22 - PAPAI NOEL
“Eu pensei que todo
mundo fosse filho de Papai Noel...
Já faz tempo que eu pedi, mas o meu Papai Noel
não vem. Com certeza já morreu ou então felicidade, é brinquedo que não tem”!...
(Música: Anoiteceu / Assis Valente).
Menos de três meses
após iniciar como aprendiz, meu pai recebeu proposta para assumir como Torneiro
Mecânico oficial em outra oficina e imediatamente aceitou, pois teria um
significativo aumento no salário!... Se não fosse tão precipitado, saberia que
seria trocar seis por meia dúzia, pois agora teria de pagar aluguel!...
Do lado direito morava
uma professora, cujos filhos gêmeos ficaram meus amigos. Do outro, na casa de
esquina, morava um fazendeiro, cujas terras ficavam na estrada para Icaraíma PR
e também fiz amizade com o filho. Mas a minha galera mesmo morava na casa da
frente, pois dividíamos nossas misérias e dores da vida.
Em dezembro, um pouco antes do Natal, o Papai
Noel estaria na quadra de esportes, ao lado do colégio, para entregar presentes
a todas as crianças!... Todo mundo sabia que eu era um menino muito malvado,
então era até natural que nunca ganhasse nenhum presente de Papai Noel. Ele
tinha a minha ficha. Mas naquela vez bastaria entrar na fila!... Eu estava
muito eufórico!... Além de ganhar um presente, também iria conhecer o Papai
Noel!...
– Há!... Há!... Há!... – Riu o menino a minha
frente na fila. – Você ainda não sabe a verdade?... Papai Noel não existe!...
Quem deixa os presentes na noite de Natal é o seu pai!...
– Claro que eu sei!...
– Respondi nervoso. – Foi só jeito de falar...
Sabia nada!... Sempre
acreditei em Papai Noel e que um dia ele me traria um presente!... E agora
aquele menino acabava tão impiedosamente com o meu sonho!... Senti uma dor no
coração. Mas por outro lado, agora tudo fazia sentido!... Não era a minha
maldade a me desqualificar de receber algum presente, era porque meu pai não
tinha dinheiro para comprar!... Além do mais, quem fazia questão de
presente?...
Eu fazia!... Toda
criança quer receber algum presente, por mais simples seja!... Então fiquei
muito feliz quando o homem gordo vestido de Papai Noel me entregou um carrinho
de plástico!... Voltei para casa todo satisfeito!... E fiz questão de mostrar o
meu novo carrinho a todos os amigos!... Não era feito de lata de óleo vazia!...
Não era um pedaço de viga de madeira com rodinhas pregadas!... Era quase de
verdade!...
E logo o Alfredo, o
vizinho filho de fazendeiro, fez-me uma aparente interessante proposta. Ele
tinha vários brinquedos de plástico e alguns outros carrinhos. Poderíamos
juntar nossos brinquedos!... Seríamos donos por igual e brincaríamos quando
quiséssemos!... Claro que a coleção ficaria na casa dele, afinal, ele entrava
com um número maior. Pois eis que a ambição, a mesma que usei no caso dos
palhacinhos, agora cegava-me o entendimento e concordei!...
E nunca mais vi o meu precioso carrinho!...
Reclamei com minha mãe. Contei toda a história. Mas ela falou:
– Ué!... Mas não foi
você que concordou em entregar o brinquedo a ele?... Como agora eu posso ir lá
reclamar?... O que eu vou dizer?... Não posso fazer nada!...
Lembrei-me do filme de
guerra do cinema. Ah!... Se eu tivesse um revólver!... Então tive a ideia de
fazer um revólver de madeira, mas seria tão caprichado que pareceria de
verdade!... Peguei o serrote e o facão. Passei várias horas a cortar e
arredondar o cano, fiz até a culatra em curva!... Coloquei uma chapinha para
fazer o protetor do gatilho, o qual fiz com um pedaço de prego!... Só faltou
pintar, mas ficou muito bonito!... E depois ainda fiz uma espingarda!...
Até os gêmeos
gostaram!... Tanto que negociamos e eles ficaram com a espingarda e o revólver
e eu fiquei com um carrinho de plástico. Ou seja, se negociar era a prática
correta, então fiz isso e recuperei um carrinho!... O problema é que a professora,
a mãe dos gêmeos, não concordou com a negociação e reclamou com a minha mãe!...
Disse que eu roubara e enganara os gêmeos!...
Foi a pior surra de chinelo que levei de minha mãe!...
Depois de muito apanhar por todo o corpo, de joelhos, mãos postas e entre
lágrimas, ainda escutei ela exigir:
– Fala a verdade ou apanha mais!... Você pegou
o brinquedo?!...
– Juro, mãe!... Eu troquei pelo revólver que eu
fiz!...
– Não minta para mim!... Por que eles iriam
trocar um pedaço de madeira por um brinquedo de plástico?... – E batia-me com o
chinelo nas pernas, braços e costas...
– Mas eu estou falando a verdade... – Consegui
falar, entre soluços e lágrimas.
– Vou lhe ensinar a não
mentir!... – E mais outra sessão de chineladas.
Por fim, acabei por entender
que naquele caso não adiantaria falar a verdade. A única forma de interromper a
sessão de tortura era mentir!... E a dor maior lá na alma foi jurar de mãos
postas, entre lágrimas, que não mais iria mentir!... Aquele paradoxo me quebrou
por dentro!... Mas se não fizesse isso, apanharia mais!...
Depois daquele dia,
nunca mais confiei em minha mãe. Ela não se importava comigo. A opinião dos
outros valia mais!... Então obedecer e me apresentar para apanhar, nunca
mais!... Mas vez ou outra, ela conseguia me encurralar e não tinha como escapar.
Foi assim no dia em que
tentou me bater, mas entrei embaixo das duas camas de casal onde todos os
filhos dormiam!... Ela pegou a vassoura e bateu por baixo, mas não me atingiu,
mal fez cócegas, mesmo assim, eu fingi chorar e prometi fazer o que ela queria!...
Se essa era a regra do jogo, então eu iria jogar!...
Alguns dias depois, o Alfredo, o filho do fazendeiro,
estava em nosso quintal a brincar de índio e caubói do velho oeste. Lógico que
eu era o índio, pois ele tinha os revólveres de plástico, quase perfeitos, até
com capinha e cinturão!... Para ser índio, bastava um cabo de vassoura com uma
ponta. Então eu fingi atirar a tal lança improvisada e falei:
– Matei!... Matei!...
– Matou nada!... Estou aqui
bem vivo!...
O sangue subiu. Matei de brincadeira. Se não
sabe brincar, por que me chama para brincar?... Eu ainda não tinha engolindo a
história da coleção de carrinhos, pois ele me enganou e por ser filho de gente
rica, nada aconteceu!... Muito injusto isso!... Então falei:
– Matei sim!...
E mandei a lança na
direção dele!... Pegou bem no rosto, ao lado do nariz, acima da boca!... Sangrou
um tanto!... Imediatamente minha mãe socorreu o menino e o levou para a casa vizinha.
A situação foi tão grave que ela alegou ter sido um acidente na brincadeira de
crianças!...
E estranhamente, não
apanhei. Nada aconteceu. Achei que ela não bateu de imediato porque iria
repassar o caso para o meu pai resolver. Mas ele chegou e ela não falou nada. E
até hoje fiquei sem entender!... Quanto ao Alfredo, acabou a amizade. Até
lacraram o portão de acesso entre as casas. E perdi de vez o presente de Papai
Noel.
Na verdade, a situação
familiar estava tão crítica que talvez minha mãe nem quis incomodar o meu pai com
mais esse problema. O salário que parecia muito, não dava para pagar as
despesas da casa e o aluguel. Viajar, nem pensar!... Nada de diversão, nada de
recreação. A vida na cidade era muito diferente da vida no sítio!... Só
trabalho, nada de pescarias ou caçadas!...
No fim, a saudade de
comer peixe atingiu tamanha vontade que o meu pai simplesmente trocou a cartucheira
vermelha por dois míseros peixes!... Claro que o pescador, lá das beiras do rio
Paraná, prometeu que iria trazer outros exemplares, mas nunca mais voltou e a cartucheira
vermelha foi embora. Mas afinal, naquela vida de cidade, não servia para nada
mesmo!... Ao menos foi o que ele disse.
Quanto aos gêmeos, a
Professora foi transferida para Sansabel e no fim, meus amigos permaneceram
apenas o Luizinho e o Cacá, aquele que ficou pelado em frente de casa e
amarrado a noite inteira, por castigo de seu pai, sem que ninguém fizesse nada,
nem mesmo a Diretora do colégio, a qual morava na casa ao lado.
Depois descobrimos que
aquela borracha redonda, usada por farmacêuticos para amarrar no braço antes de
aplicar a injeção, era o material ideal!... E a meninada juntava dinheiro para
subornar algum funcionário das farmácias e conseguir o precioso material!...
Até saíamos de casa em casa a pedir garrafas de vidro vazias para vender, para
ganhar algum dinheiro e confeccionar o mais poderoso dos estingues!...
E foi assim que troquei
um estilingue por uma faca, o que me custou trinta dias de suspensão na escola!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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