16 - BORBOLETAS
Eu sou como uma borboleta, tudo o que eu penso
é liberdade. Não quero ser maltratado, nem exportado desse meu chão. (Benito di
Paula).
É interessante o
fenômeno migratório. Algumas aves passam o verão no hemisfério norte e depois
migram para o verão no hemisfério sul e assim sucessivamente a cada seis meses,
até findarem o tempo de suas vidas.
As borboletas monarcas
do Canadá apresentam singular diferença, porque migram para o México antes do
inverno, mas a distância em cruzar a América do Norte é tão grande que apenas
uma vida não é suficiente para completar o ciclo, de forma que passam aos
filhos a responsabilidade do retorno!... E nem todas cumprem a jornada na
direção correta, exatamente por isso, temos borboletas monarcas no Brasil.
Em outro aspecto, um
pesquisador americano, o
meteorologista Edward Lorenz, fazia uns cálculos dentro da natureza de
sua pesquisa e ao fazer uma multiplicação após uma anterior divisão, obteve um
resultado totalmente diferente do esperado!... Mas se era fluxo e refluxo,
previamente já sabia qual número deveria resultar!...
Conferiu e constatou
que deixara de colocar um zero após uma vírgula decimal, num número percentual
ínfimo!... Mísero zero, de zero vírgula zero, zero, zero, zero, um!... Foi
assim que ele criou a expressão “Efeito Borboleta”!...
Ou seja, tudo o que
fazemos ou deixamos de fazer tem alguma consequência, seja de imediato, seja no
futuro ou em algum lugar. Constantemente em nossas vidas vivemos o “Efeito
Borboleta” e ficamos a repetir: “Ah!... Se isso, se aquilo”!...
E também migramos de um
lugar para outro em situações inexplicáveis que sequer são completadas em nossa
existência!... É comum deixarmos aos filhos a herança virtual de uma realização
maior que não completamos e em alguns casos, sequer compreendemos!...
Por exemplo, meu avô mineiro
vivia em Espinosa-MG em vida próspera, a considerar a situação geral. Meu avô italiano
vivia em Avanhandava-SP e também prosperara, após a longa peregrinação desde a
Itália. No entanto, ambos migraram para o Paraná e justamente para a mesma
região, o que possibilitou a meu pai conhecer minha mãe e assim eu nasci!... “E
se”?...
A visita de meu tio no
Natal de 1967 teve um “Efeito Borboleta”. No ano seguinte o irmão mais novo de
meu pai deixou de cuidar da plantação de café e foi morar em Alto Paraná, para
aprender a profissão de Torneiro Mecânico, mas com a promessa de retornar, pois
estava noivo, jurado de amor!...
De fato, retornou, casou e morou na casa onde
nasci. Lembro-me dessa situação pois um dia ele atirou de espingarda num rato,
dentro de casa, na viga da cumeeira!... Lógico que todos ficaram assustados!...
Foram conferir, e as explicações não convenceram. Então ele complementou:
– Mas era uma ratazana
enorme!...
Por outro lado, exceto
por análise mais criteriosa, não tinha muita lógica aprender uma nova profissão
e permanecer no sítio na atribulada rotina nem sempre compensatória, pois as
geadas castigavam de período em período e apesar da fartura de alimentos, era
extremamente limitado conseguir algum dinheiro para fazer frente a emergente
economia consumista. Por isso, ele arrumou um emprego em Sansabel e foi em
busca de cumprir seu destino...
Naquele ano de 1968 meu
pai também começou a aventurar-se no ramo de carpintaria e pegou a empreita de
construir uma casa na entrada do ramal 18, o popular “Barraco”, ao lado de um
tradicional boteco de beira de estrada.
Quarenta anos depois eu
voltei ao local e a casa de madeira, bem velha, ainda estava lá, por mostra de
que a edificação fora bem estruturada!...
O problema é que os
demais serviços que se ofertavam eram todos vinculados à lida no campo. E a
dúvida permaneceu se conseguiria prosperar na cidade, pois sobreviver já era o
que fazia.
Os meses passaram. Eu
sarei completamente do horrível corte no joelho e retornei à rotina de levar o
almoço ao meu pai. E criança não tem maldade no coração, nem mágoa, nem
melindre, sequer inveja, de tal maneira que logo reatei a cumplicidade com os
meus tios italianos, tanto que depois fui com eles à escola pela primeira
vez!... Aquele Natal foi só mais uma aventura para colocar em uma obra de
literatura, sem julgamentos ou premeditações.
Adulto é diferente. Tem
disputa pelo poder e conhecimento. Há mágoas pequenas e afiadas. Por exemplo,
se o irmão mais novo de meu pai foi embora para a cidade, por que permanecíamos
no pequenino ranchinho?...
Seria castigo de meu
avô a meu pai por deixar-se levar pelo modernismo e dentro do limitado espaço
enfiar um fogão a lenha industrial, uma máquina de costura e até um rádio?...
Efeito Borboleta em
cascata de tudo que aconteceu nos anos anteriores!... Cada situação, até mesmo
de meu avô ao falar que para qualquer bagual aquele ranchinho servia, fato que
muito magoou a meu pai!...
Ou minhas peripécias em
aventuras sem maldade e que mais me feriam, mas para adultos, tudo conta, tudo
tem importância no reverso dos interesses humanos!...
E assim passou o Natal
de 1968. Mais um dia comum na constante lida do campo. Por fim, chegamos ao
decisivo dia em que meu pai sentou ao meu lado lá no cafezal, o mesmo dia em
que fui trabalhar pela primeira vez com minha novíssima enxada, já que logo
iria completar sete anos!...
1968 foi um ano neutro.
Não teve motivos para sorrisos. No entanto, quando ele fez o pião do tronco de
café e me deu, uma luz iluminou meu rosto num farto sorriso de alegria!...
Ele entendeu que somente fatos novos mudariam
aquela rotina!... E se ele não tomasse uma atitude, essa seria a minha herança
no implacável ritmo migratório da vida!... Então levantou-se e falou:
– Vamos embora para a
cidade!...
– Sabia que ele iria repetir essa afronta!...
Mas minha avó ficou
mais ainda, não com o meu pai e sim com o esposo a quem dera quinze filhos
ainda vivos, passou da glória da riqueza ao rigor da necessidade, cumpriu uma
jornada de mais de três mil quilômetros de onde nascera, ensinou suas filhas a
arte de viver e agora, depois de todos os filhos casados e ausentes, iria
definhar ao lado de um homem que vivia a reclamar, ora a comida estava salgada,
ora a dizer que estava sem sal?...
“Missão cumprida”! Ela
pensou. Tomou uma atitude radical e resolveu romper com o casamento!...
Venderam o sítio!... E no “Efeito Borboleta”, um irmão de minha mãe conheceu a
filha do novo proprietário e logo casaram!...
E pelo mesmo motivo, a
irmã de meu pai que também morava no sítio, mudou-se com o marido, primo de
minha mãe, para um arrendamento próximo a Sansabel, cujo caminho era por trás
do cemitério da cidade. Todavia, posteriormente foram para Guarulhos-SP, onde
até hoje vivem as minhas primas!...
Minha avó pegou a
metade do dinheiro, colocou numa Conta Poupança e foi morar em Sansabel com sua
segunda filha mais velha, pois a primeira, a Brasilina, minha madrinha, há
muito tempo tinha vendido o sítio e fixado residência também em Guarulhos-SP.
Já o meu avô, pegou sua
parte no dinheiro, sem esquecer a cartucheira e foi morar em Rondônia, com a
família da filha mais nova. E um bom tempo depois chegou a morar na casa de meu
pai em Naviraí, onde contava muitos casos de caçadas nas matas densas de
Rondônia, inclusive, a situação onde escapou de morrer devorado por uma onça
graças à boa pontaria!...
Por fim, terminou seus
dias com noventa e dois anos, mais de vinte anos depois, na casa de um dos
filhos mais velho, aquele que era Carpinteiro, também na cidade de Sansabel,
por ironia do destino, cuja casa era de frente onde morava minha avó Jovelina!...
E vez ou outra até
tomavam café juntos, na casa de minha tia, pois provavelmente entenderam que
tudo o que acontece na vida, riqueza ou pobreza, alegria ou tristeza, amor ou
ódio, absolutamente tudo, serve apenas para mexer com nossos sentimentos e
pensamentos, dentro do princípio que nada trazemos e nada vamos levar.
Mas muito antes, em
janeiro de 1969, lá estava eu, bicho solto na cidade!...
---------------------------------------------------------------------------
Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
Nenhum comentário:
Postar um comentário