quinta-feira, 7 de abril de 2022

06 - O SANFONEIRO

06 - O SANFONEIRO

“Se a lua nasce por detrás da verde mata, mais parece um sol de prata, prateando a solidão. E a gente pega a viola e ponteia a canção e a lua cheia, a nos nascer no coração. Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão”. (Tonico e Tinoco).

Em 1950 o sertão do Paraná estava em plena e acelerada colonização, motivada pelo plantio do “ouro preto”, o saboroso café! A migração era pungente, especialmente de paulistas, mineiros e nordestinos, mas também imigrantes estrangeiros, principalmente italianos, japoneses e até ingleses, os quais, por exemplo, deram origem à cidade de Londrina.

Meu avô mineiro chegou com a família à pequena cidade de Alto Paraná, onde fez Contrato de Arrendamento para plantar café e por ali ficou por três anos. Mas acostumado ao chão pedregoso e arenoso do norte de Minas, foi muito difícil adaptar-se ao barro grudento das chamadas “terras roxas”. Por isso muito viajou pelo noroeste do Paraná à procura de uma região que lhe fosse mais agradável.

Enquanto isso, exceto duas filhas mais velhas e casadas e dois filhos também mais velhos que foram cedo para São Paulo, os demais sete filhos e as quatro filhas trabalharam duramente para desmatar, preparar o terreno, plantar o café e esperar os quatro anos do ciclo frutífero. E os relatos dão conta que não foram tempos de fartura, pois ainda não tinham o costume de plantar hortaliças, verduras ou árvores frutíferas, exceto mandioca.

Entretanto, antes da primeira colheita, após gastar muito dinheiro em viagens, meu avô decidiu por comprar terras na promissora Santa Isabel do Ivaí, perto do rio Ivaí, região arenosa, uma das poucas cidades a terem energia elétrica a partir de um motor estacionário, uma olaria, além de várias serrarias. Naquela época, registra o IBGE a existência de quase 26 mil habitantes, o que era muita gente para a época!...

Depois de três anos de labuta, tão perto de finalmente o café dar a primeira carga, a nova perspectiva de abandonarem tudo e recomeçarem em outras paragens desanimou meus tios e eles debandaram para novos horizontes, novas profissões e outras cidades, principalmente após casarem.

Um dos filhos, após casar, fixou residência em Alto Paraná, aprendeu a profissão de Torneiro Mecânico e isso abriu caminho a outros dois, inclusive o meu pai, mas isso é história para outro momento.

Teve um que resolveu ser Alfaiate e foi para Cianorte. Outro a ser Padeiro e foi para Londrina. Ainda um que voltou para Minas, casou e depois voltou para perto da família em Sansabel, onde exerceu a profissão de Carpinteiro por muitos anos.

No fim, apenas dois filhos desbravaram o novo sítio lá no “Barraco de Zinco”, além de meu avô mineiro, pois o último filho ainda era criança.

Naquela época, para cada habitante urbano, outros três estavam em zonas rurais. E o planejamento de colonização dividiu toda a grande região em ramais e sítios de dez ou vinte hectares. Era praxe erguerem três ou quatro casas em cada sítio, já que as famílias eram quase todas acima de dez pessoas, com alguns filhos casados ou mesmo irmãos de negócios, qual o exemplo de meu avô italiano.

E a cada dez quilômetros era padrão a existência de uma venda de mantimentos e bebidas, mas principalmente a instalação de um campo de futebol e uma Igreja!

Formavam-se comunidades expressivas e competitivas, por exemplo, a região do ramal sete, a região do ramal vinte e seis e que depois virou a cidadezinha de São José do Ivaí, até casos de futuros municípios qual o exemplo de Santa Mônica.

Certamente o futebol era o principal agente agregador de pessoas e realizam-se disputados torneios entre os ramais, onde formigavam pessoas das mais variadas regiões!

No ramal dezoito, além de dois mercadinhos, ergueu-se uma significativa Igreja Católica e um grande Colégio Primário com um barraco de festa ao lado, coberto por telhas de zinco, coisa incomum naquela época! Com o tempo, as pessoas deixaram a designação de ramal dezoito e passaram a simplesmente falar “Barraco de Zinco” ou mais popularmente: “Barraco”.

Meu avô italiano viera com a família da região de Avanhandava SP e em sociedade com os irmãos compraram um sítio de vinte hectares, distante uns três quilômetros do referido colégio, onde depois minha mãe arrumou o emprego de Professora primária! Isso deu a Nizita um status de valorização não apenas familiar, mas em toda a comunidade!...

Por outro lado, meu avô mineiro comprara um sítio de dez hectares bem mais adiante, uns quatro quilômetros do referido colégio. Os primeiros anos foram de muita luta, quase questão de sobrevivência, pois do dinheiro que meu avô mineiro trouxera de Minas sobrara apenas o suficiente para comprar o sítio, após tanta gastança nos três anos em Alto Paraná, sobretudo a luta em desmatar e iniciar o plantio do café no longo ciclo de quatro anos. Lá em Minas faziam farinha, rapadura, queijo e principalmente criavam gado! Agora era tudo diferente...

Em cada sítio, além das casas, era comum a existência de um grande terreirão destinado a secar o café após a colheita. Era um interminável trabalho em rastelar o café para lá e para cá, para que secasse uniforme. Isso na época de colheita. Eventualmente era usado para secar amendoim. Nos demais meses, o terreirão virava local de diversão para as crianças e eventualmente local de baile em determinadas noites festivas!...

Naquela época os jovens sonhavam em ser jogadores de futebol ou formarem uma dupla sertaneja!... Por exemplo, Milionário e José Rico (Terra Rica PR) ou Chitãozinho e Xororó (Astorga PR). Meu pai não tinha habilidade de jogador, mal era aceito como zagueiro, então a ele sobrou aprender a tocar violão e sanfona.

E lá no sertão, nas noites de luar, o som da sanfona fluía vigorosamente no silêncio da noite e os treinos infindáveis de meu pai facilmente chegavam ao sítio onde a Nizita ficava à janela a escutar o melodioso som e a sonhar com o jovem e atraente mineiro do sítio da baixada!...

E como diria o meu pai: “Numa ocasião”, eis que o chamaram para tocar num Baile de Terreirão, coisa que ele já fizera antes. O conceito de circo era muito conhecido naquela época onde mal existia o rádio. Então era comum usarem várias lonas destinadas a cobrirem o café no terreirão nos dias chuvosos e formarem uma grande arena de circo para o baile!... No meio colocavam uma mesa destinada ao sanfoneiro tocar a noite inteira, enquanto os casais rodopiavam ao redor. Nas beiras da lona ficavam vários bancos destinados às donzelas em seus vestidos floridos a esperarem que seus tímidos pretendidos tivessem a coragem de convidá-las.

E num desses bailes, após tocar várias músicas do cancioneiro regional, o jovem mineirinho de tanto ver a professorinha dançar, com toda a tradicional alegria italiana, mas sem nitidamente mostrar preferência por algum consorte, até o contrário, parecia que ela furtivamente estava a lhe cortejar, então o jovem sanfoneiro chamou um companheiro de aventuras musicais e repassou-lhe a sanfona!...

E não perdeu tempo! Cortejou a jovem Professora e a química foi instantânea! Eles dançaram o resto da noite qual casal de jovens pombinhos!... O baile perdeu o tradicional sanfoneiro e as matriarcas ganharam uma novidade a repassarem de boca em boca no dia seguinte!...

O romance fluiu nos próximos dias, as famílias se conheceram, até surgiram conversas adversas, pois era evidente a diferença e até contradições entre os costumes mineiros e os italianos. Como poderia dar certo tal relacionamento?... Mas quero ver conseguir explicar isso ao amor, menos ainda à paixão!... Por fim, casaram!... E meu avô mineiro destinou uma bonita casa, ao lado da casa grande, para o jovem casal morar e fazer o ninho de amor.

Foram felizes por cerca de quatro anos. Nasceu um casal de filhos e fui o primeiro. Quando minha mãe estava grávida de sua segunda filha, eis que algum imprevisto aconteceu lá no sítio do avô italiano, pois resolveram separar a sociedade e cada irmão italiano resolveu seguir seu destino. A Nizita sofreu muito com a perspectiva de ficar longe da família, tanto que acabou por convencer o meu pai a também seguir com os sogros para Cambira PR, onde meu avô comprara um sítio.

Claro que também teve de convencer ambos os pais, mas para o lado italiano, o conceito de manter toda a família unida era praticamente uma religião, então a ideia foi facilmente aceita. Mas no lado mineiro a iniciativa foi muito questionada!... Meu avô mineiro viu aquilo como uma grande traição!... Ele destinara a casa com tão boa vontade e agora iriam embora?... E além de dois filhos, sendo um apenas um jovem, quem iria ajudar na manutenção do sítio?...

Mas meu pai foi embora. E isso teve consequências quando voltou qual filho pródigo. Infelizmente para o meu lado também teve, pois se não bastasse a tradicional displicência ao filho mais velho em detrimento a necessidade de atenção aos mais novos, a rusga do bananal demorou mais de dez anos para evaporar e os atritos futuros fizeram-me conhecer o lado amargo da vida...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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