quinta-feira, 7 de abril de 2022

11 - O CAFEZAL

11 - O CAFEZAL

“Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal!... Passa-se a noite, vem o sol ardente e bruto, morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor!... Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal!”. (Cascatinha e Inhana, música de Luiz Carlos Paraná).

O ciclo inicial do café exigia quatro anos. Primeiro preparavam o terreno, ou seja, desmatamento total. Depois faziam no solo buracos quadrados de meio metro de diâmetro, com distância de três metros entre as fileiras e um metro de buraco a buraco. Dentro era plantada a pequenina muda, vendida a preço de ouro por aproveitadores da oportunidade. Ainda erguiam ao redor paredes de proteção com galhos sobrepostos. E nos próximos três anos, capinavam os intervalos diuturnamente para eliminar toda erva daninha.

Não sei exato o motivo, mas deram o sugestivo nome de “covas” aos tais buracos!... E nada mais apropriado, pois não foram poucos os anos em que o frio sulino queimou toda a plantação em severas geadas, a sepultar os sonhos dos aventureiros, pois o “ouro preto” raramente brilhava. Ao menos não era preciso reiniciar o processo. Bastava cortar os galhos e esperar o tronco brotar vigorosamente para o próximo ano...

E era certo que em determinados anos o café floria num espetáculo maravilhoso qual véu de noiva a cobrir todo o sertão!... E o cheiro inconfundível das flores renovava a alma de cada vivente!... Logo surgiam os frutos verdes e depois totalmente vermelhos, prontos para a colheita, na certeza de mesa cheia quando chegasse o próximo Natal!...

Em 1956 meu pai voltou cheio de esperança e coragem da viagem e não sofreu quaisquer represálias em Minas. Meu avô examinou as duas cartucheiras. Uma era cano longo um pouco mais fino, coronha escura. A outra era cano menor, coronha adornada em vermelho. Ambas com dois canos. Meu avô sabia como recarregar os cartuchos, pois os materiais necessários, quais espoletas, pólvora e chumbo, eram facilmente vendidos em qualquer cidade da região. A meu pai coube ficar com a cartucheira vermelha, tanto para caçar, quanto para proteger o sítio.

Será que efetuaram a quitação das fazendas de outra forma?... No geral, falavam que meu avô vendeu, recebeu e gastou todo o dinheiro!... De fato, ele pouco ficava no sítio. Preferia andar a cavalo pela região entre um boteco e outro. Mas será que ele era pródigo ou preferia não ser pego de surpresa no próprio sítio?... E sem esquecer o novo mistério: Por que fez questão que o meu pai trouxesse de São Paulo as duas cartucheiras?...

Em 1966, após nosso retorno de Cambira, não foram poucas às vezes onde presenciei meu avô treinar a pontaria, sentado em frente à porta da casa grande. Ele atirava numa enorme árvore após a segunda porteira do sítio, uns cinquenta metros de distância!... E depois íamos lá conferir sua invariável pontaria com base no chumbo incrustado no tronco!... Ele falava alguma coisa quanto ao ajuste do tamanho do chumbo e da quantidade de pólvora e eu fingia entender. Trinta anos depois eu voltei ao sítio e lá ainda estava a árvore, agora quase seca, por testemunha das poucas vezes em que me lembro de alguma conversa com o meu avô!...

Em 1959 seria a primeira safra do cafezal!... Seria. De dia o sol quente castigava o café, ainda mais no solo arenoso, tanto que todos trabalhavam de chapéu de palha e camisas com mangas longas. Mas de noite o orvalho molhava as folhas e o cheiro de mato verde a tudo revigorava!...

O perigo era chegar uma frente fria sem chuva, geralmente em setembro, pois o vento frio da madrugada congelava o orvalho, para logo depois o calor do sol derreter e evaporar, no temível fenômeno conhecido por geada. Esse choque térmico era insuportável para as folhas do café, as quais logo secavam. Foi o que aconteceu em 1959. O trabalho de quatro anos, tudo perdido!...

Por isso, meu avô resolveu viajar para Cianorte-PR, para visitar os irmãos de minha avó Perpétua “Xavier”. Mas talvez tenha retornado a Minas Gerais para resolver a pendência no pagamento das fazendas. O fato é que ficou fora por vários meses. Antes de partir, recomendou ao meu pai podar todo o cafezal, para garantir brotar a próxima safra. Quanto aos tais “Xavier”, logo desistiram de Cianorte e foram para Mundo Novo MS, por fim, foram para Rondônia e não mais se teve notícias.

A estrada do “Barraco” dividia todos os sítios em duas metades. A parte de cima estendia-se por quase três quilômetros até o estradão, rodovia larga usada pelos caminhões de transporte de argila do rio Ivaí para a cerâmica em Sansabel, mas também limites de outros sitiantes. A parte de baixo estendia-se em menor tamanho até o riacho. Os sitiantes dividiram essa parte de baixo em outras duas metades, de forma que abaixo das casas, cerca de um quilômetro, deixaram para a criação de suínos, caprinos, equinos e bovinos. Portanto, o cafezal contava com no mínimo três quilômetros a partir das casas até o estradão.

Por estimativa presumo no mínimo dez mil pés em cada sítio!... Ainda bem que usavam somente fogão a lenha, pois haja fogo para consumir tantos troncos, após a poda. E meu pai juntou-se ao irmão violeiro e lançaram-se na exaustiva tarefa, pois o irmão mais novo ainda era criança. Em outras situações, era comum a ajuda entre vizinhos. Nem sempre o dinheiro importava, pois valia mais a amizade, a camaradagem ou o escambo. Mas naquele momento, todos estavam em igual situação!...

Após podarem oito mil pés entre as estradas, quando chegou à parte de baixo, meu pai chamou meu tio ainda adolescente e falou:

– Daqui para baixo vamos arrancar de vez e plantar capim...

– Ficou louco?... – Questionou o meu tio. – E quando nosso pai voltar?!...

– Ele vai ficar bravo... – Explicou o meu pai. – Mas talvez entenda que foi a melhor solução. Aqui não é lugar para plantar café!... Todo ano vem essa geada. Melhor é plantar capim e criar gado!...

– Mas temos pouco gado! – Observou o meu tio. – Além do mais, onde vamos arrumar o dinheiro para fazer a cerca?...

– Ainda não sei. – Confessou o meu pai. – Primeiro vamos arrancar esse café. Depois vou a cidade comprar sementes. Daqui um mês o capim terá nascido e então a gente vê o que fazer.

E assim foi feito!... Depois de um mês, quando ainda removiam parte dos galhos cortados, foram interrompidos por um japonês, morador da fazenda uns três quilômetros à frente, o qual era criador de gado e precisava urgente arrendar um novo pasto na região.

– Ah!... – Lamentou-se o meu pai. – O capim pouco cresceu e nem está cercado...

– Não tem problema! – Falou o Japonês. – Eu forneço o arame, vocês cercam e até lá o capim terá o tamanho ideal. No fim do ano eu pago pelo arrendamento, mas vou descontar o valor do arame!...

Combinaram o valor, mediante abertura de uma passagem de vinte metros quase ao lado das casas para o gado descer a baixada e beber água no riacho, mas isso implicaria no inverso, onde as poucas cabeças de gado de meu avô também poderiam usufruir do novo capim. Mas eram distintamente conhecidas e assim fecharam o negócio!...

Quando o meu avô voltou de viagem, desceu o carreador muito irritado por constatar que seus filhos cortaram o precioso café!... Além do mais, de quem eram aquelas cabeças de gado?... E onde arrumaram dinheiro para cercar?...

Foi um confronto terrível!... Meu pai tentou argumentar, mas meu avô estava possesso de raiva e indignação. Onde já se viu?... Como puderam cortar os pés de café?... Se fosse para criar gado teriam ficado lá em Minas!... E essa situação deixou o meu pai bem aborrecido, pois tinha certeza de que fizera o certo!...

Quase quarenta anos depois, quando lá voltei, era tudo somente fazendas de gado!... O cheiro das flores do café ficou na saudade de quem viveu esse momento mágico.

Após algum tempo, finalmente o japonês pagou pelo arrendamento, até deu uma vaca prenha de presente ao meu pai, pois ele cuidara muito bem do rebanho!... Meu avô recebeu uma boa quantia em dinheiro e também ficou satisfeito!... Depois comprou outras rezes e logo estava com um bom rebanho a fornecer carne e leite. Por fim, arrependeu-se da implicância e falou:

– “Girso”, arrancar aquele café foi a melhor coisa que você fez!...

E tudo isso foi fundamental, pois quando meu pai decidiu casar, meu avô se prontificou a liberar a casa onde nasci, afinal, sua presença e trabalho mostrara-se importante para a família!...

Quanto aos mistérios, ou o meu avô desistiu de receber, ou ele fez outra negociação, pois depois disso, vez ou outra, chegava algum parente de Minas. Inclusive, após casar, meu pai vendeu a sanfona para um primo de Espinosa!...

Como diria Shakespeare: “Tudo bem, quando tudo termina bem”!

---------------------------------------------------------------------------

Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário