seguir em frente e
após a enorme subida na saída para Monte Castelo, finalmente chegávamos ao riacho
Tamanduateí!... Era o “point” da meninada!... Muitos pescadores, tanto de vara
quanto com peneiras, mas a maioria queria mesmo era brincar na água lamacenta
de tantos pés de exploradores!...
Outra diversão
interessante era pular de três metros do cume dos morros com mais de cem metros
de extensão de pó de serra das serrarias e escorregar ou rolar pela orla!... E
nisso dois destaques: Primeiro se existiam morros tão grandes de pó de serra,
fácil de se imaginar o quanto foram devastadas as florestas da região!...
Segundo, não era uma prática permitida!... E o motivo era simples: No meio do
pó de serra poderia estar alguma ponta ou farpa de madeira!... Felizmente
comigo nunca aconteceu nenhum acidente, o que é até de se estranhar...
Bom mesmo era quando
minha mãe me dava duas cédulas de 1 Cruzeiro, o que permitia assistir dois
filmes nas matinês aos domingos!... Entrávamos às treze horas e saíamos às dezessete
horas!... Filmes de Tarzan, Faroeste, Zorro, Kung-Fu e de um lutador mascarado
com o nome de “Santo”!... Lembro-me de um domingo onde o filme era de
Kung-Fu!... Uma tribo foi invadida por bárbaros mongóis e uma mulher conseguiu
fugir para a praia, mas ela estava com uma mama de fora!... Quase o cinema veio
abaixo com a gritaria e pulos da molecada!... Assobios e gargalhadas sem fim,
enquanto a mulher corria com a mama a balançar!...
Somente depois meu pai ganhou
uma televisão novinha do patrão, já que a oficina voltara a dar bons lucros!...
Com isso, eram tantas as opções de divertimento e eu nem fazia questão de
retornar ao sítio!... Mas se a oportunidade surgisse, por que não?...
No primeiro fim de
semana lá fomos nós para o sítio do avô “Coisão”!... Até fez questão de passar
num outro sítio no ramal sete onde morava uma de suas irmãs!... Aliás, por razões
interesseiras, eu gostava de visitar esses parentes, pois ali frutificavam as
mais doces laranjas de toda a região!... Depois fomos para o sítio no
“Barraco!... Meu pai desceu o carregador o tempo todo a buzinar!... Parou o
Fordão preto bem na frente da casa e desceu, todo triunfante da vida,
praticamente escrito na testa: Eu consegui!...
Nos meses seguintes
poucas vezes fui ao cinema, pois geralmente a diversão da família era as
visitas ao “Barraco”.!... Chegávamos de manhã, voltávamos à tarde!... E tal
qual aconteceu no final de 1967, isso teve consequências, pois influenciou o
filho mais velho de meu avô a também tentar a sorte em Sansabel, onde arrumou
emprego de Balconista justamente no mercado onde fazíamos as compras, para
pagar no fim do mês.
Com isso, por duas
vezes, entrei para trás do balcão, fui até o canto onde estavam as caixas de fogos
de artifícios e a ardilosa ambição falou mais alto e peguei algumas
bombinhas!... Pensei que ninguém tivesse visto!... Mas meu tio estava atento e
anotara na folha das contas a pagar por meu pai!... Melhor seria se tivessem
orientado. Combater ilícito com esperteza pode eliminar o prejuízo, mas não
interrompe a atitude inadequada!...
Em novembro retornamos
ao sítio. Na quarta-feira seguinte seria feriado e meus tios combinaram com o
meu pai em fazerem uma pescaria no rio Ivaí, pois agora tinham o Fordão para ir
e voltar!... Então meu pai voltou com parte da família para Sansabel para
retornar sozinho na quarta-feira bem cedinho!... E foi assim que consegui ficar
no sítio por mais dois dias!...
Na segunda-feira meus
tios retomaram os serviços no cafezal e resolvi aprender a andar de
bicicleta!... Era uma velha bicicleta Monark com um círculo no meio do quadro.
Geralmente as crianças aprendiam após passar a perna por dentro do quadro e
assim controlar o outro pedal com a bicicleta meio de lado. Mas na Monark não dava
para fazer isso.
Então empurrei a
bicicleta carreador acima, subi no selim ao lado de um banco de espera de
ônibus e dei o impulso!... Consegui me equilibrar em cima da bicicleta!... Ela
deslizou carreador abaixo e foi uma sensação incrível de liberdade!... Somente
descobri que o freio pouco funcionava quando estava perto da curva de
entrada!... Tentei desesperadamente frear, passei em frente à casa, fiz a curva
à direita para tentar dar a volta na casa e assim reduzir a velocidade ao
iniciar a nova subida, mas não foi possível!... Bati na parede da tuia!...
Ainda bem que não
quebrou a bicicleta!... Então decidi tentar novamente. Empurrei a bicicleta carreador
acima e deu muito trabalho, mas eu estava decidido a aprender!... Dessa vez
comecei a frear desde o início, de forma que ao chegar na curva estava bem mais
lento. Fiz a curva à direita e antes da tuia fiz outra curva à direita, mas
bati no mourão da varanda!...
Tentei pela terceira vez. Já estava exausto de
empurrar a bicicleta pelo carreador. Desci apertando o freio o tempo todo!...
Consegui fazer as curvas e passei ao lado da varanda!... Ainda bem que não
tinha ninguém ali nos fundos!... Quando iniciou a nova subida, finalmente
passei a mover os pedais e a bicicleta foi em frente, carreador acima!...
Fiquei louco de felicidade a gritar:
– Consegui!... Consegui!... Consegui!...
Minha avó apenas olhou
pela janela da cozinha e balançou a cabeça...
Depois decidi
descansar. Deitei numa das camas de meus tios e notei as caixas de sapatos
colocadas nos cantos mais elevados, quase rente ao telhado!... Por que fariam
isso?... Quem iria mexer para guardarem tão alto?... Então caiu a ficha!... Eu
era o pestinha a ser evitado!... Achei aquilo um insulto!... Então resolvi
mexer, não por curiosidade, mas para provar que colocar em tais lugares jamais
me impediria de alcançar!... Se era para não mexer, bastaria avisar!...
Além de alguns papéis,
só em uma tinha cédulas de dinheiro. Mas todas guardavam algumas moedas, na
verdade, contei trinta!... Na terça-feira não fiz nada. Na quarta-feira meu pai
chegou e foram pescar. Então coloquei em prática o meu ardiloso plano!...
Resolvi pegar as trinta moedas!... Algumas eram de apenas um centavo e deixei
para trás!... À tardinha meu pai voltou e fomos para Sansabel.
No dia seguinte, após
voltar da escola, peguei as moedas e fui para a praça da rodoviária velha, onde
encontrei um caminhão de venda de frutas. Juntei todas para comprar apenas dois
saquinhos de caqui!... Era uma fruta que eu nunca tinha visto e resolvi
experimentar!... Gostei e comi todos!...
Quando cheguei em casa minha mãe estava de cara
fechada. Mal falou porque meu pai teve de voltar ao sítio. Quando ele chegou,
levei a terceira pior surra de minha vida!... Isso fora o sermão de arrancar pica-pau
do oco!... Onde já se viu?... Roubar o dinheiro de meus tios!... E tentei
argumentar que eram apenas moedas, mas fui informado que para eles era tudo o
que tinham!... Será que eu não tinha noção do quanto era penoso ganhar algum
dinheiro no sítio?... Tudo o que faziam era para a família!... Só recebiam
algum dinheiro se fizessem algum serviço extra em outro sítio!...
– Eu vou trabalhar!... Eu vou ganhar dinheiro e
vou devolver!...
– Vai trabalhar com
certeza! – Falou bravo o meu pai. – Mas não precisa devolver porque já fiz isso
e em dobro, depois de suportar o maior falatório por sua causa!...
E assim aprendi que
ambição é um sentimento muito perigoso!... E as atitudes dos outros não
justificavam minhas atitudes, pois pegar mangas podia, moedas não!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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