31 – AGONIA
Se fosse resolver, iria te dizer, foi minha
agonia. Se eu tentasse entender, por mais que eu me esforçasse, eu não
conseguiria!... (Osvaldo Montenegro).
Tenho relatado minhas
aventuras, com incidentes e acidentes. Mas depois do bananal, – logicamente com
o agravo de minhas aventuras, o que sempre me agoniou – a verdade é que o
relacionamento entre minha mãe e meu pai pouco a pouco se deteriorou, chegou a
virar simples questão de conveniência, não propriamente um relacionamento. Em
dez anos, presenciei muitas brigas e discussões. A maioria sempre pelo mesmo
motivo: Ciúmes!... Levou vinte anos para eles se entenderem!...
Não sem razão minha
resistência e demora em constituir uma família. Certos exemplos falam muito
forte no inconsciente. E meu maior pavor sempre foi perpetuar aos filhos essas
situações. A verdade é que podemos estudar e nos educar, mas no momento
extremo, essa herança nociva aproveita o instinto e emerge mais forte, qual
fantasma do passado. Mas é possível superar. Nem precisa de antídoto forte,
qual o amor. Basta uma pequena dose de atenção!...
Logo nos primeiros dias
de ausência de meu pai, minha mãe enfrentou um problema de ordem física, ou
seja, como resolver a questão sanitária?... Naquela época “banheiro” era local
para se tomar banho e não tinha vaso sanitário. A latrina para tais
necessidades era em uma casinha no lado de fora, a qual recebia o nome de “privada”.
Ficava diretamente acima de uma fossa com dois ou três metros de profundidade.
Algumas privadas
contavam apenas com um buraco direto no assoalho!... Outras mais incrementadas,
recebiam um trono de madeira e algumas até com tampas!... Mas com o tempo, a fossa enchia e a única
solução era escavar uma nova!... Esse foi o caso para minha mãe resolver. Se
usasse o pouco dinheiro, como iria alimentar os filhos?...
Esse problema não existia
lá no sítio do avô mineiro. A privada não tinha fossa. Fizeram-na justamente
acima da depressão por onde escorria a enxurrada. Ao chover, a água levava
todos os dejetos, inclusive, os sabugos de milho usados como papel higiênico
quando não tinha jornais. Primeiro para dentro do canavial, depois ao chiqueirão
e os porcos não reclamaram!... Mas tinha outro problema: E se não chovesse?...
Ainda bem que eu era criança, senão seria envolvido na solução!...
Sensibilizado com a agonia
de minha mãe em resolver o problema antes que enchesse de vez, resolvi eu mesmo
escavar a nova fossa!... Mais do que isso. Notei que após o nosso quintal existia
uma antiga privada caída num terreno baldio e era muito melhor do que a nossa,
pois tinha até um trono!... Claro que não tinha telhado, mas bastaria realocar
as telhas da atual. E não afetaria o uso da antiga enquanto não concluísse a
nova!...
Martelo, serrote, pregos
e facão estavam à minha disposição na caixa de carpinteiro de meu pai. Então
retirei as balaústras dos fundos, arrastei a privada para o nosso terreno, com
todo cuidado para não desmontar as paredes, mas estava tão firme nas vigas da
base que facilmente deslizou sobre umas tábuas que usei como trilhos. Em
seguida refiz a cerca!...
Demorou alguns dias
para escavar o buraco, não muito fundo, apenas uns dois metros, mas fiz uma
escadinha para descer e subir com o balde de terra!... Por fim, instalei a privada
em cima da nova fossa e depois refiz o telhado!... Ficou uma maravilha, muito
melhor do que a antiga!... Minha mãe ficou tão feliz que me deu uma nota de 1
Cruzeiro!... Sério mesmo?... Fiquei um pouco decepcionado. Eu sabia que esperar
um “beijo” seria demais, mas quem sabe um “abraço” de reconciliação, ao menos
um “obrigado”. Enfim, o nosso relacionamento estava tão desgastado pelos
últimos anos que até agradeci. Se arrumasse outro, talvez desse para comprar um
gibi ou assistir algum filme no cinema.
E os problemas se
agravavam. Alguns um misto de ordem física e mental, por exemplo, o caso do
vidro do armário da cozinha sempre a emperrar. Eu não estava em casa. Desconfio
que minha mãe forçou, o vidro saltou do trilho, caiu e espatifou-se no chão. No
desespero de remover para o lixo os pedaços menores, ela deixou um pedaço maior
provisoriamente no sofá da sala. Limpou todo o local na cozinha, mas
esqueceu-se do sofá!... Quando mais tarde eu cheguei, o meu irmão, não o
caçula, sentou na beira do sofá e deslizou para trás, de forma que o vidro fez
um pequeno furo em sua nádega!... Foi um desespero!... Quando viu o sangue,
minha mãe pensou que fosse minha culpa!... Deu trabalho explicar que alguém
tinha deixado um vidro no sofá e eu nem estava em casa!...
Os meses passaram e os
problemas físicos e os conflitos mentais atormentaram cada vez mais a minha mãe.
A ausência de meu pai incomodava sobremaneira!... E se ele não voltasse, qual
fizera o irmão mais velho?... E se arrumasse outra mulher?... Como ela iria
sustentar os cinco filhos?... Sequer poderia contar com os pais, pois todo o
clã italiano mudara-se para Sarandi!... Era imensa a saudade que sentia de sua
família!...
Talvez poderia pedir
ajuda para um irmão de meu pai, o Carpinteiro, cuja casa era quase na esquina.
Mas acaso ele já não dava um duro enorme para sustentar a própria família?...
Ou pedir ajuda para a irmã viúva mais velha de meu pai, onde também morava a
minha avó Jovelina, mas como ela poderia ajudar se dependia da modesta
pensão?... E se tivesse de ir embora para Sarandi, as meninas e os meninos
encontrariam amparo na casa de uma das tias ou tios enquanto ela arrumasse um
emprego de Doméstica ou Lavadeira. Mas e o Zezinho?!...
Um dia voltei da escola
e encontrei minhas irmãs a discutir. A mais velha deu um tapa na mais nova, a
qual colocou a boca no mundo a chorar. Eu estava na cozinha e minha mãe entrou
pela porta dos fundos e furiosa veio em minha direção!... Tentei explicar que
não fora eu, mas ela estava enraivecida pelo acúmulo de tudo que acontecera nos
últimos anos!...
Apesar de ter quatorze
anos, eu tinha apenas um metro e quarenta e cinco e ela mais de um e
sessenta!... Seus braços eram fortes, habituados a lavar roupa e limpar a casa!...
Ela veio com os braços estendidos em direção ao meu pescoço e resolvi dar um
basta nas constantes agressões!... Segurei seus pulsos e iniciamos uma grotesca
dança de queda de braços!...
Olhei para a porta da
sala, mas estava fechada!... Ela notou e tratou de movimentar o corpo para
bloquear o acesso à porta dos fundos!... Fiquei desesperado!... Eu sabia que
não aguentaria segurá-la por muito tempo e depois que ela se soltasse, o que
iria fazer?!... E quando ela soltou meus pulsos para mexer os braços e me fazer
soltar os pulsos dela, aproveitei essa última chance e a empurrei!...
Ela caiu sentada em
frente a porta da cozinha, mas nessas alturas, meu plano já tinha mudado!... Eu
rapidamente me atirei de cabeça pela janela, qual um malabarista de circo e fui
rolar lá fora no quintal, com amplas possibilidades de correr, caso fosse necessário!...
Ela chegou à janela com os olhos esbugalhados
de raiva e no afã de me amaldiçoar com o que tivesse de mais sinistro e cruel,
juntou todos os problemas que eu causara em minhas aventuras e praguejou:
– Um dia você terá um
filho igual a você!!!...
Uma agonia infinita dominou a minha alma!... Eu
conhecia a minha natureza. Sabia de meu caráter. Nunca tive maldade contra
ninguém!... Se fiz alguma coisa errada, a própria vida já tinha cobrado o seu
preço!... Era estudioso e se não tinha um melhor desempenho era por total falta
de apoio. Era trabalhador e se estava desempregado foi pelas decisões dos
adultos!... Nunca ninguém sequer falou que me amava, uma vez só que fosse!... E
o maldito era eu?!... Então falei:
– Um filho não!... Vou
ter dois filhos iguais!... Mas a senhora não verá nenhum deles crescer!...
Foi o pior dia de minha vida. Um parto às avessas. A pior sensação que existe é ser amaldiçoado pela própria mãe!... E resolvi desistir de tudo. Peguei o facão de meu pai que estava lá fora e fui para o matão. Eu não queria saber dessa história de ter dois filhos, nem perto e nem longe. Eu falei, mas não era isso que eu queria. Então jurei a mim mesmo que eu iria viver somente até os dezessete anos!... Depois iria me matar... Se tivesse alguma coisa na vida pela qual valesse viver, certamente eu conheceria antes. Como escrevi mais acima: Não sem razão minha
Nos dias seguintes,
logo a “boa nova” percorreu as bocas e orelhas de quem vigia a vida alheia,
pois passaram a dizer que eu batera em minha mãe!... Quando eu fui espancado lá
em Monte Castelo, ninguém fez nada!... Nunca falavam de amor, tudo era
violência!... E eu era o errado?...
Uma das meninas da vila
do D. E. R. foi estuprada e sodomizada no banheiro da rodoviária velha por dois
jardineiros da praça, quando ela voltava da escola, apesar de ainda não ter
doze anos de idade!... Mas como ela concordou mediante promessa de que iria
ganhar uma sandália nova, os estupradores foram inocentados!... E a coitada
perdeu o juízo, ao ponto de tomar banho sem roupas nos fundos da casa onde
morava, pois teve cedo demais iniciada sua sexualidade, sem qualquer preparo ou
educação.
Não muito longe, após a
morte da mãe, duas meninas eram violentadas pelos irmãos e dizem até pelo pai,
mas ninguém fazia nada. Nisso cada um cuidava de sua vida. Mas no meu caso, que
absurdo “bater” na própria mãe!.... Onde vai parar?!...
Até os dezessete anos,
jurei!...
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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN: 978-65-00-38553-3
Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida
a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo
o link:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes
Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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