20 - ENTRELINHAS
Esta é a vigésima narrativa
e em relação ao relatado na décima, quanto a advertência de minha avó mineira
ao determinar a minha mãe me corrigir mediante castigo, pois a tal advertência passou
a ser seguida à risca. Não com excesso de violência ou exagero, mas o dia em
que eu não lavava um beliscão, um puxão de orelha, um tapa, uma chinelada, no
mínimo uma forte advertência verbal, eu até ficava desconfiado!... Seria esse o
fatal dia em que o acúmulo levaria meu pai a me bater?...
E nem sempre a criança
consegue entender tudo o que está acontecendo ao seu redor. No geral, vive um
dia de cada vez!... “Carpe Diem”!... Mas no mundo dos adultos os acontecimentos
se acumulam e tudo soma, pouco diminui, exceto na velhice ou eminência de
morte...
Por exemplo, são apenas
duas as lembranças de minha presença no sítio do avô italiano entre o fatídico
natal de 1967 e aquele final de 1970 quando iríamos de mudança para Monte
Castelo!... Até acho muito provável a ocorrência de outras visitas, mas no
geral, guardamos na memória os extremos entre dias felizes ou cenários muito
tristes.
É por isso o relato da
malograda experiência com a filha da vizinha, – aliás, apesar de menor em
tamanho, ela era mais velha, – entre muitas outras coisas que aconteceram,
acabou por ensejar um registro e até depreciativo para o meu lado, mas precisei
fazê-lo, pois teve consequências futuras!...
E uma delas aconteceu em
uma das poucas visitas que fizemos ao sítio, antes da mudança para a cidade
vizinha, pois essa desastrosa aventura foi alvo de referência junto aos meus tios,
em um campinho de futebol acima da estrada no sítio vizinho, quando conversavam
sobre quem teria ficado com alguma garota e relatei o ocorrido, expondo-me ao
ridículo por não entender o sentido da conversa!... E riram muito de minha
inocência!...
Neste intervalo de três
anos, o filho mais velho de meu avô “Coisão” casou com uma das filhas do dono
do sítio onde existia o engenho de cana, o vizinho de meu avô mineiro, o qual
fora embora para Rondônia!...
Fizeram uma terceira
casa no sítio de meu avô italiano, quase em frente ao terreirão de secar café.
E finalmente nasceu o segundo neto na família!... Fazia tempo que eu estava sem
prestígio e esse novo neto naturalmente ocupou o espaço vazio, pois era herança
direta de italianos!... Coisa sem importância. Mas para criança, o que conta
são os momentos afetivos, ainda mais no meu caso, pois eu me sentia esquecido
do mundo!...
E nisso entra a outra
lembrança, imagino que tenha sido nas férias letivas de 1969 quando eu fiquei
alguns dias no sítio. No geral eu era bem livre, exceto na cozinha de minha avó,
onde ela fazia questão de esconder todas as facas. E no afã de chamar atenção,
peguei uma faca que ficara esquecida sobre a mesa da cozinha e falei que iria
me matar!...
Foi uma confusão terrível!...
Alguns tios queriam correr atrás, mas e se eu caísse sobre a faca?... Então fui
para o terreirão de café e fiquei lá com a faca na mão, a fingir palitar os
dentes!... Meu avô “Coisão” pegou o chicote e falou que iria me bater no lombo
até esfolar se não entregasse imediatamente a faca!... E falando assim, com
jeitinho e educação, claro que entreguei!...
Entretanto, em quase
três anos, apenas duas visitas?!... E por que nunca presenciei nenhuma visita
de meus tios ou avós nas casas onde moramos?... E naquela época já não usavam
as carroças, pois existia uma linha de ônibus que passava pela estrada do
“Barraco” até perto do rio Ivaí e voltava para a cidade pelo estradão lá na
cabeceira dos sítios!...
Até lembro-me de
caminhar algumas vezes com o meu avô “Coisão” pelos bares e lojas, enquanto não
chegava o horário do ônibus, mas nunca em nossa casa!... Seria implicância de
meu pai por causa das conversas desde a história do bananal?...
Igualmente nesse
período, ao menos por duas vezes, fui levado a uma benzedeira ao lado do
Estádio Municipal de Futebol. Porém, a atmosfera não era límpida qual lá no
“Barraco”. Até desconfio que durante à noite era um terreiro de Candomblé, mas
de dia, a velha senhora gentilmente fazia suas rezas.
Voltando no tempo,
quando meu pai resolveu se mudar para a cidade no final de 1968, dentro do
Efeito Borboleta, pouco tempo depois um dos tios, casado com uma irmã de minha
mãe, também resolveu voltar para Cambira, depois Jandaia, em seguida Maringá,
até fixar-se em Sarandi, onde montou uma Bicicletaria e viveu por muitos
anos!...
Ao somar tudo isso, até
as minhas peripécias, agora meu pai levaria minha mãe e os filhos para uma
outra cidade e qual a opinião de minha mãe?... Estaria feliz porque o marido
iria aprender uma nova profissão ou a sofrer com a provável ausência de seus
familiares?...
Enfim, criança não sabe
e nem entende de nada. Mas ao ligar os pontos das entrelinhas, não fica difícil
decifrar que nem tudo era uma maravilha de família feliz!... Brigas e atritos
rolavam, quais pedras na correnteza!...
E após fixar-se na nova
minúscula e horrível casa em Monte Castelo, duas quadras abaixo do cinema, a
soma de todos esses detalhes explicava por que meu pai aceitara voltar a
frequentar a Igreja!... Certamente teve uma negociação entre meu pai e minha mãe!...
E de noite, após a Missa,
voltávamos todos para casa. Os cinco filhos atrás em linha indiana e meu pai e
minha mãe à frente, a discutirem por ciúmes, pois ela alegava que ele olhou
para outra mulher durante a Missa!... Meu pai nervoso e indignado com a
situação, pois agora teria de deixar os olhos em casa para ir à igreja?... Ou
teria de fechar os olhos quando uma mulher passasse à sua frente?... “Claro que
não”!... Falava minha mãe: “Basta não devorar com os olhos”!...
Foi quando aconteceu a
mágica!... Ao lado do cinema tinha um bar. Acima da prateleira de bebidas
colocaram uma caixa com um vidro na frente com um monte de pessoas pequenas
dentro a conversarem!... Fiquei boquiaberto com aquela situação!... Como
poderia acontecer isso?... Lembrei-me do gibi e a história da viagem à
Júpiter!... Seriam seres de outro planeta?... E por que estavam ali aprisionados?...
Enfim, meses depois descobri que aquela “caixa mágica” era uma nova
revolucionária tecnologia e recebera o nome de
Finalmente lembrei-me
da obrigação em cuidar dos irmãos!... Mas eles foram em frente atrás de meus pais,
isso há cinco eternos minutos!... Apavorado passei em frente ao cinema, o qual
eu nem imaginava o que seria, virei à esquina do terreno vazio onde estava
instalado o alto-falante e rapidamente percorri as duas quadras até a “minha”
nova casa!...
Não é difícil imaginar
qual a intensidade da briga nesse intervalo!... Posso afirmar que pelo
nervosismo de ambos, a situação foi feia!... Nem exige muito raciocínio
decifrar as entrelinhas, com acusações mútuas, inclusive, as muitas vezes em
que meu pai viajou a serviço lá para o Mato Grosso e por semanas, até meses,
minha mãe teve de sozinha cuidar dos cinco filhos e ainda aturar as minhas
peripécias!...
– Se ao menos tivesse nascido uma menina,
poderia ajudar nas tarefas, mas não!... Nasceu essa coisa inútil que só dá
trabalho!... E sabe-se lá agora onde está!... São quase dez quarteirões após a
Igreja!... Certamente ficou a brincar na praça!... Acha que eu não tenho
sentimentos?... Você viajava lá para o Mato Grosso, talvez a se divertir com
alguma índia e eu ficava em casa, a suportar situações até piores e sozinha!...
Acha que criar filhos é só colocar alimentos à mesa?... Eu sempre fico com a
pior parte, de educar e disciplinar!... E você, o que faz?!... Fica a olhar
para outra mulher dentro da Igreja!...
– Eu estou aqui!... –
Falei, após entrar pela porta dos fundos.
Cheguei no pior
momento. A represa estourou. Nem tive tempo de explicar. Meu pai me deu a pior
surra que levei em toda a minha vida!... Apanhei tanto que fiquei uns três dias
de cama, mal conseguia andar!... Ainda bem que nem frequentava alguma escola,
pois com a mudança repentina, não deu para matricular. O corpo se recupera, mas
tem coisas que atinge a alma. Só quem passou pode avaliar o tamanho da dor!...
E pelo jeito, a dor
atinge também quem bate, pois depois disso meu pai demorou décadas para
adentrar em outra Igreja. Idem a minha mãe, mas virou evangélica nos últimos
anos de sua vida.
Nos dias seguintes, depois de quase derreter o
meu cérebro tentando entender onde foi que eu errei, finalmente compreendi:
– Caramba!... A mãe da
vizinha descobriu tudo e arquitetou o plano de vingança!... Por isso nem ligou
quando os filhos estavam supostamente a brigar no quintal!... Mais ainda!...
Contou tudo à minha mãe!...
Eu sofria as
consequências, como se a tijolada não tivesse bastado!... Aqui se faz, aqui se
paga!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se quiser,
por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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