14 - ANDANÇAS
“Caminheiro que lá vai
indo, para o rumo de minha terra, por favor, faça parada, na casa branca da
serra!... Ali mora uma velhinha, chorando um filho seu!... Essa velha é minha
mãe e o seu filho sou eu!... Vai caminheiro, leva esse recado meu”!... (Liu e
Leu / Lourenço e Lourival).
Em 1967 um jovem rapaz chegou aflito a segunda
porteira. Não tinha como anunciar sua presença lá da estrada, por isso,
precisou de muita coragem para adentrar o carreador, após a porteira grande,
pois bem viu a pastagem a indicar a presença de bovinos, situação muito distante
de sua realidade na cidade de São Paulo!... Mas se viera de tão longe, como
poderia desistir sem ao menos tentar?... Então encarrou os mil metros, com ou
sem bois ou vacas!... Por fim, teve medo de passar a segunda porteira e gritou:
– Ôôô de casa!... Não
atira não!...
Meu avô saiu da casa a imaginar quem seria
aquele rapaz!... E que história era essa de não atirar?!... “Acaso tem aqui
algum pistoleiro”?... Meu pai também se aproximou e caminharam até perto da
porteira. A feição do rapaz era muito típica de um Nunes Pereira, mas por
prudência e desconfiado, meu avô questionou:
– Diga lá a que vem!...
– Disseram-me que aqui é o sítio de Eurico
Nunes Pereira, é verdade?...
– Mas por que quer saber?... – Respondeu o meu Avô,
com outra pergunta.
– É que ele é meu avô...
– Você é filho de quem?... – Perguntou o meu avô.
– Sou filho de Fulano, o filho mais velho...
– Mas quá, sô!... – Esbravejou meu avô Eurico.
– Eu conheço os filhos de Fulano!... Moram no interior de São Paulo com a
família da mãe, após ele sumir no mundo!...
– Mas ele teve outra
família... – Explicou o rapaz, com certa vergonha. – Não mora aqui o tio Gilson?...
Ele pode confirmar isso, pois esteve com o meu pai em São Paulo!... Eu sei das
duas cartucheiras. E por isso também sei do sítio nessa região...
O meu avô olhou abismado para o meu pai!...
Fez-se um silêncio absurdo a permitir escutar de longe a respiração ofegante de
meu avô!... Por fim ele conseguiu perguntar:
– “Girso”!... Que
história é essa de você encontrar Fulano em São Paulo e não me contar?!...
E assim finalmente meu pai revelou o encontro
que tivera com o irmão mais velho, conforme explicado em outra narrativa, de
forma a confirmar que aquele rapaz era realmente um neto. E então meu avô perguntou:
– Mas cadê seu pai?... Por que está aqui
sozinho?...
– Ah... – Lamentou o
rapaz. – Eu tinha esperança que ele estivesse aqui!... Ou que soubessem onde
está, pois faz algum tempo que sumiu e não temos notícias!... Nem sabemos se
ainda está vivo...
Na verdade, eu não
presenciei essa conversa. Escrevo o que posteriormente escutei. É que na época
eu estava acamado, após o desmaio, com a cabeça inchada, depois das muitas
mordidas de marimbondos e que me levaram a cair do pé de laranja.
Mas existe
justificativa!... Não era safra. Era a única laranja ainda ostentosa lá em
cima!... Então tive de escalar, mas por infelicidade, esbarrei na caixa de marimbondos,
camuflada covardemente atrás das folhas!... E não vou escrever que foi a pior
dor, pois teve agravante em Monte Castelo, quando repeti a proeza por causa de
uma única amora, mas essa história ficará para o tempo adequado.
O rapaz ficou no sítio
alguns dias e voltou desanimado para São Paulo, a cumprir seu destino de
criança esquecida. Meu pai ficou cabisbaixo. O que teria acontecido?... Por que
seu irmão mais velho cumprira a ameaça de abandonar a família?... Será que foi
morto na função de motorista lá por aquelas bandas de Nova Andradina, no sertão
de Mato Grosso?...
Enfim, quem poderia
imaginar que nas andanças do destino, iríamos encontrá-lo nas margens do rio Amambaí,
dez anos depois!... E essa história tem relevância em minhas narrativas porque
talvez colocasse mais uma pimenta no caldo amargo entre o meu avô e meu pai,
seja por contar ao retornar de Minas, seja por contar somente naquele momento.
E assim seguiu a rotina naquele ano.
Interessante que as três primas tinham a letra
“e” por inicial no nome, mas claro que eu não entendia nada disso!...
Entretanto, gostei da sonoridade de um dos nomes, porque lembrava canivete. E
comecei a gracejar: Canivete, canivete... De repente, não sei quem foi, soltou
a frase:
– Elizete, canivete,
põe no fogo, não derrete!...
Ah!... Minha prima
mostrou que tinha nas veias o sangue Nunes Pereira e ficou furiosa!... Partiu
para cima dos meninos!... Isso aumentou mais ainda a balbúrdia e virou uma
farra onde todos começaram a cantar: “Elizete canivete, põe no fogo e não
derrete!... Elizete canivete, põe no fogo e não derrete”!...
Depois de Alto Paraná
meu tio se mudou para a fronteira do antigo Mato Grosso e pelas coincidências
da vida, atualmente a minha prima Elizete também mora em Campo Grande, a
capital de Mato Grosso do Sul, após o desmembramento territorial em 1979!...
E a exceção ao
mencionar seu nome em minhas narrativas, além da referência da antiga
brincadeira de crianças – o que hoje seria eticamente repreensível – é que ela
autorizou com boa vontade e empatia, sem melindres pessoais, apesar da situação
desconfortável da época, por entender que são apenas narrativas literárias.
Aliás, quando meus avôs
moravam em Alto Paraná, o arrendamento de café era bem ao lado da cidade e a
casa onde residiam era praticamente a última da área urbana. E nas proximidades
também morava outra família de Minas, mas oriunda de Belo Horizonte, cuja filha
mais velha, uma jovem moça, fazia alguns serviços domésticos e de babá na casa desse
meu tio, pai da Elizete.
A casa de meu tio e sua
oficina de tornearia era perto de um posto de gasolina. Uma das irmãs dessa
jovem moça, a quem vamos chamar de Eliane, a título de visitar a irmã, sempre
ficava na região, pois se apaixonara por um rapaz empregado no posto. E minha
avó Jovelina, vendo a situação, resolveu ajudar. Passou a sempre conversar com
a jovem Eliane e lhe dar bons e preciosos conselhos quanto a essas questões
amorosas.
E por essas estranhas
andanças da vida, quase duas décadas depois, por questões religiosas, eu então
um jovem rapaz, conheci a Eliane em Naviraí!... Mas nem imaginava que ela
conhecera a minha avó!... E alguns anos depois ela se mudou para Campo Grande,
mas a amizade verdadeira permaneceu, tanto que cheguei a visitá-la algumas
vezes.
O tempo passou. Virei
bancário. Fui transferido para Campo Grande. Casei e tive dois filhos. A Eliane
passava por uma situação difícil, após o fracasso numa tentativa malograda em
ser empresária. Eu estava muito bem como bancário e precisava de alguém de
confiança para cuidar de meus filhos e ajudar minha esposa nas tarefas
domésticas.
Juntamos nossas
necessidades e a contratei com carteira assinada, o que contribuiu para que ela
aposentasse anos depois!... E somente nesta circunstância descobri que ela
conhecera a minha avó Jovelina!... Recebeu carinho e atenção de minha avó e
depois repassou aos meus filhos, em mais uma história nas andanças da vida!...
Mas em 1967 não foram
apenas as crianças que gostaram do modelo diferente do DKV Munga. Meu pai e o
irmão mais novo, – o qual em breve iria casar e morar na casa onde eu nasci, – eis
que eles também ficaram fascinados!... Não apenas pelo carro, mas por toda a
situação em si, pois trabalhavam na dura lida no cafezal, ou nos cuidados com o
gado, até aceitavam empreitadas na região, mas nem de longe conseguiriam comprar
um veículo tão vistoso!...
Ambos ficaram
encantados com a perspectiva de também serem Torneiros Mecânicos!... Mal sabiam
que a realidade nem sempre é o que mostra a aparência e que em tudo na vida é
preciso muita dedicação e empenho para conseguir algum resultado.
Não sei se chegaram a
conversar sobre isso, mas tem situações que nem é preciso!... Os fatos falam
por si. A realidade espanta, mas encanta e seduz. Portanto, não foi por mera
coincidência que menos de quatro anos depois ambos estavam na cidade e na
profissão de Torneiros Mecânicos!
“Caminheiro que lá vai indo” ...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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