33 - A MUDANÇA
Entretanto, não fiz a
viagem dentro do Gordini qual gostaria. Fizemos a viagem na Rural!... Pela
primeira vez vi a balsa no rio Paraná. Não imaginava que existisse um rio tão
grande e exatamente por isso foi muito legal!... Chegamos à Naviraí no dia 16
de dezembro de 1976 e fomos morar na rua Naviraí, 289 e a casa permanece igual,
45 anos depois!... Curioso, pois o nome da rua era
Fomos muito bem
recebidos pela vizinha, recém desquitada, a qual tinha uma jovem filha, morena
lindíssima e não existia o atual imenso muro com a casa da esquina!... Imagina
se minha mãe aceitaria morar ao lado de tão grande “simpatia”!... Eu imagino
que ela ficou a pensar: “Como foi que o “Girso” arrumou essa casa justamente ao
lado dessa mulher”?...
Primeiro tratou de me
arrumar um emprego!... No dia 19 de dezembro eu comecei a trabalhar na loja A
Revolução, uma filial entre várias, cuja Matriz era no Rio de Janeiro. Mas
depois não foi fácil convencer meu pai a se mudar!... A casa era cinco quadras
acima da oficina da antiga serraria, onde hoje funciona um grande complexo escolar.
Entretanto, após uns sessenta dias fomos morar numa casa rosa, na antiga rua São
Paulo, atual Júlio Soares, do outro lado da cidade!...
Na esquina existia uma
“Pica-Pau”. Eram assim chamadas as pequenas serrarias, entre as mais de cento e vinte que existiam no Município de Naviraí!...
Algumas eram imensas e a maioria estavam em fazendas, por exemplo, fazenda Vaca
Branca, saída para o Paraná, onde existia uma vila ao lado da serraria para
mais de duas mil pessoas!... Ou fazenda Nova Esperança, saída para Ivinhema,
onde a vila era maior!... Outras nem cheguei a conhecer, por exemplo, fazenda Paquetá,
saída para Itaquiraí, de um grupo americano, cuja vila era maior ainda, ao
ponto de ter comércio próprio!...
E no perímetro urbano existiam
ao menos dez grandes serrarias, mas a maioria na periferia, onde existiam
terrenos vazios para armazenarem as imensas toras de madeiras que chegavam até
do Paraguai, pois o fluxo de caminhões era frenético em toda a região.
Mas havia uma curiosa
exceção!... Abaixo da Av. Weimar Torres, a principal via de comércio e acima da
rua dos Bêbados, atual rua Alagoas, outra tradicional via comercial, ficava a serraria
da família Buss, praticamente no centro da cidade, cujos terrenos baldios
abaixo, onde hoje está o Hospital da Santa Casa, era o local de depósito das
grossas toras!...
E nos primeiros dias
sofri no novo emprego, não pelo serviço, mas para compreender a estranha
formação urbana da cidade!... No início eu caminhava dez quarteirões para
chegar ao local da loja e passava pela praça central. Mas depois descobri algo
absurdamente confuso!... Se simplesmente contornasse pelos quarteirões acima, seriam
sete quadras!...
E o mais estranho era
que se fosse em frente por outros vinte e um quarteirões, chegaria exatamente
no ponto inicial!... Mas isso não era regra fixa. Quanto mais próximo à praça
central, menos quarteirões deveria percorrer. Depois peguei o jeito. Em caso de
dúvida, para não se perder, bastava seguir em direção à praça central!...
Isso até finalmente
entender que a cidade estava dentro de um quadrilátero cujas avenidas iniciavam
na praça, com extensão de aproximadamente dez quarteirões até chegar ao fim
urbano. E vias paralelas ligavam as avenidas, formando círculos que aumentavam
a circunferência quanto mais distante da praça!... Ou seja, a cidade fora
planejada para apresentar um quadrilátero redondo na área central!...
Exatamente por isso foi possível definir previamente que a rua Naviraí teria o
mesmo nome da cidade que sequer ainda existia!...
Asfalto em apenas em
uns mil metros, na avenida Iguatemi. Na época, uma avenida praticamente
residencial. Mas acho que apenas fizeram um teste de material. As demais vias
eram terra batida e quando chovia forte, a enxurrada deixava profundos sulcos,
principalmente na rua dos Bêbados. Com isso, a “patrola”, uma grande máquina
com uma pá niveladora, revolvia e removia o terreno. Não à toa que o canteiro
central da Avenida Weimar Torres era de morros com quase um metro!...
A Loja ficava acima da
rua dos Bêbados, a qual recebeu esse apelido porque nos fins de semana recebia
tanta gente das fazendas que fervilhava de pessoas!... A maioria para comprar
gêneros alimentícios nos armazéns, outras para adquirirem vestuários ou itens
para a casa, mas alguns simplesmente para retornarem aos muitos bares de
bebidas. Mal dava para andar na calçada, sem esbarrar em alguém ou em bêbados
caídos no chão.
E além de meu serviço
como “Pacoteiro”, mas na prática um “faz tudo”, também percorria os bares para “trocar
dinheiro”, ou seja, converter cédulas de grande valor em cédulas de menor valor
para o “Caixa” fornecer de “troco” aos Clientes. E os bares eram essenciais
nesse ponto. Mas eu logo aprendi uma alternativa até
mais segura!...
É que no Banco Bamerindus,
lá nos altos da Avenida Weimar Torres, em frente ao hotel Dois Gaúchos,
reencontrei um rapaz que fora transferido do BAnco MERcantil e INDUStrial lá de
Sansabel, onde ele sempre me “trocava dinheiro” quando eu trabalhava nas Casas
Pernambucanas!... Depois o Bamerindus construiu um prédio perto da Praça.
Muitas foram as
mudanças após o fatídico dia da maldição. Primeira foi que emagreci
sobremaneira, pois vivia no matão dos duzentos e mal me alimentava. As velhas
roupas passaram a servir, mesmo assim, a maioria com alguns ajustes e até
costuras extras, para não confessar remendos. Até ganhar dinheiro e comprar
roupas novas, tive de usá-las.
Outra mudança foi que
cresci assustadoramente!... Estava quinze centímetros maior!... Então as calças
ficaram curtas e era humilhante suportar os gracejos de uns jovens filhos de um
lojista perto do antigo Bamerindus, um pouco acima da serraria dos Buss, onde
eu passava todos os dias para fazer o depósito de remessa ao Rio de Janeiro das
vendas do dia anterior.
Estes jovens cresceram
e ocuparam significativo espaço na sociedade de Naviraí por simpatia e
competência. E talvez nem importe, mas imagino que até hoje eles não entendam o
motivo da barreira que ergui entre nós!... É simples!... Brincar com a miséria
alheia perfura a alma!...
Justamente na alma as
maiores mudanças!... Até hoje se encontrarem alguma fotografia com um sorriso,
certamente será tímido ou forçado, pois deixei de encontrar graça em viver,
então qual o motivo para sorrir?... Fiquei sisudo e nem por isso bravo, mas a
aparência permaneceu por décadas. Naquela época era só tristeza, hoje diriam “baixa
estima” e até passei a andar de cabeça baixa. E sempre me lembrava do ditado
antigo: “Quem muito ri de manhã, vai chorar à noite”.
Na loja, outro serviço extra: Todos os dias
buscar as chaves na casa do Gerente para o Subgerente abri a loja!... Ele
morava numa casa azul de esquina acima do Colégio Médici e não muito longe. No
início de maio de 1977 bati palmas em frente à casa e a esposa do gerente falou
que ele saíra minutos antes!... E pensei: “Como isso é possível?... Será que
ele se escondeu atrás de um poste e eu não o vi”?... Voltei apressado para a loja!...
Já estava aberta!... O Gerente imediatamente me chamou para reclamar do suposto
atraso!... Expliquei o que aconteceu e ele falou:
– Eu acredito. Eu sei
disso!... Passei ao seu lado e você nem notou!...
Fiquei extremamente indignado!... Oras!... Se
passou ao meu lado, por que não falou nada?... Acaso deveria ser minha
obrigação ir buscar a chave para ele dormir um pouco mais?... Onde ficava a
responsabilidade dele como gerente?... Suportei moralismo de pai e mãe desde
criancinha e agora ainda com teor hipócrita?... E tomei uma decisão:
– Então eu quero as
minhas contas. Não vou mais trabalhar aqui...
O Gerente ficou surpreso!... Talvez eu fosse o
melhor “Pacoteiro” com quem ele trabalhara em décadas!... Ele queria apenas me
orientar a ser melhor, mais atento e manter a cabeça erguida, prestar mais
atenção ao redor!... Mas a confluência de fatores levou-o a colocar o dedo em
minhas feridas recentes, tanto pelos meus melindres, quanto a parte dele em
gerenciar por autoritarismo!... Por fim, quando viu que eu não iria mudar de
opinião, praticamente pediu:
– Fique até o fim do mês, pois preciso arrumar
outro e você ensina o serviço, está bem?...
– Está bem. – E assim encerrou a minha primeira
passagem pela loja A Revolução!...
---------------------------------------------------------------------------
Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
Nenhum comentário:
Postar um comentário