quarta-feira, 12 de março de 2014

MEMÓRIAS DO EXÉRCITO - O PRIMEIRO DIA



 MEMÓRIAS DO EXÉRCITO - O PRIMEIRO DIA

Servi ao Exército no 17º Regimento de Cavalaria Mecanizada, ano de 1981, Soldado Sobrinho, número 384, cidade de Amambai MS.

Foi um ano muito intenso, exatamente por isso, depois de trinta anos, ainda lembro de tudo como se fossem acontecimentos recentes.

O Regimento era composto por quatro Esquadrões: Comando, Petrechos e Primeiro e Segundo de Cavalaria. Cada esquadrão recebia cerca de cem soldados, mas em cada um existia um número significativo de militares de carreira. O Esquadrão de Petrechos, como o próprio nome diz, era responsável pela área de armamentos pesados e itens ligados. Os Esquadrões de Cavalaria, logicamente, conservavam as tradições oriundas do antigo Quartel de Pirassununga SP, origem do 17º Regimento, isso desde a época da Guerra contra o Paraguai, ou seja, cuidavam das atividades hípicas. Por fim, o Esquadrão de Comando, onde eram lotados os militares vinculados às atividades de serviços, por exemplo, a Garagem de Veículos, ou os militares do Restaurante ou Rancho, ainda militares do Hospital, do Bloco Administrativo e assim por diante.

Fiquei lotado no Pelotão de Comunicações, mas vinculado ao Esquadrão de Comandos, Qualificação Militar 071 – Construtor de Linhas. Isso no papel, mas eu era mais um 074 – Operador de Rádio. Depois fui para a Sargenteação, o Escritório Administrativo do esquadrão, mas isso foi no fim da primavera, depois de muitas aventuras e sofrimento. Na verdade, o Pelotão de Comunicações também tinha militares nos demais esquadrões, pois era uma arma de guerra presente em todos os quartéis do Exército, face sua necessidade em todos os setores.

Naquela época ainda imperava o Regime Militar em todo o País. Também era fim da influência do movimento Hippie, mas eu ainda usava longos cabelos.

No primeiro dia, enquanto o ônibus trafegava os 150 km nas estradas poeirentas desde a cidade de Naviraí MS, mil pensamentos tentavam ocupar o espaço de meu cérebro e o coração suportava bravamente a expectativa.

Desembarcamos e na confusão de tantos jovens imaturos, acabei ficando no Esquadrão de Petrechos. Era ali que estava lotado o Carlos, companheiro de serviços da época em que fui balconista de loja. Ele me tratou rispidamente e deixou muito claro que agora ele era um poderoso Sargento e eu era um ninguém, pano de chão. Depois de uma sessão de abuso de poder e humilhações degradantes, ou como preferem os militares, técnicas de obediência incondicional, compreendi que não poderia esperar nenhuma ajuda por parte dele. Lembrei-me do sermão religioso que lhe ministrei uns anos antes. Agora ele dava o troco. Cada um na sua área e no fim, anulando as vaidades, éramos todos iguais.

Por sorte, no mesmo dia passamos por uma seletiva para definir a Qualificação Militar. Oriundo do comércio, primeiro grau completo, boa dicção, imagino que não foi difícil ao entrevistador enquadrar-me como apto para o Esquadrão de Comandos, Pelotão de Comunicações. É claro que omiti que já tinha curso de datilografia, coisa rara naquela época. Na hora lembrei-me dos abusos do Carlos, pois reuniu todos os recém chegados nos Petrecho e perguntou: “Quem tem Carteira de Motorista?” Um sujeito se apresentou, imaginando que iria se dar bem, mas na verdade foi encaminhando para um Carinho de Mão para colher bitucas de cigarro e folhas do gramado. E perguntou: “Alguém tem Curso de Datilografia?”... Foi um silêncio só...

Mas o Carlos também tinha senso de humor. Pena que mórbido. Colocou o restante em filas de quatro ou cinco, com seis ou sete colunas. E determinou: “Todos os que estão nas colunas pares devem gritar “Um” e em seguida devem se abaixar; depois os que estão nas colunas ímpares gritam “Dois” e também se abaixam; então os que estavam abaixados das colunas pares gritam novamente “Um” e se levantam; depois as colunas ímpares devem gritar “Dois” e se levantam!”.

Foi a maior bagunça! Um bando de sapos gritando alternadamente: Um, Dois, Um, Dois... O problema é que ninguém podia rir, senão pagava algum castigo humilhante...

Naquele mesmo dia fui encaminhado ao barbeiro, para fazer cair os longos cachos e deixar expostas as orelhas enormes. Na verdade nem eram tão grandes, mas para quem sempre usou cabelos compridos, lembravam-me do Dumbo, aquele elefantinho voador do Disney.

Fomos para o Esquadrão de Comandos e para nosso azar, estourou a tubulação do esgoto atrás da garagem, do lado da Marcenaria. Todos os novos soldados foram escalados para cortar a enorme grama que se formou na região. Os soldados do ano anterior saíram no início do mês e o Quartel ficou sem cuidados, justamente no verão de janeiro, época de chuvas torrenciais propícias ao crescimento da grama. Para uns a dificuldade maior era a falta de ferramentas, pois tínhamos de cortar a grama com as mãos, entre os excrementos vazados do esgoto. Mas no meu caso, o sufoco era suportar o calor do sol acima das orelhas, região que nunca tinha sofrido a irradiação solar.

Finalmente o dia terminou. Foi o que pensei. No alojamento para soldados não havia beliches para todos. Mas na base da solidariedade, conseguimos juntar dois beliches e onde poderiam dormir quatro, agora atravessados seis podiam dormir. Foi o que pensamos, pois logo chegaram uns soldados antigos e fizeram a maior bagunça, acordando todo mundo. Por fim, decidiram que os beliches onde estávamos eram deles. Lá no fundo do alojamento sobrou um beliche sem colchão, mas todos contavam com uma prancha de madeira. Não pensei duas vezes. Deitei na tábua dura do beliche e dormi como um anjo!

Assim terminou o primeiro dia.