MEMÓRIAS DO EXÉRCITO - O PRIMEIRO DIA
Servi ao Exército no 17º Regimento de Cavalaria Mecanizada,
ano de 1981, Soldado Sobrinho, número 384, cidade de Amambai MS.
Foi um ano muito intenso, exatamente por isso, depois de
trinta anos, ainda lembro de tudo como se fossem acontecimentos recentes.
O Regimento era composto por quatro Esquadrões: Comando,
Petrechos e Primeiro e Segundo de Cavalaria. Cada esquadrão recebia cerca de
cem soldados, mas em cada um existia um número significativo de militares de
carreira. O Esquadrão de Petrechos, como o próprio nome diz, era responsável
pela área de armamentos pesados e itens ligados. Os Esquadrões de Cavalaria,
logicamente, conservavam as tradições oriundas do antigo Quartel de
Pirassununga SP, origem do 17º Regimento, isso desde a época da Guerra contra o
Paraguai, ou seja, cuidavam das atividades hípicas. Por fim, o Esquadrão de
Comando, onde eram lotados os militares vinculados às atividades de serviços,
por exemplo, a Garagem de Veículos, ou os militares do Restaurante ou Rancho,
ainda militares do Hospital, do Bloco Administrativo e assim por diante.
Fiquei lotado no Pelotão de Comunicações, mas vinculado ao
Esquadrão de Comandos, Qualificação Militar 071 – Construtor de Linhas. Isso no
papel, mas eu era mais um 074 – Operador de Rádio. Depois fui para a
Sargenteação, o Escritório Administrativo do esquadrão, mas isso foi no fim da
primavera, depois de muitas aventuras e sofrimento. Na verdade, o Pelotão de
Comunicações também tinha militares nos demais esquadrões, pois era uma arma de
guerra presente em todos os quartéis do Exército, face sua necessidade em todos
os setores.
Naquela época ainda imperava o Regime Militar em todo o
País. Também era fim da influência do movimento Hippie, mas eu ainda usava
longos cabelos.
No primeiro dia, enquanto o ônibus trafegava os 150 km nas estradas
poeirentas desde a cidade de Naviraí MS, mil pensamentos tentavam ocupar o
espaço de meu cérebro e o coração suportava bravamente a expectativa.
Desembarcamos e na confusão de tantos jovens imaturos,
acabei ficando no Esquadrão de Petrechos. Era ali que estava lotado o Carlos, companheiro
de serviços da época em que fui balconista de loja. Ele me tratou rispidamente
e deixou muito claro que agora ele era um poderoso Sargento e eu era um
ninguém, pano de chão. Depois de uma sessão de abuso de poder e humilhações
degradantes, ou como preferem os militares, técnicas de obediência
incondicional, compreendi que não poderia esperar nenhuma ajuda por parte dele.
Lembrei-me do sermão religioso que lhe ministrei uns anos antes. Agora ele dava
o troco. Cada um na sua área e no fim, anulando as vaidades, éramos todos
iguais.
Por sorte, no mesmo dia passamos por uma seletiva para
definir a Qualificação Militar. Oriundo do comércio, primeiro grau completo,
boa dicção, imagino que não foi difícil ao entrevistador enquadrar-me como apto
para o Esquadrão de Comandos, Pelotão de Comunicações. É claro que omiti que já
tinha curso de datilografia, coisa rara naquela época. Na hora lembrei-me dos
abusos do Carlos, pois reuniu todos os recém chegados nos Petrecho e perguntou:
“Quem tem Carteira de Motorista?” Um sujeito se apresentou, imaginando que iria
se dar bem, mas na verdade foi encaminhando para um Carinho de Mão para colher
bitucas de cigarro e folhas do gramado. E perguntou: “Alguém tem Curso de
Datilografia?”... Foi um silêncio só...
Mas o Carlos também tinha senso de humor. Pena que mórbido.
Colocou o restante em filas de quatro ou cinco, com seis ou sete colunas. E
determinou: “Todos os que estão nas colunas pares devem gritar “Um” e em seguida
devem se abaixar; depois os que estão nas colunas ímpares gritam “Dois” e
também se abaixam; então os que estavam abaixados das colunas pares gritam
novamente “Um” e se levantam; depois as colunas ímpares devem gritar “Dois” e
se levantam!”.
Foi a maior bagunça! Um bando de sapos gritando
alternadamente: Um, Dois, Um, Dois... O problema é que ninguém podia rir, senão
pagava algum castigo humilhante...
Naquele mesmo dia fui encaminhado ao barbeiro, para fazer
cair os longos cachos e deixar expostas as orelhas enormes. Na verdade nem eram
tão grandes, mas para quem sempre usou cabelos compridos, lembravam-me do
Dumbo, aquele elefantinho voador do Disney.
Fomos para o Esquadrão de Comandos e para nosso azar,
estourou a tubulação do esgoto atrás da garagem, do lado da Marcenaria. Todos
os novos soldados foram escalados para cortar a enorme grama que se formou na
região. Os soldados do ano anterior saíram no início do mês e o Quartel ficou
sem cuidados, justamente no verão de janeiro, época de chuvas torrenciais
propícias ao crescimento da grama. Para uns a dificuldade maior era a falta de
ferramentas, pois tínhamos de cortar a grama com as mãos, entre os excrementos
vazados do esgoto. Mas no meu caso, o sufoco era suportar o calor do sol acima
das orelhas, região que nunca tinha sofrido a irradiação solar.
Finalmente o dia terminou. Foi o que pensei. No alojamento
para soldados não havia beliches para todos. Mas na base da solidariedade,
conseguimos juntar dois beliches e onde poderiam dormir quatro, agora
atravessados seis podiam dormir. Foi o que pensamos, pois logo chegaram uns
soldados antigos e fizeram a maior bagunça, acordando todo mundo. Por fim,
decidiram que os beliches onde estávamos eram deles. Lá no fundo do alojamento
sobrou um beliche sem colchão, mas todos contavam com uma prancha de madeira.
Não pensei duas vezes. Deitei na tábua dura do beliche e dormi como um anjo!
Assim terminou o primeiro dia.