quinta-feira, 7 de abril de 2022

30 - A GEADA

 

30 - A GEADA

No inverno de 1975 aconteceu a mais devastadora geada no Estado do Paraná!... Jornais da época noticiaram que não sobrara um único pé de café!... Suicídios e falências!...

O irmão de minha mãe que trabalhava num armazém em Sansabel mudara-se bem antes para Sarandi. Então o clã italiano, cinco famílias de tios e tias, alguns meses depois, venderam tudo o que restara no “Barraco” e seguiram a mesma trajetória, na expectativa de arrumarem empregos em alguma fábrica em Maringá. A geada acabou com o sonho do “ouro negro”.

Nesse período meu pai estava em Naviraí para acertar os detalhes de nossa mudança. Ficou uns sessenta dias ausente. No negócio da venda do sítio meu avô precisou pegar uma Brasília vermelha como parte do pagamento. Lembro-me de fazer nessa Brasília a última viagem ao sítio. Foi um dia de muita tristeza...

Quinze anos depois, quando regressei ao sítio, era tudo pastagem para bovinos!... Aliás, na mesma época desse regresso, conheci um gerente que tinha em sua mesa uma placa com a sugestiva frase: “Não falte ao serviço ou irão ver que você não faz falta”. Não sei exato o que aconteceu em Naviraí, mas a proposta não era a esperada e meu pai retornou e desempregado!...

Pior ainda. Não foi aceito no antigo emprego, pois a situação financeira da oficina também sofrera com a crise provocada pela geada e o pedido de demissão enquadrara as despesas qual oportuna solução!...

Não me lembro quando comprou, mas sei que na época o meu pai tinha um Gordini verde musgo que vivia a dar defeito. Sem emprego, passou a viver de serviços temporários e locomovia-se graças ao Gordini. Foi assim que pegou a construção de um pequeno cocho numa fazenda ao lado do cemitério. Combinou Cr$ 100,00 por dia e estimava levar dois dias.


Entretanto, levou-me como auxiliar. Ele não esperava que eu estivesse habituado ao padrão de disciplina e dedicação, de forma que incansavelmente preparei a massa de cimento, enquanto ele assentava os tijolos. No fim, terminamos no mesmo dia!... Foi uma confusão convencer o fazendeiro a pagar ao menos Cr$ 150,00, pois minha ajuda extra acelerara o término!...

Depois me arrumaram emprego num bar de um hotel, ao lado de outro posto de gasolina, perto da Rodoviária velha. Além de arrumar as camas, limpar o chão, deveria servir os “clientes” do bar, ou seja, bêbados barulhentos e mal-educados. E até hoje entendo que bar e hotel é uma junção muito perigosa!... Ou pensam que pedofilia e exploração sexual são crimes recentes?... Mas nem fiquei para saber, pois antes do terceiro dia abandonei o tal emprego!...

Vez ou outra trabalhei como entregador de folhetos para as Casas Pernambucanas. Ou seja, ir de porta em porta, rua por rua em toda a cidade para entregar o folheto com as promoções. Neste caso, as minhas fugas foram apenas treinamento em muito andar!... Foi assim que descobri onde morava a Professora mãe dos gêmeos!...

Após a briga de boxe, ela reclamou com os donos do armazém, mas eles justificaram que a briga aconteceu na calçada, portanto, passarela pública!... No fim, ela decidiu se mudar. Eles acharam melhor, pois ela vivia a reclamar, cada dia uma situação. E eis que a encontro novamente!... Todavia, agora ela me tratou muito bem e até reativei a amizade com os gêmeos, já que eles também gostavam de ler gibis!...

Enquanto isso, meu pai pediu dinheiro emprestado a minha avó Jovelina e montou uma pequena oficina mecânica, basicamente conserto de caminhões e o tal Gordini!... Por algum tempo eu trabalhei com o meu pai nessa oficina, mas mal dava para pagar as despesas.

Foi onde descobri que ferro quente queima!... É que existia uma forja e meu pai esquentara uma chapa de ferro até ela ficar vermelha, depois entortou-a ao redor de um ferro redondo. Por fim, o ferro ficou no chão e cometi a imprudência de tentar pegá-lo com a mão!... Pareceu fritura de ovos!... A pele enrugou toda!... As quiromantes falam que linhas a cortar o monte de marte é bom, pois indicam fluidez de energia. Eu falo que dói muito, isso sim!...

Em dezembro arrumei emprego temporário num grande bazar de brinquedos. O dono sabia que eu trabalhara nas Casas Pernambucanas e certamente criou uma expectativa além de minhas reais possibilidades, pois imaginava que eu seria um bom vendedor, mas nunca foi o caso. Mesmo assim, trabalhei na loja e vez ou outra organizava o depósito de brinquedos, aos fundos de sua residência, cerca de cinquenta metros da esquina do bazar, ao lado da praça central. Se fosse um bom vendedor, talvez fosse mantido no emprego, mas o período temporário encerrou.

Em janeiro de 1976 completei quatorze anos e como presente recebi a informação de que deveríamos sair da casinha azul, pois o dono da oficina a requereu para acomodar o novo Torneiro Mecânico. Fomos morar perto do Estádio de Futebol e foi assim que conheci a turma do centrão, onde ganhei o apelido de Zezé.

Fomos morar numa casa muito velha, talvez uma das mais antigas de Sansabel. Na época também fui matriculado na 7ª série, mas para estudar no período vespertino. O colégio não tinha salas suficientes e fizeram duas de madeiras, abaixo da quadra de esportes. O problema é que sequer escavaram para nivelar o terreno e o assoalho ficou tão elevado na entrada que precisou colocar uma escadaria com quatro degraus!...

E lá pelo segundo bimestre, num dia de chuva, um menino me empurrou da porta e tive de saltar para não esborrachar na escada, mas bati o pé numa tábua com ponta torta que colocaram como passarela!... Foi uma dor horrível!... Achei que tinha quebrado o pé!... Até levaram-me ao hospital, mas foi só luxação da pancada. Mesmo assim, fiquei quinze dias sem andar...

Impedido de jogar bola ou caçar de estilingue no matão ao lado do estádio municipal, na teoria preso dentro de casa, arrastei-me até os fundos do quintal e ali descobri que se jogar um palito de fósforo dentro de um plástico vazio de álcool provoca uma explosão!... Foi um susto enorme!... Ainda bem que estava vazio. Mas acho que fez rir a alguma alma penada presa ao local, pois do nada, veio-me a sugestão de fazer um buraco no chão!...

Deparei-me com uma lata cheia de moedas antigas, algumas de ouro e prata!... Um verdadeiro tesouro!... Entreguei para minha mãe a qual repassou a meu pai!... Colocaram no lugar mais protegido e escondido da casa, ou seja, dentro de uma mala em cima do guarda-roupas, até que decidissem o que fazer com o tesouro. Não foi preciso decidir, pois alguns dias depois, quando voltei da escola, fui informado que arrombaram a porta e levaram todas as moedas de ouro e prata!...

Na mesma época meu pai vendeu a oficina e comprou uma casa próxima ao D. E. R. – Departamento de Estradas e Rodagens. Mas o estranho em tudo isso é que a tal oficina era muito básica para obter equivalente valor!... Ao menos agora não iríamos pagar aluguel!...

Nesse período meu pai pegou um significativo serviço em outra fazenda, em sociedade com um vizinho da rua de cima. Deveriam cercar com arames uma grande extensão. Meu pai tinha experiência em fazer cercas. Mas quando estavam finalizando o serviço, surgiu a grande novidade!...

Meu pai recebeu uma proposta de emprego em Naviraí!... Era outro forte grupo financeiro da cidade e queriam contratá-lo como Torneiro Mecânico, mas também Soldador, para trabalhar na tornearia da serraria!... O salário era muito vantajoso e o dono prometeu que daria até uma casa para morar com escritura em Cartório!... Todavia, a necessidade era urgente e deveriam partir no dia seguinte!...

Meu pai aceitou!... Sequer recebeu o pagamento pelo serviço de instalação da cerca na fazenda. E foi assim que ficamos meio que abandonados em Sansabel por mais de seis meses, pois meu pai decidiu que somente iria sair da casa que recém comprara caso realmente a situação fosse adequada em Naviraí.

Nesse período, ele ficou morando de favor na casa do irmão mais novo, o qual construíra uma bonita casa num novo bairro para os lados do estádio municipal, numa região que posteriormente veio a ser a mais nobre da cidade.

A cada sessenta dias meu pai voltava para ver a família e trazer algum dinheiro. Então não é difícil imaginar as dificuldades que minha mãe passou, pois o dinheiro nunca era o suficiente e sozinha precisava cuidar de cinco filhos!...

Meu último emprego em Sansabel foi numa sapataria de um japonês, na saída para a região do rio Ivaí. Novamente se repetiu a quebra de expectativa, pois eu era um operário da limpeza e organização, não tinha um bom desempenho em vendas. Mesmo assim, foi bom conhecer alguns hábitos dos japoneses.

Algumas vezes até lanchei na casa da família, aos fundos da sapataria. Conheci as filhas do casal. Mas na época, meu interesse mesmo era futebol!... Até comprei uma bola de capota!... E provavelmente fui mantido no emprego apenas o tempo suficiente para quitar a dívida da compra da bola!...

E assim voltamos ao início dessas narrativas, pois com a bola, conheci e fiz amizade com a galera da região e passei a caçar de estilingue no matão dos duzentos hectares!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

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MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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