quinta-feira, 7 de abril de 2022

16 - BORBOLETAS

16 - BORBOLETAS

Eu sou como uma borboleta, tudo o que eu penso é liberdade. Não quero ser maltratado, nem exportado desse meu chão. (Benito di Paula).

É interessante o fenômeno migratório. Algumas aves passam o verão no hemisfério norte e depois migram para o verão no hemisfério sul e assim sucessivamente a cada seis meses, até findarem o tempo de suas vidas.

As borboletas monarcas do Canadá apresentam singular diferença, porque migram para o México antes do inverno, mas a distância em cruzar a América do Norte é tão grande que apenas uma vida não é suficiente para completar o ciclo, de forma que passam aos filhos a responsabilidade do retorno!... E nem todas cumprem a jornada na direção correta, exatamente por isso, temos borboletas monarcas no Brasil.

Em outro aspecto, um pesquisador americano, o meteorologista Edward Lorenz, fazia uns cálculos dentro da natureza de sua pesquisa e ao fazer uma multiplicação após uma anterior divisão, obteve um resultado totalmente diferente do esperado!... Mas se era fluxo e refluxo, previamente já sabia qual número deveria resultar!...

Conferiu e constatou que deixara de colocar um zero após uma vírgula decimal, num número percentual ínfimo!... Mísero zero, de zero vírgula zero, zero, zero, zero, um!... Foi assim que ele criou a expressão “Efeito Borboleta”!...

Ou seja, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer tem alguma consequência, seja de imediato, seja no futuro ou em algum lugar. Constantemente em nossas vidas vivemos o “Efeito Borboleta” e ficamos a repetir: “Ah!... Se isso, se aquilo”!... 

E também migramos de um lugar para outro em situações inexplicáveis que sequer são completadas em nossa existência!... É comum deixarmos aos filhos a herança virtual de uma realização maior que não completamos e em alguns casos, sequer compreendemos!...

Por exemplo, meu avô mineiro vivia em Espinosa-MG em vida próspera, a considerar a situação geral. Meu avô italiano vivia em Avanhandava-SP e também prosperara, após a longa peregrinação desde a Itália. No entanto, ambos migraram para o Paraná e justamente para a mesma região, o que possibilitou a meu pai conhecer minha mãe e assim eu nasci!... “E se”?...

A visita de meu tio no Natal de 1967 teve um “Efeito Borboleta”. No ano seguinte o irmão mais novo de meu pai deixou de cuidar da plantação de café e foi morar em Alto Paraná, para aprender a profissão de Torneiro Mecânico, mas com a promessa de retornar, pois estava noivo, jurado de amor!...

De fato, retornou, casou e morou na casa onde nasci. Lembro-me dessa situação pois um dia ele atirou de espingarda num rato, dentro de casa, na viga da cumeeira!... Lógico que todos ficaram assustados!... Foram conferir, e as explicações não convenceram. Então ele complementou:

– Mas era uma ratazana enorme!...

Por outro lado, exceto por análise mais criteriosa, não tinha muita lógica aprender uma nova profissão e permanecer no sítio na atribulada rotina nem sempre compensatória, pois as geadas castigavam de período em período e apesar da fartura de alimentos, era extremamente limitado conseguir algum dinheiro para fazer frente a emergente economia consumista. Por isso, ele arrumou um emprego em Sansabel e foi em busca de cumprir seu destino...

Naquele ano de 1968 meu pai também começou a aventurar-se no ramo de carpintaria e pegou a empreita de construir uma casa na entrada do ramal 18, o popular “Barraco”, ao lado de um tradicional boteco de beira de estrada.

Entretanto, mais do que a possibilidade de ganhar algum escasso dinheiro, era a oportunidade ideal de avaliar se conseguiria enquadrar-se na profissão, pois alimentava o secreto desejo de levar sua família para a cidade, mas com esposa e quatro filhos, não poderia simplesmente se aventurar.

Quarenta anos depois eu voltei ao local e a casa de madeira, bem velha, ainda estava lá, por mostra de que a edificação fora bem estruturada!...

O problema é que os demais serviços que se ofertavam eram todos vinculados à lida no campo. E a dúvida permaneceu se conseguiria prosperar na cidade, pois sobreviver já era o que fazia.

Os meses passaram. Eu sarei completamente do horrível corte no joelho e retornei à rotina de levar o almoço ao meu pai. E criança não tem maldade no coração, nem mágoa, nem melindre, sequer inveja, de tal maneira que logo reatei a cumplicidade com os meus tios italianos, tanto que depois fui com eles à escola pela primeira vez!... Aquele Natal foi só mais uma aventura para colocar em uma obra de literatura, sem julgamentos ou premeditações.

Adulto é diferente. Tem disputa pelo poder e conhecimento. Há mágoas pequenas e afiadas. Por exemplo, se o irmão mais novo de meu pai foi embora para a cidade, por que permanecíamos no pequenino ranchinho?...

Seria castigo de meu avô a meu pai por deixar-se levar pelo modernismo e dentro do limitado espaço enfiar um fogão a lenha industrial, uma máquina de costura e até um rádio?...

Efeito Borboleta em cascata de tudo que aconteceu nos anos anteriores!... Cada situação, até mesmo de meu avô ao falar que para qualquer bagual aquele ranchinho servia, fato que muito magoou a meu pai!...

Ou minhas peripécias em aventuras sem maldade e que mais me feriam, mas para adultos, tudo conta, tudo tem importância no reverso dos interesses humanos!...

E assim passou o Natal de 1968. Mais um dia comum na constante lida do campo. Por fim, chegamos ao decisivo dia em que meu pai sentou ao meu lado lá no cafezal, o mesmo dia em que fui trabalhar pela primeira vez com minha novíssima enxada, já que logo iria completar sete anos!...

1968 foi um ano neutro. Não teve motivos para sorrisos. No entanto, quando ele fez o pião do tronco de café e me deu, uma luz iluminou meu rosto num farto sorriso de alegria!...

Ele entendeu que somente fatos novos mudariam aquela rotina!... E se ele não tomasse uma atitude, essa seria a minha herança no implacável ritmo migratório da vida!... Então levantou-se e falou:

– Vamos embora para a cidade!...

Menos de 15 dias depois já estávamos morando em Sansabel! Meu avô ficou extremamente decepcionado e aborrecido, a reclamar e dizer:

– Sabia que ele iria repetir essa afronta!...

Mas minha avó ficou mais ainda, não com o meu pai e sim com o esposo a quem dera quinze filhos ainda vivos, passou da glória da riqueza ao rigor da necessidade, cumpriu uma jornada de mais de três mil quilômetros de onde nascera, ensinou suas filhas a arte de viver e agora, depois de todos os filhos casados e ausentes, iria definhar ao lado de um homem que vivia a reclamar, ora a comida estava salgada, ora a dizer que estava sem sal?...

“Missão cumprida”! Ela pensou. Tomou uma atitude radical e resolveu romper com o casamento!... Venderam o sítio!... E no “Efeito Borboleta”, um irmão de minha mãe conheceu a filha do novo proprietário e logo casaram!...

E pelo mesmo motivo, a irmã de meu pai que também morava no sítio, mudou-se com o marido, primo de minha mãe, para um arrendamento próximo a Sansabel, cujo caminho era por trás do cemitério da cidade. Todavia, posteriormente foram para Guarulhos-SP, onde até hoje vivem as minhas primas!...

Minha avó pegou a metade do dinheiro, colocou numa Conta Poupança e foi morar em Sansabel com sua segunda filha mais velha, pois a primeira, a Brasilina, minha madrinha, há muito tempo tinha vendido o sítio e fixado residência também em Guarulhos-SP.

Já o meu avô, pegou sua parte no dinheiro, sem esquecer a cartucheira e foi morar em Rondônia, com a família da filha mais nova. E um bom tempo depois chegou a morar na casa de meu pai em Naviraí, onde contava muitos casos de caçadas nas matas densas de Rondônia, inclusive, a situação onde escapou de morrer devorado por uma onça graças à boa pontaria!...

Por fim, terminou seus dias com noventa e dois anos, mais de vinte anos depois, na casa de um dos filhos mais velho, aquele que era Carpinteiro, também na cidade de Sansabel, por ironia do destino, cuja casa era de frente onde morava minha avó Jovelina!...

E vez ou outra até tomavam café juntos, na casa de minha tia, pois provavelmente entenderam que tudo o que acontece na vida, riqueza ou pobreza, alegria ou tristeza, amor ou ódio, absolutamente tudo, serve apenas para mexer com nossos sentimentos e pensamentos, dentro do princípio que nada trazemos e nada vamos levar.

Mas muito antes, em janeiro de 1969, lá estava eu, bicho solto na cidade!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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