quinta-feira, 7 de abril de 2022

31 - AGONIA

 

31 – AGONIA

Se fosse resolver, iria te dizer, foi minha agonia. Se eu tentasse entender, por mais que eu me esforçasse, eu não conseguiria!... (Osvaldo Montenegro).

Tenho relatado minhas aventuras, com incidentes e acidentes. Mas depois do bananal, – logicamente com o agravo de minhas aventuras, o que sempre me agoniou – a verdade é que o relacionamento entre minha mãe e meu pai pouco a pouco se deteriorou, chegou a virar simples questão de conveniência, não propriamente um relacionamento. Em dez anos, presenciei muitas brigas e discussões. A maioria sempre pelo mesmo motivo: Ciúmes!... Levou vinte anos para eles se entenderem!...

Não sem razão minha resistência e demora em constituir uma família. Certos exemplos falam muito forte no inconsciente. E meu maior pavor sempre foi perpetuar aos filhos essas situações. A verdade é que podemos estudar e nos educar, mas no momento extremo, essa herança nociva aproveita o instinto e emerge mais forte, qual fantasma do passado. Mas é possível superar. Nem precisa de antídoto forte, qual o amor. Basta uma pequena dose de atenção!...

Logo nos primeiros dias de ausência de meu pai, minha mãe enfrentou um problema de ordem física, ou seja, como resolver a questão sanitária?... Naquela época “banheiro” era local para se tomar banho e não tinha vaso sanitário. A latrina para tais necessidades era em uma casinha no lado de fora, a qual recebia o nome de “privada”. Ficava diretamente acima de uma fossa com dois ou três metros de profundidade.

Algumas privadas contavam apenas com um buraco direto no assoalho!... Outras mais incrementadas, recebiam um trono de madeira e algumas até com tampas!...  Mas com o tempo, a fossa enchia e a única solução era escavar uma nova!... Esse foi o caso para minha mãe resolver. Se usasse o pouco dinheiro, como iria alimentar os filhos?...

Esse problema não existia lá no sítio do avô mineiro. A privada não tinha fossa. Fizeram-na justamente acima da depressão por onde escorria a enxurrada. Ao chover, a água levava todos os dejetos, inclusive, os sabugos de milho usados como papel higiênico quando não tinha jornais. Primeiro para dentro do canavial, depois ao chiqueirão e os porcos não reclamaram!... Mas tinha outro problema: E se não chovesse?... Ainda bem que eu era criança, senão seria envolvido na solução!...

Sensibilizado com a agonia de minha mãe em resolver o problema antes que enchesse de vez, resolvi eu mesmo escavar a nova fossa!... Mais do que isso. Notei que após o nosso quintal existia uma antiga privada caída num terreno baldio e era muito melhor do que a nossa, pois tinha até um trono!... Claro que não tinha telhado, mas bastaria realocar as telhas da atual. E não afetaria o uso da antiga enquanto não concluísse a nova!...

Martelo, serrote, pregos e facão estavam à minha disposição na caixa de carpinteiro de meu pai. Então retirei as balaústras dos fundos, arrastei a privada para o nosso terreno, com todo cuidado para não desmontar as paredes, mas estava tão firme nas vigas da base que facilmente deslizou sobre umas tábuas que usei como trilhos. Em seguida refiz a cerca!...

Demorou alguns dias para escavar o buraco, não muito fundo, apenas uns dois metros, mas fiz uma escadinha para descer e subir com o balde de terra!... Por fim, instalei a privada em cima da nova fossa e depois refiz o telhado!... Ficou uma maravilha, muito melhor do que a antiga!... Minha mãe ficou tão feliz que me deu uma nota de 1 Cruzeiro!... Sério mesmo?... Fiquei um pouco decepcionado. Eu sabia que esperar um “beijo” seria demais, mas quem sabe um “abraço” de reconciliação, ao menos um “obrigado”. Enfim, o nosso relacionamento estava tão desgastado pelos últimos anos que até agradeci. Se arrumasse outro, talvez desse para comprar um gibi ou assistir algum filme no cinema.

E os problemas se agravavam. Alguns um misto de ordem física e mental, por exemplo, o caso do vidro do armário da cozinha sempre a emperrar. Eu não estava em casa. Desconfio que minha mãe forçou, o vidro saltou do trilho, caiu e espatifou-se no chão. No desespero de remover para o lixo os pedaços menores, ela deixou um pedaço maior provisoriamente no sofá da sala. Limpou todo o local na cozinha, mas esqueceu-se do sofá!... Quando mais tarde eu cheguei, o meu irmão, não o caçula, sentou na beira do sofá e deslizou para trás, de forma que o vidro fez um pequeno furo em sua nádega!... Foi um desespero!... Quando viu o sangue, minha mãe pensou que fosse minha culpa!... Deu trabalho explicar que alguém tinha deixado um vidro no sofá e eu nem estava em casa!...

Os meses passaram e os problemas físicos e os conflitos mentais atormentaram cada vez mais a minha mãe. A ausência de meu pai incomodava sobremaneira!... E se ele não voltasse, qual fizera o irmão mais velho?... E se arrumasse outra mulher?... Como ela iria sustentar os cinco filhos?... Sequer poderia contar com os pais, pois todo o clã italiano mudara-se para Sarandi!... Era imensa a saudade que sentia de sua família!...

Talvez poderia pedir ajuda para um irmão de meu pai, o Carpinteiro, cuja casa era quase na esquina. Mas acaso ele já não dava um duro enorme para sustentar a própria família?... Ou pedir ajuda para a irmã viúva mais velha de meu pai, onde também morava a minha avó Jovelina, mas como ela poderia ajudar se dependia da modesta pensão?... E se tivesse de ir embora para Sarandi, as meninas e os meninos encontrariam amparo na casa de uma das tias ou tios enquanto ela arrumasse um emprego de Doméstica ou Lavadeira. Mas e o Zezinho?!...

Um dia voltei da escola e encontrei minhas irmãs a discutir. A mais velha deu um tapa na mais nova, a qual colocou a boca no mundo a chorar. Eu estava na cozinha e minha mãe entrou pela porta dos fundos e furiosa veio em minha direção!... Tentei explicar que não fora eu, mas ela estava enraivecida pelo acúmulo de tudo que acontecera nos últimos anos!...

Apesar de ter quatorze anos, eu tinha apenas um metro e quarenta e cinco e ela mais de um e sessenta!... Seus braços eram fortes, habituados a lavar roupa e limpar a casa!... Ela veio com os braços estendidos em direção ao meu pescoço e resolvi dar um basta nas constantes agressões!... Segurei seus pulsos e iniciamos uma grotesca dança de queda de braços!...

Olhei para a porta da sala, mas estava fechada!... Ela notou e tratou de movimentar o corpo para bloquear o acesso à porta dos fundos!... Fiquei desesperado!... Eu sabia que não aguentaria segurá-la por muito tempo e depois que ela se soltasse, o que iria fazer?!... E quando ela soltou meus pulsos para mexer os braços e me fazer soltar os pulsos dela, aproveitei essa última chance e a empurrei!...

Ela caiu sentada em frente a porta da cozinha, mas nessas alturas, meu plano já tinha mudado!... Eu rapidamente me atirei de cabeça pela janela, qual um malabarista de circo e fui rolar lá fora no quintal, com amplas possibilidades de correr, caso fosse necessário!...

Ela chegou à janela com os olhos esbugalhados de raiva e no afã de me amaldiçoar com o que tivesse de mais sinistro e cruel, juntou todos os problemas que eu causara em minhas aventuras e praguejou:

– Um dia você terá um filho igual a você!!!...

Uma agonia infinita dominou a minha alma!... Eu conhecia a minha natureza. Sabia de meu caráter. Nunca tive maldade contra ninguém!... Se fiz alguma coisa errada, a própria vida já tinha cobrado o seu preço!... Era estudioso e se não tinha um melhor desempenho era por total falta de apoio. Era trabalhador e se estava desempregado foi pelas decisões dos adultos!... Nunca ninguém sequer falou que me amava, uma vez só que fosse!... E o maldito era eu?!... Então falei:

– Um filho não!... Vou ter dois filhos iguais!... Mas a senhora não verá nenhum deles crescer!...


Foi o pior dia de minha vida. Um parto às avessas. A pior sensação que existe é ser amaldiçoado pela própria mãe!... E resolvi desistir de tudo. Peguei o facão de meu pai que estava lá fora e fui para o matão. Eu não queria saber dessa história de ter dois filhos, nem perto e nem longe. Eu falei, mas não era isso que eu queria. Então jurei a mim mesmo que eu iria viver somente até os dezessete anos!... Depois iria me matar... Se tivesse alguma coisa na vida pela qual valesse viver, certamente eu conheceria antes. Como escrevi mais acima: Não sem razão minha 

resistência e demora em constituir uma família.

Nos dias seguintes, logo a “boa nova” percorreu as bocas e orelhas de quem vigia a vida alheia, pois passaram a dizer que eu batera em minha mãe!... Quando eu fui espancado lá em Monte Castelo, ninguém fez nada!... Nunca falavam de amor, tudo era violência!... E eu era o errado?...

Uma das meninas da vila do D. E. R. foi estuprada e sodomizada no banheiro da rodoviária velha por dois jardineiros da praça, quando ela voltava da escola, apesar de ainda não ter doze anos de idade!... Mas como ela concordou mediante promessa de que iria ganhar uma sandália nova, os estupradores foram inocentados!... E a coitada perdeu o juízo, ao ponto de tomar banho sem roupas nos fundos da casa onde morava, pois teve cedo demais iniciada sua sexualidade, sem qualquer preparo ou educação.

Não muito longe, após a morte da mãe, duas meninas eram violentadas pelos irmãos e dizem até pelo pai, mas ninguém fazia nada. Nisso cada um cuidava de sua vida. Mas no meu caso, que absurdo “bater” na própria mãe!.... Onde vai parar?!...

Até os dezessete anos, jurei!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

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MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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