06 - O SANFONEIRO
“Se a lua nasce por
detrás da verde mata, mais parece um sol de prata, prateando a solidão. E a
gente pega a viola e ponteia a canção e a lua cheia, a nos nascer no coração.
Não há, ó gente, ó não, luar como esse do sertão”. (Tonico e Tinoco).
Em 1950 o sertão do
Paraná estava em plena e acelerada colonização, motivada pelo plantio do “ouro
preto”, o saboroso café! A migração era pungente, especialmente de paulistas,
mineiros e nordestinos, mas também imigrantes estrangeiros, principalmente
italianos, japoneses e até ingleses, os quais, por exemplo, deram origem à
cidade de Londrina.
Meu avô mineiro chegou
com a família à pequena cidade de Alto Paraná, onde fez Contrato de Arrendamento
para plantar café e por ali ficou por três anos. Mas acostumado ao chão
pedregoso e arenoso do norte de Minas, foi muito difícil adaptar-se ao barro
grudento das chamadas “terras roxas”. Por isso muito viajou pelo noroeste do
Paraná à procura de uma região que lhe fosse mais agradável.
Enquanto isso, exceto
duas filhas mais velhas e casadas e dois filhos também mais velhos que foram
cedo para São Paulo, os demais sete filhos e as quatro filhas trabalharam
duramente para desmatar, preparar o terreno, plantar o café e esperar os quatro
anos do ciclo frutífero. E os relatos dão conta que não foram tempos de
fartura, pois ainda não tinham o costume de plantar hortaliças, verduras ou
árvores frutíferas, exceto mandioca.
Entretanto, antes da
primeira colheita, após gastar muito dinheiro em viagens, meu avô decidiu por
comprar terras na promissora Santa Isabel do Ivaí, perto do rio Ivaí, região
arenosa, uma das poucas cidades a terem energia elétrica a partir de um motor estacionário,
uma olaria, além de várias serrarias. Naquela época, registra o IBGE a existência
de quase 26 mil habitantes, o que era muita gente para a época!...
Depois de três anos de
labuta, tão perto de finalmente o café dar a primeira carga, a nova perspectiva
de abandonarem tudo e recomeçarem em outras paragens desanimou meus tios e eles
debandaram para novos horizontes, novas profissões e outras cidades,
principalmente após casarem.
Um dos filhos, após casar,
fixou residência em Alto Paraná, aprendeu a profissão de Torneiro Mecânico e
isso abriu caminho a outros dois, inclusive o meu pai, mas isso é história para
outro momento.
Teve um que resolveu
ser Alfaiate e foi para Cianorte. Outro a ser Padeiro e foi para Londrina.
Ainda um que voltou para Minas, casou e depois voltou para perto da família em
Sansabel, onde exerceu a profissão de Carpinteiro por muitos anos.
No fim, apenas dois
filhos desbravaram o novo sítio lá no “Barraco de Zinco”, além de meu avô mineiro,
pois o último filho ainda era criança.
Naquela época, para
cada habitante urbano, outros três estavam em zonas rurais. E o planejamento de
colonização dividiu toda a grande região em ramais e sítios de dez ou vinte hectares.
Era praxe erguerem três ou quatro casas em cada sítio, já que as famílias eram
quase todas acima de dez pessoas, com alguns filhos casados ou mesmo irmãos de
negócios, qual o exemplo de meu avô italiano.
E a cada dez
quilômetros era padrão a existência de uma venda de mantimentos e bebidas, mas
principalmente a instalação de um campo de futebol e uma Igreja!
Formavam-se comunidades
expressivas e competitivas, por exemplo, a região do ramal sete, a região do
ramal vinte e seis e que depois virou a cidadezinha de São José do Ivaí, até
casos de futuros municípios qual o exemplo de Santa Mônica.
Certamente o futebol
era o principal agente agregador de pessoas e realizam-se disputados torneios
entre os ramais, onde formigavam pessoas das mais variadas regiões!
No ramal dezoito, além
de dois mercadinhos, ergueu-se uma significativa Igreja Católica e um grande
Colégio Primário com um barraco de festa ao lado, coberto por telhas de zinco,
coisa incomum naquela época! Com o tempo, as pessoas deixaram a designação de ramal
dezoito e passaram a simplesmente falar “Barraco de Zinco” ou mais popularmente:
“Barraco”.
Meu avô italiano viera
com a família da região de Avanhandava SP e em sociedade com os irmãos compraram
um sítio de vinte hectares, distante uns três quilômetros do referido colégio,
onde depois minha mãe arrumou o emprego de Professora primária! Isso deu a
Nizita um status de valorização não apenas familiar, mas em toda a comunidade!...
Por outro lado, meu avô
mineiro comprara um sítio de dez hectares bem mais adiante, uns quatro
quilômetros do referido colégio. Os primeiros anos foram de muita luta, quase
questão de sobrevivência, pois do dinheiro que meu avô mineiro trouxera de
Minas sobrara apenas o suficiente para comprar o sítio, após tanta gastança nos
três anos em Alto Paraná, sobretudo a luta em desmatar e iniciar o plantio do
café no longo ciclo de quatro anos. Lá em Minas faziam farinha, rapadura, queijo
e principalmente criavam gado! Agora era tudo diferente...
Em cada sítio, além das
casas, era comum a existência de um grande terreirão destinado a secar o café
após a colheita. Era um interminável trabalho em rastelar o café para lá e para
cá, para que secasse uniforme. Isso na época de colheita. Eventualmente era
usado para secar amendoim. Nos demais meses, o terreirão virava local de
diversão para as crianças e eventualmente local de baile em determinadas noites
festivas!...
Naquela época os jovens
sonhavam em ser jogadores de futebol ou formarem uma dupla sertaneja!... Por
exemplo, Milionário e José Rico (Terra Rica PR) ou Chitãozinho e Xororó
(Astorga PR). Meu pai não tinha habilidade de jogador, mal era aceito como
zagueiro, então a ele sobrou aprender a tocar violão e sanfona.
E lá no sertão, nas
noites de luar, o som da sanfona fluía vigorosamente no silêncio da noite e os
treinos infindáveis de meu pai facilmente chegavam ao sítio onde a Nizita
ficava à janela a escutar o melodioso som e a sonhar com o jovem e atraente
mineiro do sítio da baixada!...
E como diria o meu pai:
“Numa ocasião”, eis que o chamaram para tocar num Baile de Terreirão, coisa que
ele já fizera antes. O conceito de circo era muito conhecido naquela época onde
mal existia o rádio. Então era comum usarem várias lonas destinadas a cobrirem
o café no terreirão nos dias chuvosos e formarem uma grande arena de circo para
o baile!... No meio colocavam uma mesa destinada ao sanfoneiro tocar a noite
inteira, enquanto os casais rodopiavam ao redor. Nas beiras da lona ficavam vários
bancos destinados às donzelas em seus vestidos floridos a esperarem que seus
tímidos pretendidos
E num desses bailes,
após tocar várias músicas do cancioneiro regional, o jovem mineirinho de tanto
ver a professorinha dançar, com toda a tradicional alegria italiana, mas sem
nitidamente mostrar preferência por algum consorte, até o contrário, parecia
que ela furtivamente estava a lhe cortejar, então o jovem sanfoneiro chamou um
companheiro de aventuras musicais e repassou-lhe a sanfona!...
E não perdeu tempo!
Cortejou a jovem Professora e a química foi instantânea! Eles dançaram o resto
da noite qual casal de jovens pombinhos!... O baile perdeu o tradicional
sanfoneiro e as matriarcas ganharam uma novidade a repassarem de boca em boca
no dia seguinte!...
O romance fluiu nos
próximos dias, as famílias se conheceram, até surgiram conversas adversas, pois
era evidente a diferença e até contradições entre os costumes mineiros e os
italianos. Como poderia dar certo tal relacionamento?... Mas quero ver
conseguir explicar isso ao amor, menos ainda à paixão!... Por fim, casaram!...
E meu avô mineiro destinou uma bonita casa, ao lado da casa grande, para o
jovem casal morar e fazer o ninho de amor.
Foram felizes por cerca
de quatro anos. Nasceu um casal de filhos e fui o primeiro. Quando minha mãe estava
grávida de sua segunda filha, eis que algum imprevisto aconteceu lá no sítio do
avô italiano, pois resolveram separar a sociedade e cada irmão italiano resolveu
seguir seu destino. A Nizita sofreu muito com a perspectiva de ficar longe da
família, tanto que acabou por convencer o meu pai a também seguir com os sogros
para Cambira PR, onde meu avô comprara um sítio.
Claro que também teve
de convencer ambos os pais, mas para o lado italiano, o conceito de manter toda
a família unida era praticamente uma religião, então a ideia foi facilmente
aceita. Mas no lado mineiro a iniciativa foi muito questionada!... Meu avô mineiro
viu aquilo como uma grande traição!... Ele destinara a casa com tão boa vontade
e agora iriam embora?... E além de dois filhos, sendo um apenas um jovem, quem
iria ajudar na manutenção do sítio?...
Mas meu pai foi embora.
E isso teve consequências quando voltou qual filho pródigo. Infelizmente para o
meu lado também teve, pois se não bastasse a tradicional displicência ao filho
mais velho em detrimento a necessidade de atenção aos mais novos, a rusga do
bananal demorou mais de dez anos para evaporar e os atritos futuros fizeram-me conhecer
o lado amargo da vida...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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