24 - A CASINHA
Fiz uma casinha branca lá no pé da serra para
nós dois morar. Fica perto da barranca do rio Paraná! (Sérgio Reis).
Talvez por isso, a
casinha azul sempre exerceu um especial fascínio em meu coração e após 1976,
por mais de quarenta anos, a cada visita à terra natal, eu fazia questão em revê-la!...
E com o tempo ela envelheceu, perdeu a atraente cor, fizeram uma área na
frente, trocaram a cerca, mudaram o portão, mas ninguém teve o capricho de
fazer uma nova pintura.
Em 1971 a primeira
providência de meu pai foi construir uma cobertura aos fundos, onde também fez
um forno a lenha. Todavia, o Padeiro entregava pães todos os dias e no fim o
tal forno virou casinha para minha criação de coelhos. Tínhamos crédito no
comércio e foi um período de relativa fartura. Até ganhei o apelido de Zé Gordo!...
Talvez nem deveria
contar, mas quando meu pai descuidou, subi nessa construção da cobertura, perdi
o equilíbrio, derrubei toda a estrutura do telhado, pois ainda não estava
totalmente pregada e até arranquei um tampo do calcanhar na queda!... Mas
coloquei o pedaço no lugar e sarou! Quase nem dá para ver!... Aliás, seis anos
depois, arranquei outro tampo do dedinho, de bicicleta, ao calcular com erro uma
curva e esmagá-lo entre a beira da calçada e o pedal. Como já tinha
experiência, limpei bem, coloquei no lugar e sarou!... Nem precisou da Erva de
Santa Maria.
O assoalho da casinha
era de madeira. Mas a parte da cozinha e banheiro era piso de vermelhão. Um
dia, peguei uma tampa de tambor, entrei por baixo do assoalho, quase na beira
do piso do banheiro e fiz um buraco no solo, um pouco menor do tamanho da tampa
de tambor, mas fundo o suficiente para me esconder e ali virou o meu local
secreto, onde guardava minhas revistas em quadrinhos e outros brinquedos, pois
fechava e colocava terra por cima da tampa. Até hoje fico a imaginar: Será que
ainda está ali?... Será que trocaram o piso e acharam?...
No início de 1972 fui
matriculado na Escola Alberico. Logicamente adotaram a mesma estratégia do ano anterior.
Fiz a prova de competência e fui matriculado na 3ª série!... Naquela época, do
1º ao 4º ano, as crianças faziam o “Primário” em uma escola chamada de “Grupo”.
Em seguida, faziam o “Colegial” em outra escola do 5º ao 8º ano e logicamente
era chamada de “Colégio”. Depois juntaram esses dois períodos e deram o nome de
Primeiro Grau e mais recente Ensino Fundamental.
Sofri muito na 3ª
série!... Tanto porque perdi muitas aulas no ano anterior com a perna quebrada
e a suspensão, mas principalmente por abandonar a escola no terceiro
bimestre!... O ensino em seu currículo escolar é contínuo, não se repete o
conteúdo ano a ano, ao menos na teoria, pois na prática as professoras se
desdobram para enquadrar alguns alunos!... E não existia fartura de livros escolares
ou internet!... Tudo era matéria escrita no quadro negro e devidamente copiada
em cadernos!... Perder aula gerava consequências desastrosas!...
Quem não conseguia
passar “direto”, ou seja, obter boa média nas quatro provas bimestrais, fazia
um “exame final” e se ainda não fosse aprovado, depois fazia a “segunda época”,
um período de recuperação de alunos “retardatários” e somente assim eu consegui
passar para a 4ª série!...
Felizmente a 4ª série
foi muito tranquila! Consegui aprovação sem precisar de exame final, tanto que
ao fazer a matrícula na outra escola, o “Ginásio”, fiz outra prova de competência
e simplesmente pulei a 5ª série!... Tinha outra Portaria do Governo que permitia
isso!...
E como dizem: “O
apressado come malpassado”, pois a ausência do conhecimento não adquirido
fez-me passar por perrengues na 6ª série!... Mas o fato é que aos doze anos
iniciei a 6ª série e em 1974 estava devidamente enquadrado com todos os demais
alunos, até recuperei o ano perdido de 1969 no Pré-Primário!... E o mais
importante: Considerava-me quites perante a promessa feita à minha mãe e apto a
voltar a jogar bola!...
Se bem que no intervalo
regular chamado de “recreio”, era comum os meninos jogarem bola no campinho do
Alberico. Um dia quebrei a promessa e fui com eles. Imediatamente recebi um
castigo, pois outro menino bateu a cabeça no meu nariz e sangrou um montão!...
O jaleco branco do uniforme ficou todo sujo!... A Professora repassou para a Merendeira,
a qual morava numa casa dentro do quarteirão da escola e ela lavou!... Fiquei
sem camisa na sala de aula após o recreio. Na hora de ir embora já estava limpo
e seco!... Então entendi: Prometeu?... Cumpra!...
Mas na minha rua isso
nem importava, pois desde o final de 1971, quando chegamos à rua Prudente de
Morais, eu notara que os novos amigos não gostavam de jogar bola. Preferiam
brincar de bolinha de gude, ou jogar bets, queimada, mesmo algumas brincadeiras
tradicionais, quais balança-caixão e esconde-esconde.
Pior ainda a partir de
1972, pois os seriados americanos, quais Bonanza, Durango Kid, Daniel Boone,
Ivanhoé, Zorro, Kung-Fu (Pequeno Gafanhoto), A Família Walton (Boa noite, Mary
Ellen) e outros, influenciaram a galera e todos queriam brincar somente de faroeste
ou luta de espada.
Eis que um dia, brincávamos em frente de casa e
dessa vez eu era o caubói e um outro menino era o índio. Não tinha cabo de
vassoura, então ele pegou um galho de “buva” um mato comprido e a cena se
repetiu:
– Matei!...
– Não Matou não!... Estou aqui vivinho!...
– Então toma!...
E lá veio o galho em
minha direção. Pegou na bochecha direita, abaixo do nariz, acima da boca!...
Não sangrou muito, mas por décadas carreguei uma discreta marquinha, novamente
como prova do ditado: “Aqui se faz, aqui se paga”!...
O “índio” morava mais
abaixo, na casa da esquina. Era filho de um comerciante, dono de um pequeno mercado
na avenida. Mas tudo ficou por isso mesmo, pois foi só mais um outro ferimento
em minha coleção. Além do mais, eu não queria inimizade com ele ou seus irmãos,
não por medo, mas é que eles falavam aos quatro ventos que o pai iria comprar
uma televisão!... Acaso eu iria perder a oportunidade de finalmente assistir televisão
de perto, só por causa de um buraco no rosto!?...
Dias depois estávamos a
jogar bolinha de gude na calçada de chão. Escolhemos um jogo o qual chamávamos
de “cabecinha”. Cada jogador colocava uma ou duas bolinhas lado a lado, a
depender de quantos estavam a jogar. Depois distanciavam dez passos. Jogavam a
bolinha não para acertar e quem ficasse mais perto jogaria primeiro. O objetivo
era acertar a bolinha mais à esquerda, mas sem resvalar. Se acertasse, ganhava
todas!... Mas se acertasse alguma do meio, ganhava somente as que estivessem à
direita. Se não acertasse nenhuma, voltava para o fim da fila, até que todas
fossem ganhas!...
No vai e vem das
vitórias e derrotas, demorou horas até um jogador ficar quase sem bolinhas,
então resolvemos jogar “biroca”. Consistia em fazer quatro buracos no chão, com
diferença de três palmos entre eles, mas o último era ao lado do terceiro qual
um grande “L”. Bastava cada jogador ter apenas uma bolinha. Deveria
impulsioná-la com o dedo polegar de buraco em buraco, ida e volta e se errasse,
perdia a vez e a bolinha ficava estacionada onde parou. Mas se alguém
conseguisse atingi-la ao fazer o “L”, mediante impulso do polegar, ganhava a
bolinha, mesmo que fosse a última!...
Mas o chão estava seco
demais!... Não dava para fazer as birocas!... Então tive a ideia de pegar o
facão de meu pai e furar o chão com a ponta!... Rapidamente fui buscá-lo!...
Voltei correndo, mas tropecei, o facão caiu com o corte para cima e minha mão
deslizou sobre o corte!... Um pouco mais e teria decepado o dedão!... Um corte
horrível, mas por “sorte” apenas abriu um pouco mais o dedão da mão.
Ruim mesmo foi na escola,
pois aconteceu no braço esquerdo, o predominante!... Copiar a matéria era uma
agonia, ainda bem que a compreensiva Professora se solidarizou e me dispensou
dessa árdua tarefa!... Mas interessante que impulsionar a bolinha de gude com o
dedão, eu conseguia fácil, fácil!... Como entender os mistérios do corpo
humano!?...
Alguns dias depois, eu nem tinha sarado
completamente do dedão, mas já não usava a faixa, pois o corte estava quase
fechado. Ao voltar da escola e chegar em casa, deparei-me com uma
incomensurável novidade!... Tinha uma televisão Colorado em casa!...
– Como assim?... De onde veio essa televisão?!...
– Foi o patrão de seu pai!
– Respondeu minha mãe. – Ele foi à Paranavaí comprar uma televisão para ele e
resolveu trazer essa de presente para seu pai!...
Logo a novidade se
espalhou e à tardinha eram tantos velhos e novos amigos que não tinha espaço na
pequena sala!... E todo dia eu voltava apressado da escola, para ocupar o meu
tempo destinado a assistir, pois de noite minha mãe sempre queria ver a novela
“Selva de Pedra”!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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