quinta-feira, 7 de abril de 2022

24 - A CASINHA

24 - A CASINHA

Fiz uma casinha branca lá no pé da serra para nós dois morar. Fica perto da barranca do rio Paraná! (Sérgio Reis).

De volta para casa!... Ou seja, Sansabel!... A nova casa era pequena, mas muito bonita e aconchegante, recém construída, toda pintada de azul!... Até ganhei um quarto só meu!... Moramos nessa casinha de novembro de 1971 até março de 1976 e foi um Record!... Antes disso foram nove casas diferentes, uma para cada ano de minha vida. E depois disso, a família morou em outras seis casas, até 1978 quando finalmente meu pai fixou-se em Naviraí e permanece na mesma casa há quarenta e três anos!...


Talvez por isso, a casinha azul sempre exerceu um especial fascínio em meu coração e após 1976, por mais de quarenta anos, a cada visita à terra natal, eu fazia questão em revê-la!... E com o tempo ela envelheceu, perdeu a atraente cor, fizeram uma área na frente, trocaram a cerca, mudaram o portão, mas ninguém teve o capricho de fazer uma nova pintura.

Em 1971 a primeira providência de meu pai foi construir uma cobertura aos fundos, onde também fez um forno a lenha. Todavia, o Padeiro entregava pães todos os dias e no fim o tal forno virou casinha para minha criação de coelhos. Tínhamos crédito no comércio e foi um período de relativa fartura. Até ganhei o apelido de Zé Gordo!...

Talvez nem deveria contar, mas quando meu pai descuidou, subi nessa construção da cobertura, perdi o equilíbrio, derrubei toda a estrutura do telhado, pois ainda não estava totalmente pregada e até arranquei um tampo do calcanhar na queda!... Mas coloquei o pedaço no lugar e sarou! Quase nem dá para ver!... Aliás, seis anos depois, arranquei outro tampo do dedinho, de bicicleta, ao calcular com erro uma curva e esmagá-lo entre a beira da calçada e o pedal. Como já tinha experiência, limpei bem, coloquei no lugar e sarou!... Nem precisou da Erva de Santa Maria.

O assoalho da casinha era de madeira. Mas a parte da cozinha e banheiro era piso de vermelhão. Um dia, peguei uma tampa de tambor, entrei por baixo do assoalho, quase na beira do piso do banheiro e fiz um buraco no solo, um pouco menor do tamanho da tampa de tambor, mas fundo o suficiente para me esconder e ali virou o meu local secreto, onde guardava minhas revistas em quadrinhos e outros brinquedos, pois fechava e colocava terra por cima da tampa. Até hoje fico a imaginar: Será que ainda está ali?... Será que trocaram o piso e acharam?...

No início de 1972 fui matriculado na Escola Alberico. Logicamente adotaram a mesma estratégia do ano anterior. Fiz a prova de competência e fui matriculado na 3ª série!... Naquela época, do 1º ao 4º ano, as crianças faziam o “Primário” em uma escola chamada de “Grupo”. Em seguida, faziam o “Colegial” em outra escola do 5º ao 8º ano e logicamente era chamada de “Colégio”. Depois juntaram esses dois períodos e deram o nome de Primeiro Grau e mais recente Ensino Fundamental.

Sofri muito na 3ª série!... Tanto porque perdi muitas aulas no ano anterior com a perna quebrada e a suspensão, mas principalmente por abandonar a escola no terceiro bimestre!... O ensino em seu currículo escolar é contínuo, não se repete o conteúdo ano a ano, ao menos na teoria, pois na prática as professoras se desdobram para enquadrar alguns alunos!... E não existia fartura de livros escolares ou internet!... Tudo era matéria escrita no quadro negro e devidamente copiada em cadernos!... Perder aula gerava consequências desastrosas!...

Quem não conseguia passar “direto”, ou seja, obter boa média nas quatro provas bimestrais, fazia um “exame final” e se ainda não fosse aprovado, depois fazia a “segunda época”, um período de recuperação de alunos “retardatários” e somente assim eu consegui passar para a 4ª série!...

Felizmente a 4ª série foi muito tranquila! Consegui aprovação sem precisar de exame final, tanto que ao fazer a matrícula na outra escola, o “Ginásio”, fiz outra prova de competência e simplesmente pulei a 5ª série!... Tinha outra Portaria do Governo que permitia isso!...

E como dizem: “O apressado come malpassado”, pois a ausência do conhecimento não adquirido fez-me passar por perrengues na 6ª série!... Mas o fato é que aos doze anos iniciei a 6ª série e em 1974 estava devidamente enquadrado com todos os demais alunos, até recuperei o ano perdido de 1969 no Pré-Primário!... E o mais importante: Considerava-me quites perante a promessa feita à minha mãe e apto a voltar a jogar bola!...

Se bem que no intervalo regular chamado de “recreio”, era comum os meninos jogarem bola no campinho do Alberico. Um dia quebrei a promessa e fui com eles. Imediatamente recebi um castigo, pois outro menino bateu a cabeça no meu nariz e sangrou um montão!... O jaleco branco do uniforme ficou todo sujo!... A Professora repassou para a Merendeira, a qual morava numa casa dentro do quarteirão da escola e ela lavou!... Fiquei sem camisa na sala de aula após o recreio. Na hora de ir embora já estava limpo e seco!... Então entendi: Prometeu?... Cumpra!...

Mas na minha rua isso nem importava, pois desde o final de 1971, quando chegamos à rua Prudente de Morais, eu notara que os novos amigos não gostavam de jogar bola. Preferiam brincar de bolinha de gude, ou jogar bets, queimada, mesmo algumas brincadeiras tradicionais, quais balança-caixão e esconde-esconde.

Pior ainda a partir de 1972, pois os seriados americanos, quais Bonanza, Durango Kid, Daniel Boone, Ivanhoé, Zorro, Kung-Fu (Pequeno Gafanhoto), A Família Walton (Boa noite, Mary Ellen) e outros, influenciaram a galera e todos queriam brincar somente de faroeste ou luta de espada.

Eis que um dia, brincávamos em frente de casa e dessa vez eu era o caubói e um outro menino era o índio. Não tinha cabo de vassoura, então ele pegou um galho de “buva” um mato comprido e a cena se repetiu:

– Matei!...

– Não Matou não!... Estou aqui vivinho!...

– Então toma!...

E lá veio o galho em minha direção. Pegou na bochecha direita, abaixo do nariz, acima da boca!... Não sangrou muito, mas por décadas carreguei uma discreta marquinha, novamente como prova do ditado: “Aqui se faz, aqui se paga”!...

O “índio” morava mais abaixo, na casa da esquina. Era filho de um comerciante, dono de um pequeno mercado na avenida. Mas tudo ficou por isso mesmo, pois foi só mais um outro ferimento em minha coleção. Além do mais, eu não queria inimizade com ele ou seus irmãos, não por medo, mas é que eles falavam aos quatro ventos que o pai iria comprar uma televisão!... Acaso eu iria perder a oportunidade de finalmente assistir televisão de perto, só por causa de um buraco no rosto!?...

Dias depois estávamos a jogar bolinha de gude na calçada de chão. Escolhemos um jogo o qual chamávamos de “cabecinha”. Cada jogador colocava uma ou duas bolinhas lado a lado, a depender de quantos estavam a jogar. Depois distanciavam dez passos. Jogavam a bolinha não para acertar e quem ficasse mais perto jogaria primeiro. O objetivo era acertar a bolinha mais à esquerda, mas sem resvalar. Se acertasse, ganhava todas!... Mas se acertasse alguma do meio, ganhava somente as que estivessem à direita. Se não acertasse nenhuma, voltava para o fim da fila, até que todas fossem ganhas!...

No vai e vem das vitórias e derrotas, demorou horas até um jogador ficar quase sem bolinhas, então resolvemos jogar “biroca”. Consistia em fazer quatro buracos no chão, com diferença de três palmos entre eles, mas o último era ao lado do terceiro qual um grande “L”. Bastava cada jogador ter apenas uma bolinha. Deveria impulsioná-la com o dedo polegar de buraco em buraco, ida e volta e se errasse, perdia a vez e a bolinha ficava estacionada onde parou. Mas se alguém conseguisse atingi-la ao fazer o “L”, mediante impulso do polegar, ganhava a bolinha, mesmo que fosse a última!...

Mas o chão estava seco demais!... Não dava para fazer as birocas!... Então tive a ideia de pegar o facão de meu pai e furar o chão com a ponta!... Rapidamente fui buscá-lo!... Voltei correndo, mas tropecei, o facão caiu com o corte para cima e minha mão deslizou sobre o corte!... Um pouco mais e teria decepado o dedão!... Um corte horrível, mas por “sorte” apenas abriu um pouco mais o dedão da mão.

Ruim mesmo foi na escola, pois aconteceu no braço esquerdo, o predominante!... Copiar a matéria era uma agonia, ainda bem que a compreensiva Professora se solidarizou e me dispensou dessa árdua tarefa!... Mas interessante que impulsionar a bolinha de gude com o dedão, eu conseguia fácil, fácil!... Como entender os mistérios do corpo humano!?...

Alguns dias depois, eu nem tinha sarado completamente do dedão, mas já não usava a faixa, pois o corte estava quase fechado. Ao voltar da escola e chegar em casa, deparei-me com uma incomensurável novidade!... Tinha uma televisão Colorado em casa!...

– Como assim?... De onde veio essa televisão?!...

– Foi o patrão de seu pai! – Respondeu minha mãe. – Ele foi à Paranavaí comprar uma televisão para ele e resolveu trazer essa de presente para seu pai!...

Logo a novidade se espalhou e à tardinha eram tantos velhos e novos amigos que não tinha espaço na pequena sala!... E todo dia eu voltava apressado da escola, para ocupar o meu tempo destinado a assistir, pois de noite minha mãe sempre queria ver a novela “Selva de Pedra”!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

  

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