04 - A VIAGEM
“Quem vai chorar? Quem
vai sorrir? Quem vai ficar? Quem vai partir? Pois o trem está chegando, está
chegando à estação. É o trem das sete horas, é o último do sertão”! – (Raul
Seixas).
Finalmente o trem
chegou!... Ninguém chorou. Mas a maioria continuava a sorrir. Contudo, embarquei
sozinho e na longa viagem de minha vida, na sina de menino esquecido, fui
acumulando memórias, tanto as boas, quais pequenas flores a acalentar a
esperança, quanto as ruins, pois me ensinaram a desviar-se de certas pedras do
caminho!...
Embarquei!... Os demais
ficaram na estação e logo seguiram seus destinos. Cada um na eterna rotina de casar,
ter filhos, envelhecer e até esquecer-se de pequenas alegrias como se nunca
aconteceram!... Ou em caso pior, fazerem ameaças caso vejam o prenome em alguma
dessas narrativas.
Estou em Campo Grande MS
há quase trinta anos, mas sei que existe outro “José Nunes Pereira Sobrinho” em Londrina PR, outro em Bertioga SP, idem
no interior de São Paulo, no Rio de Janeiro RJ e vários no Nordeste do Brasil.
Ou seja, sequer sou dono de meu nome completo, menos ainda do prenome José!...
Mas em consideração a
de quem se sinta dono de prenomes, os poucos citados em todas as minhas
narrativas são fictícios. Achei por bem também evitar alguns prenomes de falecidos,
caso não sejam essenciais, pois e se resolverem “voltar” para questionarem?!...
Aliás, o nome foi a minha primeira aventura.
Incomodado em ser chamado de “Zé”, questionei:
– Mãe, com tantos nomes no mundo, por que
escolheram José?...
– Não escolhemos. – Ela explicou. – Na verdade,
seu pai escolheu “Valtamir”. Mas depois de oito dias de sofrimento na tentativa
de parto, com cólicas e contrações infindáveis, até a parteira, dona Rosita, lá
da baixada do riacho, ficou desanimada....
– Sua avó Jovelina, – Prosseguiu minha mãe. –
também não sabia o que fazer para manter a esperança em nascer vivo. E lá no sítio
de seu avô Eurico eu não tinha mais condições de percorrer os vinte quilômetros
de carroça naquela estradinha cheia de buracos e lama até o hospital em
Sansabel...
– Felizmente minha mãe, sua avó Marcelina, veio
nos visitar e contou que sonhara que seu nome era José e que só iria nascer se
colocássemos esse nome!...
– Então seria Valtamir?...
Ah!... – Exclamei conformado. – José é um nome bonito!... É até bíblico!...
Antes de seguirmos para
a estação, o meu pai foi taxativo: Eu deveria embarcar e imediatamente sentar!
Não sair do lugar de forma alguma!... O meu tio iria embarcar em Maringá após
acomodar a bicicleta e depois de passar a estação de Sarandi ele percorreria os
vagões até me encontrar. Era um plano infalível!...
Escureceu. O trem não
era rápido. Mesmo assim, logo depois consegui identificar o letreiro da Estação
de Marialva e nada de meu tio aparecer!... Achei que ele estivesse a brincar
com a minha situação. Sinceramente, não tinha a menor graça!... Por que adulto
acha que criança não entende nada ou não tenha sentimentos e pode sofrer qualquer
tipo de brincadeira?...
Mas se era um teste de
paciência, então paciência. Fiquei a recordar a infância. Lembrei-me do sítio e
dos cabritinhos! E da espanhola a me carregar nos braços e estimo depois a
delicadamente lavar os cortes. Achei que meu pai me “mataria” por ter quebrado
todos os pratos e xícaras do armário!... Mas ele estava tão obcecado com a
história do homem do bananal que nem ligou!...
Era essa a calma que eu
queria, enquanto o trem seguia em frente!... Mas ao contrário, na escuridão mal
dava para ver as poucas moradias em sítios na beira dos trilhos e nada de meu tio!...
Passamos a Estação de Mandaguari e foi um sufoco conseguir ler a identificação.
Até tive de desobedecer e mudar para o lado direito, pois as estações estavam
sempre à direita, exceto a de Sarandi!
O desespero maior era
pela incerteza quanto ao nome da estação em que deveria desembarcar, caso o meu
tio não aparecesse, ainda mais quando me lembrei de conversas sobre uma
sociedade numa fábrica de muros pré-moldados na cidade de Jandaia do Sul!...
Já passara das vinte
horas e a aflição era tamanha que todas as memórias sumiram! Minha vida estava
restrita ao rigor daquele momento dentro do trem!... Tudo se resumia a dúvida
cruel: Deveria descer na próxima estação?...
Pouco depois o trem
parou em Jandaia do Sul e eu ainda sem saber o que fazer!... Olhei pela janela
e não vi o meu tio. Talvez não seria ali, pois se fosse, certamente ele teria
desembarcado. Desço ou não desço?... E se não for Jandaia?... Cheguei a
levantar, mas quem primeiro saiu foi o trem!... Então fiquei numa agonia pior a
que enfrentara quando acertei o Corcel vermelho, lá em Sansabel!...
Seria Cambira?...
Cambé?... Cambará?... A meu ver, os nomes eram tão similares, ainda mais sob o
tormento da ansiedade!... Por outro lado, a única certeza era que quanto mais
eu seguisse, mais longe estaria de Sarandi!... E isso foi fundamental em minha
decisão de descer na próxima estação!...
Quando o trem parou, a
curta estação estava bem mais à frente de meu vagão. Não pensei duas vezes.
Pulei sobre as pedras ao lado do trilho. O trem deu partida e fiquei na
expectativa de ver o meu tio, pois talvez ele não pudesse sair do lado da
bicicleta e estava contando que eu fosse esperto o suficiente para descer na estação
correta. Mas estava tudo vazio. Ninguém!... Nenhuma outra alma viva!...
E agora?... O que
fazer?... Caminhei em direção à estação e lá estava o letreiro: Cambira!... Do
lado esquerdo a fraca iluminação permitia ver apenas a ribanceira e plantações
de café, então era evidente que deveria subir à direita, onde estavam as casas
da cidade!... E após duas ruas encontrei dois rapazes. Pedi ajuda. Expliquei
que deveria chegar à casa de uma tia, cujo nome correto eu não lembrava, pois
sempre falei o apelido usado em família, mas lembrei-me que ela costurava
roupas!...
Eles me levaram à casa de uma Costureira, não
muito longe. Batemos palmas. Logo saiu uma gentil senhora e decepcionado com o
primeiro fracasso, expliquei a situação. Infelizmente ela não conhecia aquele
apelido familiar. Senti um desespero!... E se eu estava na cidade errada?... Seria
por isso que meu tio não estava na estação?!...
– Qual o nome de seu tio?... Perguntou a
mulher.
– É Ciclano!... Falei cheio de esperança.
– Também não conheço. – Ela lamentou e questionou:
– Qual o sobrenome?...
Poxa vida! Como não pensei isso antes?!... É
lógico que as famílias são mais conhecidas do que nomes individuais! De fato, foi
só falar o sobrenome e tudo clareou!...
– Ah! Conheço sim! –
Falou a Costureira. – Basta seguir essa rua até passar o campo de futebol. Eles
moram na terceira casa!...
Agradeci e fui feliz da
vida!... Não estava perdido! Aquela era a cidade correta!... Entretanto, logo
descobri que não era a casa de minha tia.... Mas sabiam o endereço exato!
Conheciam até o apelido! Indicaram o endereço e quase dez horas da noite eu
bati palmas na frente da casa de minha tia!...
Ela acordou desconfiada, abriu a porta e exclamou
assustada:
– Zezinho?!... É você?... Cadê a Nizita?...
– Oi tia! – Falei eufórico. E rapidamente
contei a minha recém-aventura.
– Está com fome? – Ela perguntou ainda
incrédula.
– Entra!...
Rapidamente ela
esquentou arroz, feijão e carne com batatas! Foi uma das melhores refeições de
minha vida! E antes de terminar, irrompeu porta adentro o meu tio e logo depois
o meu pai! Eles vieram de ônibus!...
Somente então fiquei
sabendo que a estação em Maringá não aceitara embarcar a bicicleta, pois
deveria estar encaixotada!... E meu tio pedalou de volta os dez quilômetros até
Sarandi na esperança de chegar a tempo, isso com o intenso trânsito na
rodovia!... Infelizmente não foi possível e eu já tinha embarcado!... Ah!...
Que falta fazia um celular!...
Depois desse dia eu me
senti emancipado e pronto para a nova vida no então Mato Grosso! Porém, antes
foram inúmeras as aventuras, por exemplo, o código secreto com minha mãe, mas
tão secreto que nem ela sabia!... E segundo esse código, toda vez que minha mãe
me proibisse enfaticamente de fazer alguma coisa, era para fazer o inverso!...
Foi assim que cai
dentro do tacho de gordura quente...
---------------------------------------------------------------------------
Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN: 978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
Nenhum comentário:
Postar um comentário