26 - A PAZ
Assim como seria
injusto colocar a culpa no irmão mais novo de minha mãe por quebrar o violão de
meu pai no ano seguinte, não no sítio de meu avô italiano, mas em outro onde
morava uma irmã mais velha. Os adultos se reuniram para aparar as arestas e
após um jogo de cartas resolveram fazer uma cantoria!... Então mandaram esse
meu tio, ainda outra criança de oito anos, buscar de bicicleta o violão lá no ranchinho,
no sítio de meu avô mineiro!... Ele foi, pois criança aceita qualquer
aventura!... Amarrou o violão na garupa e na volta desviou a bicicleta de um
tronco, mas acertou o violão em cheio!... Culpa dele?... Ou culpa de quem
mandou?...
Não sem precedentes,
mas o fato é que após quatro anos, tantas aventuras em cidades diferentes,
agora de retorno à Sansabel e mesmo assim, não havia planos de passar o Natal
no sítio!... Talvez no ano seguinte, mas 1971 fora tão atribulado e queriam
apenas a paz de um Natal tranquilo!... Só esqueceram de combinar comigo, então
fui a pé ao sítio!...
Fui recebido com
espanto e alegria!... De fato, minhas Primas estavam enormes!... Eu cresci um
pouco, mas elas esticaram!... E minha tia continuava amável a meu respeito!...
Será que dá para entender o quanto faz diferença a uma criança um gesto de
carinho e amor?... Era isso que tanto fascinava em minhas primas!... Desde
aquela época, educação já era tudo de bom!...
E meus tios também
estavam crescidos!... Eu continuava criança, mas eles entraram na adolescência
e não havia mais o ponto de igualdade que sempre nos uniram!... Além do mais,
eles trabalhavam nos intermináveis cuidados com o cafezal e enquanto eu
regressara menino branco da cidade, eles estavam queimados de sol, mergulhados
na rotina a devorar o tempo!...
Mais do que isso. Os
últimos anos foram de severidade extrema, não apenas por causa das frequentes
geadas. O meu tio mais novo, numa infantil e inconsequente brincadeira de
criança, atirou de estilingue um grão de cinamomo, a conhecida santa Bárbara,
na direção dos meninos vizinhos que jogavam bola em frente à casa do sítio!...
Por fatalidade, acertou em cheio justamente o olho de um deles!... Terrível!...
Meu avô gastou o que não tinha para resolver a situação, mas o menino ficou
cego do olho!... E juro que não tive nenhum envolvimento!...
Por tudo isso, minha
presença também foi a recuperação de uma alegria perdida aos meus tios!... E
após me arrumarem um chapéu de palha para não se queimar, fomos nadar no riacho
e comer uvas japonesas, mas na verdade não são uvas, é só o nome que os
brasileiros deram a uma frutinha exótica do oriente que mais parece tripa retorcida!...
Também visitamos o
cafezal em busca de melancias, mas para colher é preciso antes plantar e
infelizmente essa não foi a prioridade nos últimos anos. Então resolvemos
“vistoriar” os sítios vizinhos em busca de algum atrativo. Não encontramos nada.
Mas eu não estava nem aí!... Queria mesmo era andar no cafezal!... As primeiras
flores já começavam a embranquecer o horizonte, mas o melhor mesmo era o
inconfundível aroma!... Para mim, cheiro de felicidade!...
Apesar disso, meus tios
estavam tão contentes com a minha presença que a tudo faziam para agradar!...
Por fim, lembraram de um formoso pé de manga coração de boi, uns cinco sítios
distante!... Eu só conhecia manga espada e manga coquinho. Nem imaginava que existiam
outros tipos!...
Entretanto, tinha dois
problemas: O primeiro logicamente era o dono do sítio. Aliás, era o sogro do
irmão mais novo de meu pai, pois criara-se laços familiares entre todos os
moradores da região!... O segundo era uma estranha cerca que instalaram um
sítio antes, onde o espaçamento era tão estreito que precisava de duas pessoas
apenas para segurar distantes os arames!... Não por coincidência, também de
parentes, pois o dono era casado com uma das irmãs de meus tios!...
Encontramos apenas três das fabulosas
mangas!... Descobri duas novidades: Coração de boi é muito grande!... E a tal
manga recebera o nome certo!... E não tinha fiapos qual a manga espada!... O
sabor era coisa de outro mundo!... Muito bom!... Na volta, usamos uns matinhos
para apagar as pegadas e depois de passar a tal cerca de arame ajustados, meu
tio mais velho perguntou:
– Cadê o chapéu?...
– Ih!... Esqueci lá!...
– Temos de voltar!...
– Tá louco?... Passar novamente essa cerca?...
– Temos de voltar!... Eram as três últimas
mangas. Ele irá encontrar o chapéu e saberá que fomos nós!...
– Pelo chapéu?!...
– Todos se conhecem
pelo chapéu!... Temos de voltar...
E lá fomos nós
novamente, dois para segurar e separar os arames para o terceiro passar e ainda
assim era apertado!... Ao menos não era arame farpado!... Se fosse, nunquinha
da vida que eu aceitaria, pois os buracos no joelho ainda me faziam lembrar de
Monte Castelo...
No dia seguinte,
véspera do Natal, meus pais chegaram!... Vieram de ônibus. Meus avós, tios e
tias ficaram muito felizes por reverem os outros quatros filhos da Nizita!... E
principalmente porque meu avô e meu pai finalmente eliminaram aquela horrível
barreira virtual que nos separavam!... Para o meu lado da história, isso foi
fundamental, ou acaso a minha fuga a pé iria passar em branco, caso algo mais
importante não justificasse?!...
Não foi um Natal de
fartura. Mas certamente foi um Natal de muita felicidade e alegria!... Além do
mais, macarrão, carne de frango, polenta e vinho tinto de garrafão são itens
que nunca faltaram, por mais difícil estivesse a situação!... Mas dessa vez
bebi apenas água do filtro de barro.
Meu pai lavou a alma ao
matar a saudade de pescar no riacho!... Contudo, no dia seguinte, o domingo,
voltamos para Sansabel, pois meu pai deveria trabalhar na segunda-feira. Retornamos
embriagados de felicidade!... Certamente um Feliz Natal!
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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