11 - O CAFEZAL
“Ai menina, meu amor,
branca flor do cafezal!... Passa-se a noite, vem o sol ardente e bruto, morre a
flor e nasce o fruto no lugar de cada flor!... Meu cafezal em flor, quanta flor
meu cafezal!”. (Cascatinha e Inhana, música de Luiz Carlos Paraná).
Não sei exato o motivo,
mas deram o sugestivo nome de “covas” aos tais buracos!... E nada mais
apropriado, pois não foram poucos os anos em que o frio sulino queimou toda a
plantação em severas geadas, a sepultar os sonhos dos aventureiros, pois o “ouro
preto” raramente brilhava. Ao menos não era preciso reiniciar o processo.
Bastava cortar os galhos e esperar o tronco brotar vigorosamente para o próximo
ano...
E era certo que em
determinados anos o café floria num espetáculo maravilhoso qual véu de noiva a
cobrir todo o sertão!... E o cheiro inconfundível das flores renovava a alma de
cada vivente!... Logo surgiam os frutos verdes e depois totalmente vermelhos,
prontos para a colheita, na certeza de mesa cheia quando chegasse o próximo Natal!...
Em 1956 meu pai voltou
cheio de esperança e coragem da viagem e não sofreu quaisquer represálias em
Minas. Meu avô examinou as duas cartucheiras. Uma era cano longo um pouco mais
fino, coronha escura. A outra era cano menor, coronha adornada em vermelho.
Ambas com dois canos. Meu avô sabia como recarregar os cartuchos, pois os
materiais necessários, quais espoletas, pólvora e chumbo, eram facilmente
vendidos em qualquer cidade da região. A meu pai coube ficar com a cartucheira
vermelha, tanto para caçar, quanto para proteger o sítio.
Será que efetuaram a
quitação das fazendas de outra forma?... No geral, falavam que meu avô vendeu,
recebeu e gastou todo o dinheiro!... De fato, ele pouco ficava no sítio.
Preferia andar a cavalo pela região entre um boteco e outro. Mas será que ele
era pródigo ou preferia não ser pego de surpresa no próprio sítio?... E sem
esquecer o novo mistério: Por que fez questão que o meu pai trouxesse de São
Paulo as duas cartucheiras?...
Em 1966, após nosso
retorno de Cambira, não foram poucas às vezes onde presenciei meu avô treinar a
pontaria, sentado em frente à porta da casa grande. Ele atirava numa enorme árvore
após a segunda porteira do sítio, uns cinquenta metros de distância!... E
depois íamos lá conferir sua invariável pontaria com base no chumbo incrustado
no tronco!... Ele falava alguma coisa quanto ao
Em 1959 seria a
primeira safra do cafezal!... Seria. De dia o sol quente castigava o café,
ainda mais no solo arenoso, tanto que todos trabalhavam de chapéu de palha e
camisas com mangas longas. Mas de noite o orvalho molhava as folhas e o cheiro
de mato verde a tudo revigorava!...
O perigo era chegar uma
frente fria sem chuva, geralmente em setembro, pois o vento frio da madrugada
congelava o orvalho, para logo depois o calor do sol derreter e evaporar, no
temível fenômeno conhecido por geada. Esse choque térmico era insuportável para
as folhas do café, as quais logo secavam. Foi o que aconteceu em 1959. O
trabalho de quatro anos, tudo perdido!...
Por isso, meu avô resolveu
viajar para Cianorte-PR, para visitar os irmãos de minha avó Perpétua “Xavier”.
Mas talvez tenha retornado a Minas Gerais para resolver a pendência no
pagamento das fazendas. O fato é que ficou fora por vários meses. Antes de
partir, recomendou ao meu pai podar todo o cafezal, para garantir brotar a
próxima safra. Quanto aos tais “Xavier”, logo desistiram de Cianorte e foram
para Mundo Novo MS, por fim, foram para Rondônia e não mais se teve notícias.
A estrada do “Barraco”
dividia todos os sítios em duas metades. A parte de cima estendia-se por quase
três quilômetros até o estradão, rodovia larga usada pelos caminhões de
transporte de argila do rio Ivaí para a cerâmica em Sansabel, mas também
limites de outros sitiantes. A parte de baixo estendia-se em menor tamanho até
o riacho. Os sitiantes dividiram essa parte de baixo em outras duas metades, de
forma que abaixo das casas, cerca de um quilômetro, deixaram para a criação de
suínos, caprinos, equinos e bovinos. Portanto, o cafezal contava com no mínimo três
quilômetros a partir das casas até o estradão.
Por estimativa presumo
no mínimo dez mil pés em cada sítio!... Ainda bem que usavam somente fogão a
lenha, pois haja fogo para consumir tantos troncos, após a poda. E meu pai juntou-se
ao irmão violeiro e lançaram-se na exaustiva tarefa, pois o irmão mais novo
ainda era criança. Em outras situações, era comum a ajuda entre vizinhos. Nem
sempre o dinheiro importava, pois valia mais a amizade, a camaradagem ou o
escambo. Mas naquele momento, todos estavam em igual situação!...
Após podarem oito mil pés entre as estradas,
quando chegou à parte de baixo, meu pai chamou meu tio ainda adolescente e
falou:
– Daqui para baixo vamos arrancar de vez e
plantar capim...
– Ficou louco?... – Questionou o meu tio. – E
quando nosso pai voltar?!...
– Ele vai ficar bravo... – Explicou o meu pai.
– Mas talvez entenda que foi a melhor solução. Aqui não é lugar para plantar
café!... Todo ano vem essa geada. Melhor é plantar capim e criar gado!...
– Mas temos pouco gado! – Observou o meu tio. –
Além do mais, onde vamos arrumar o dinheiro para fazer a cerca?...
– Ainda não sei. –
Confessou o meu pai. – Primeiro vamos arrancar esse café. Depois vou a cidade
comprar sementes. Daqui um mês o capim terá nascido e então a gente vê o que
fazer.
E assim foi feito!... Depois de um mês, quando
ainda removiam parte dos galhos cortados, foram interrompidos por um japonês,
morador da fazenda uns três quilômetros à frente, o qual era criador de gado e
precisava urgente arrendar um novo pasto na região.
– Ah!... – Lamentou-se o meu pai. – O capim
pouco cresceu e nem está cercado...
– Não tem problema! –
Falou o Japonês. – Eu forneço o arame, vocês cercam e até lá o capim terá o
tamanho ideal. No fim do ano eu pago pelo arrendamento, mas vou descontar o
valor do arame!...
Combinaram o valor,
mediante abertura de uma passagem de vinte metros quase ao lado das casas para
o gado descer a baixada e beber água no riacho, mas isso implicaria no inverso,
onde as poucas cabeças de gado de meu avô também poderiam usufruir do novo
capim. Mas eram distintamente conhecidas e assim fecharam o negócio!...
Quando o meu avô voltou
de viagem, desceu o carreador muito irritado por constatar que seus filhos
cortaram o precioso café!... Além do mais, de quem eram aquelas cabeças de
gado?... E onde arrumaram dinheiro para cercar?...
Foi um confronto
terrível!... Meu pai tentou argumentar, mas meu avô estava possesso de raiva e
indignação. Onde já se viu?... Como puderam cortar os pés de café?... Se fosse
para criar gado teriam ficado lá em Minas!... E essa situação deixou o meu pai bem
aborrecido, pois tinha certeza de que fizera o certo!...
Quase quarenta anos
depois, quando lá voltei, era tudo somente fazendas de gado!... O cheiro das
flores do café ficou na saudade de quem viveu esse momento mágico.
Após algum tempo, finalmente o japonês pagou
pelo arrendamento, até deu uma vaca prenha de presente ao meu pai, pois ele
cuidara muito bem do rebanho!... Meu avô recebeu uma boa quantia em dinheiro e
também ficou satisfeito!... Depois comprou outras rezes e logo estava com um
bom rebanho a fornecer carne e leite. Por fim, arrependeu-se da implicância e
falou:
– “Girso”, arrancar
aquele café foi a melhor coisa que você fez!...
E tudo isso foi
fundamental, pois quando meu pai decidiu casar, meu avô se prontificou a liberar
a casa onde nasci, afinal, sua presença e trabalho mostrara-se importante para
a família!...
Quanto aos mistérios,
ou o meu avô desistiu de receber, ou ele fez outra negociação, pois depois
disso, vez ou outra, chegava algum parente de Minas. Inclusive, após casar, meu
pai vendeu a sanfona para um primo de Espinosa!...
Como diria Shakespeare:
“Tudo bem, quando tudo termina bem”!
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José Nunes
Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total
ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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