30 - A GEADA
No inverno de 1975
aconteceu a mais devastadora geada no Estado do Paraná!... Jornais da época
noticiaram que não sobrara um único pé de café!... Suicídios e falências!...
O irmão de minha mãe que
trabalhava num armazém em Sansabel mudara-se bem antes para Sarandi. Então o
clã italiano, cinco famílias de tios e tias, alguns meses depois, venderam tudo
o que restara no “Barraco” e seguiram a mesma trajetória, na expectativa de
arrumarem empregos em alguma fábrica em Maringá. A geada acabou com o sonho do
“ouro negro”.
Nesse período meu pai estava
em Naviraí para acertar os detalhes de nossa mudança. Ficou uns sessenta dias
ausente. No negócio da venda do sítio meu avô precisou pegar uma Brasília
vermelha como parte do pagamento. Lembro-me de fazer nessa Brasília a última
viagem ao sítio. Foi um dia de muita tristeza...
Quinze anos depois,
quando regressei ao sítio, era tudo pastagem para bovinos!... Aliás, na mesma
época desse regresso, conheci um gerente que tinha em sua mesa uma placa com a
sugestiva frase: “Não falte ao serviço ou irão ver que você não faz falta”. Não
sei exato o que aconteceu em Naviraí, mas a proposta não era a esperada e meu
pai retornou e desempregado!...
Pior ainda. Não foi
aceito no antigo emprego, pois a situação financeira da oficina também sofrera
com a crise provocada pela geada e o pedido de demissão enquadrara as despesas
qual oportuna solução!...
Entretanto, levou-me como auxiliar. Ele não esperava que eu estivesse habituado ao padrão de disciplina e dedicação, de forma que incansavelmente preparei a massa de cimento, enquanto ele assentava os tijolos. No fim, terminamos no mesmo dia!... Foi uma confusão convencer o fazendeiro a pagar ao menos Cr$ 150,00, pois minha ajuda extra acelerara o término!...
Depois me arrumaram
emprego num bar de um hotel, ao lado de outro posto de gasolina, perto da
Rodoviária velha. Além de arrumar as camas, limpar o chão, deveria servir os “clientes”
do bar, ou seja, bêbados barulhentos e mal-educados. E até hoje entendo que bar
e hotel é uma junção muito perigosa!... Ou pensam que pedofilia e exploração
sexual são crimes recentes?... Mas nem fiquei para saber, pois antes do
terceiro dia abandonei o tal emprego!...
Vez ou outra trabalhei
como entregador de folhetos para as Casas Pernambucanas. Ou seja, ir de porta
em porta, rua por rua em toda a cidade para entregar o folheto com as
promoções. Neste caso, as minhas fugas foram apenas treinamento em muito andar!...
Foi assim que descobri onde morava a Professora mãe dos gêmeos!...
Após a briga de boxe,
ela reclamou com os donos do armazém, mas eles justificaram que a briga
aconteceu na calçada, portanto, passarela pública!... No fim, ela decidiu se
mudar. Eles acharam melhor, pois ela vivia a reclamar, cada dia uma situação. E
eis que a encontro novamente!... Todavia, agora ela me tratou muito bem e até
reativei a amizade com os gêmeos, já que eles também gostavam de ler gibis!...
Enquanto isso, meu pai pediu
dinheiro emprestado a minha avó Jovelina e montou uma pequena oficina mecânica,
basicamente conserto de caminhões e o tal Gordini!... Por algum tempo eu
trabalhei com o meu pai nessa oficina, mas mal dava para pagar as despesas.
Foi onde descobri que
ferro quente queima!... É que existia uma forja e meu pai esquentara uma chapa
de ferro até ela ficar vermelha, depois entortou-a ao redor de um ferro
redondo. Por fim, o ferro ficou no chão e cometi a imprudência de tentar
pegá-lo com a mão!... Pareceu fritura de ovos!... A pele enrugou toda!... As quiromantes
falam que linhas a cortar o monte de marte é bom, pois indicam fluidez de
energia. Eu falo que dói muito, isso sim!...
Em dezembro arrumei
emprego temporário num grande bazar de brinquedos. O dono sabia que eu
trabalhara nas Casas Pernambucanas e certamente criou uma expectativa além de
minhas reais possibilidades, pois imaginava que eu seria um bom vendedor, mas
nunca foi o caso. Mesmo assim, trabalhei na loja e vez ou outra organizava o
depósito de brinquedos, aos fundos de sua residência, cerca de cinquenta metros
da esquina do bazar, ao lado da praça central. Se fosse um bom vendedor, talvez
fosse mantido no emprego, mas o período temporário encerrou.
Em janeiro de 1976
completei quatorze anos e como presente recebi a informação de que deveríamos
sair da casinha azul, pois o dono da oficina a requereu para acomodar o novo Torneiro
Mecânico. Fomos morar perto do Estádio de Futebol e foi assim que conheci a
turma do centrão, onde ganhei o apelido de Zezé.
Fomos morar numa casa muito
velha, talvez uma das mais antigas de Sansabel. Na época também fui matriculado
na 7ª série, mas para estudar no período vespertino. O colégio não tinha salas
suficientes e fizeram duas de madeiras, abaixo da quadra de esportes. O
problema é que sequer escavaram para nivelar o terreno e o assoalho ficou tão
elevado na entrada que precisou colocar uma escadaria com quatro degraus!...
E lá pelo segundo
bimestre, num dia de chuva, um menino me empurrou da porta e tive de saltar
para não esborrachar na escada, mas bati o pé numa tábua com ponta torta que
colocaram como passarela!... Foi uma dor horrível!... Achei que tinha quebrado
o pé!... Até levaram-me ao hospital, mas foi só luxação da pancada. Mesmo
assim, fiquei quinze dias sem andar...
Impedido de jogar bola
ou caçar de estilingue no matão ao lado do estádio municipal, na teoria preso
dentro de casa, arrastei-me até os fundos do quintal e ali descobri que se
jogar um palito de fósforo dentro de um plástico vazio de álcool provoca uma
explosão!... Foi um susto enorme!... Ainda bem que estava vazio. Mas acho que
fez rir a alguma alma penada presa ao local, pois do nada, veio-me a sugestão
de fazer um buraco no chão!...
Deparei-me com uma lata
cheia de moedas antigas, algumas de ouro e prata!... Um verdadeiro tesouro!...
Entreguei para minha mãe a qual repassou a meu pai!... Colocaram no lugar mais
protegido e escondido da casa, ou seja, dentro de uma mala em cima do
guarda-roupas, até que decidissem o que fazer com o tesouro. Não foi preciso
decidir, pois alguns dias depois, quando voltei da escola, fui informado que
arrombaram a porta e levaram todas as moedas de ouro e prata!...
Na mesma época meu pai vendeu
a oficina e comprou uma casa próxima ao D. E. R. – Departamento de Estradas e
Rodagens. Mas o estranho em tudo isso é que a tal oficina era muito básica para
obter equivalente valor!... Ao menos agora não iríamos pagar aluguel!...
Nesse período meu pai pegou
um significativo serviço em outra fazenda, em sociedade com um vizinho da rua de
cima. Deveriam cercar com arames uma grande extensão. Meu pai tinha experiência
em fazer cercas. Mas quando estavam finalizando o serviço, surgiu a grande
novidade!...
Meu pai recebeu uma
proposta de emprego em Naviraí!... Era outro forte grupo financeiro da cidade e
queriam contratá-lo como Torneiro Mecânico, mas também Soldador, para trabalhar
na tornearia da serraria!... O salário era muito vantajoso e o dono prometeu
que daria até uma casa para morar com escritura em Cartório!... Todavia, a
necessidade era urgente e deveriam partir no dia seguinte!...
Meu pai aceitou!...
Sequer recebeu o pagamento pelo serviço de instalação da cerca na fazenda. E
foi assim que ficamos meio que abandonados em Sansabel por mais de seis meses,
pois meu pai decidiu que somente iria sair da casa que recém comprara caso
realmente a situação fosse adequada em Naviraí.
Nesse período, ele ficou
morando de favor na casa do irmão mais novo, o qual construíra uma bonita casa num
novo bairro para os lados do estádio municipal, numa região que posteriormente
veio a ser a mais nobre da cidade.
A cada sessenta dias
meu pai voltava para ver a família e trazer algum dinheiro. Então não é difícil
imaginar as dificuldades que minha mãe passou, pois o dinheiro nunca era o
suficiente e sozinha precisava cuidar de cinco filhos!...
Meu último emprego em
Sansabel foi numa sapataria de um japonês, na saída para a região do rio Ivaí.
Novamente se repetiu a quebra de expectativa, pois eu era um operário da
limpeza e organização, não tinha um bom desempenho em vendas. Mesmo assim, foi
bom conhecer alguns hábitos dos japoneses.
Algumas vezes até
lanchei na casa da família, aos fundos da sapataria. Conheci as filhas do casal.
Mas na época, meu interesse mesmo era futebol!... Até comprei uma bola de
capota!... E provavelmente fui mantido no emprego apenas o tempo suficiente
para quitar a dívida da compra da bola!...
E assim voltamos ao
início dessas narrativas, pois com a bola, conheci e fiz amizade com a galera
da região e passei a caçar de estilingue no matão dos duzentos hectares!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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