quinta-feira, 7 de abril de 2022

33 - A MUDANÇA

 

33 - A MUDANÇA

Meu pai finalmente voltou!... Resolvera vender a casa em Sansabel e mudar-se de vez para Naviraí. Mas antes, minha mãe pediu para visitar a família em Sarandi e foi intuição, pois pela última vez vimos a nossa avó em vida. Eu fiquei satisfeito em fazer a viagem, pois pelo meu “plano dos dezessete”, poderia ser também a última vez em que veria os meus tios e primas. Exatamente por isso, minha necessidade em viajar para Cambira, mesmo que fosse sozinho e de trem!...



Não foi fácil vender a casa. Teve de pegar uma Rural 1965 verde como parte do pagamento. Mesmo assim, meu pai não se desfez do Gordini!... Contratou um motorista dono de um caminhão com uma longa carroceria, colocou os poucos móveis altos e depois fez questão de subir o tal veículo para equilibrar o peso!... Mas foi bom, porque pode enchê-lo com alguns utensílios e roupas, além da televisão Telefunken, pois a poeira era imensa, principalmente de Querência do Norte ao Porto Tigre. Atrás o sofá e móveis baixos.



Entretanto, não fiz a viagem dentro do Gordini qual gostaria. Fizemos a viagem na Rural!... Pela primeira vez vi a balsa no rio Paraná. Não imaginava que existisse um rio tão grande e exatamente por isso foi muito legal!... Chegamos à Naviraí no dia 16 de dezembro de 1976 e fomos morar na rua Naviraí, 289 e a casa permanece igual, 45 anos depois!... Curioso, pois o nome da rua era o mesmo da cidade!... Pensei: “Como isso é possível”?...

Fomos muito bem recebidos pela vizinha, recém desquitada, a qual tinha uma jovem filha, morena lindíssima e não existia o atual imenso muro com a casa da esquina!... Imagina se minha mãe aceitaria morar ao lado de tão grande “simpatia”!... Eu imagino que ela ficou a pensar: “Como foi que o “Girso” arrumou essa casa justamente ao lado dessa mulher”?...

Primeiro tratou de me arrumar um emprego!... No dia 19 de dezembro eu comecei a trabalhar na loja A Revolução, uma filial entre várias, cuja Matriz era no Rio de Janeiro. Mas depois não foi fácil convencer meu pai a se mudar!... A casa era cinco quadras acima da oficina da antiga serraria, onde hoje funciona um grande complexo escolar. Entretanto, após uns sessenta dias fomos morar numa casa rosa, na antiga rua São Paulo, atual Júlio Soares, do outro lado da cidade!...

Na esquina existia uma “Pica-Pau”. Eram assim chamadas as pequenas serrarias, entre as mais de cento e vinte que existiam no Município de Naviraí!... Algumas eram imensas e a maioria estavam em fazendas, por exemplo, fazenda Vaca Branca, saída para o Paraná, onde existia uma vila ao lado da serraria para mais de duas mil pessoas!... Ou fazenda Nova Esperança, saída para Ivinhema, onde a vila era maior!... Outras nem cheguei a conhecer, por exemplo, fazenda Paquetá, saída para Itaquiraí, de um grupo americano, cuja vila era maior ainda, ao ponto de ter comércio próprio!...

E no perímetro urbano existiam ao menos dez grandes serrarias, mas a maioria na periferia, onde existiam terrenos vazios para armazenarem as imensas toras de madeiras que chegavam até do Paraguai, pois o fluxo de caminhões era frenético em toda a região.

Mas havia uma curiosa exceção!... Abaixo da Av. Weimar Torres, a principal via de comércio e acima da rua dos Bêbados, atual rua Alagoas, outra tradicional via comercial, ficava a serraria da família Buss, praticamente no centro da cidade, cujos terrenos baldios abaixo, onde hoje está o Hospital da Santa Casa, era o local de depósito das grossas toras!...

E nos primeiros dias sofri no novo emprego, não pelo serviço, mas para compreender a estranha formação urbana da cidade!... No início eu caminhava dez quarteirões para chegar ao local da loja e passava pela praça central. Mas depois descobri algo absurdamente confuso!... Se simplesmente contornasse pelos quarteirões acima, seriam sete quadras!...

E o mais estranho era que se fosse em frente por outros vinte e um quarteirões, chegaria exatamente no ponto inicial!... Mas isso não era regra fixa. Quanto mais próximo à praça central, menos quarteirões deveria percorrer. Depois peguei o jeito. Em caso de dúvida, para não se perder, bastava seguir em direção à praça central!...

Isso até finalmente entender que a cidade estava dentro de um quadrilátero cujas avenidas iniciavam na praça, com extensão de aproximadamente dez quarteirões até chegar ao fim urbano. E vias paralelas ligavam as avenidas, formando círculos que aumentavam a circunferência quanto mais distante da praça!... Ou seja, a cidade fora planejada para apresentar um quadrilátero redondo na área central!... Exatamente por isso foi possível definir previamente que a rua Naviraí teria o mesmo nome da cidade que sequer ainda existia!...

Asfalto em apenas em uns mil metros, na avenida Iguatemi. Na época, uma avenida praticamente residencial. Mas acho que apenas fizeram um teste de material. As demais vias eram terra batida e quando chovia forte, a enxurrada deixava profundos sulcos, principalmente na rua dos Bêbados. Com isso, a “patrola”, uma grande máquina com uma pá niveladora, revolvia e removia o terreno. Não à toa que o canteiro central da Avenida Weimar Torres era de morros com quase um metro!...

A Loja ficava acima da rua dos Bêbados, a qual recebeu esse apelido porque nos fins de semana recebia tanta gente das fazendas que fervilhava de pessoas!... A maioria para comprar gêneros alimentícios nos armazéns, outras para adquirirem vestuários ou itens para a casa, mas alguns simplesmente para retornarem aos muitos bares de bebidas. Mal dava para andar na calçada, sem esbarrar em alguém ou em bêbados caídos no chão.

E além de meu serviço como “Pacoteiro”, mas na prática um “faz tudo”, também percorria os bares para “trocar dinheiro”, ou seja, converter cédulas de grande valor em cédulas de menor valor para o “Caixa” fornecer de “troco” aos Clientes. E os bares eram essenciais nesse ponto. Mas eu logo aprendi uma alternativa até mais segura!...

É que no Banco Bamerindus, lá nos altos da Avenida Weimar Torres, em frente ao hotel Dois Gaúchos, reencontrei um rapaz que fora transferido do BAnco MERcantil e INDUStrial lá de Sansabel, onde ele sempre me “trocava dinheiro” quando eu trabalhava nas Casas Pernambucanas!... Depois o Bamerindus construiu um prédio perto da Praça.

Muitas foram as mudanças após o fatídico dia da maldição. Primeira foi que emagreci sobremaneira, pois vivia no matão dos duzentos e mal me alimentava. As velhas roupas passaram a servir, mesmo assim, a maioria com alguns ajustes e até costuras extras, para não confessar remendos. Até ganhar dinheiro e comprar roupas novas, tive de usá-las.

Outra mudança foi que cresci assustadoramente!... Estava quinze centímetros maior!... Então as calças ficaram curtas e era humilhante suportar os gracejos de uns jovens filhos de um lojista perto do antigo Bamerindus, um pouco acima da serraria dos Buss, onde eu passava todos os dias para fazer o depósito de remessa ao Rio de Janeiro das vendas do dia anterior.

Estes jovens cresceram e ocuparam significativo espaço na sociedade de Naviraí por simpatia e competência. E talvez nem importe, mas imagino que até hoje eles não entendam o motivo da barreira que ergui entre nós!... É simples!... Brincar com a miséria alheia perfura a alma!...

Justamente na alma as maiores mudanças!... Até hoje se encontrarem alguma fotografia com um sorriso, certamente será tímido ou forçado, pois deixei de encontrar graça em viver, então qual o motivo para sorrir?... Fiquei sisudo e nem por isso bravo, mas a aparência permaneceu por décadas. Naquela época era só tristeza, hoje diriam “baixa estima” e até passei a andar de cabeça baixa. E sempre me lembrava do ditado antigo: “Quem muito ri de manhã, vai chorar à noite”.

Na loja, outro serviço extra: Todos os dias buscar as chaves na casa do Gerente para o Subgerente abri a loja!... Ele morava numa casa azul de esquina acima do Colégio Médici e não muito longe. No início de maio de 1977 bati palmas em frente à casa e a esposa do gerente falou que ele saíra minutos antes!... E pensei: “Como isso é possível?... Será que ele se escondeu atrás de um poste e eu não o vi”?... Voltei apressado para a loja!... Já estava aberta!... O Gerente imediatamente me chamou para reclamar do suposto atraso!... Expliquei o que aconteceu e ele falou:

– Eu acredito. Eu sei disso!... Passei ao seu lado e você nem notou!...

Fiquei extremamente indignado!... Oras!... Se passou ao meu lado, por que não falou nada?... Acaso deveria ser minha obrigação ir buscar a chave para ele dormir um pouco mais?... Onde ficava a responsabilidade dele como gerente?... Suportei moralismo de pai e mãe desde criancinha e agora ainda com teor hipócrita?... E tomei uma decisão:

– Então eu quero as minhas contas. Não vou mais trabalhar aqui...

O Gerente ficou surpreso!... Talvez eu fosse o melhor “Pacoteiro” com quem ele trabalhara em décadas!... Ele queria apenas me orientar a ser melhor, mais atento e manter a cabeça erguida, prestar mais atenção ao redor!... Mas a confluência de fatores levou-o a colocar o dedo em minhas feridas recentes, tanto pelos meus melindres, quanto a parte dele em gerenciar por autoritarismo!... Por fim, quando viu que eu não iria mudar de opinião, praticamente pediu:

– Fique até o fim do mês, pois preciso arrumar outro e você ensina o serviço, está bem?...

– Está bem. – E assim encerrou a minha primeira passagem pela loja A Revolução!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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