05 - O FACÃO
Miséria é miséria em
qualquer canto, riquezas são diferentes. Índios, mulatos, pretos ou brancos,
miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes. (Titãs).
Quando meu pai resolveu
deixar a fartura do sítio e se aventurar com a esposa e filhos na desconhecida
vida da cidade, não foi assim tão surpreendente, pois todos os filhos mais velhos
do “Padinho” – forma carinhosa qual chamávamos o meu avô Eurico – tinham alçado
esse mesmo voo em direção ao que eles estimavam ser a liberdade daquela vida
atribulada, sem perspectivas.
A tataravó de minha avó
saiu de Minas Gerais e foi para o Rio de Janeiro, isso lá pelos anos de 1780.
Naquela época, por aqueles lados, cidade grande era Salvador, na Bahia, a
capital do Brasil, ou então Vila Rica, sede da governança de Minas Gerais. Ela
também tinha na veia o espírito aventureiro, além da habilidade como Costureira
e assim chegou à futura capital do país.
E quase ao final da
década, notou a grande quantidade de “mineiros” que fluíam para aquele próspero
Porto de São Sebastião do Rio de Janeiro e sua grande enseada, pois era o caminho
mais seguro e rápido, tanto para chegar à capital Salvador, quando para levar
os metais preciosos para Portugal.
Perspicaz e boa
cozinheira, ela mudou de atividade e fundou o talvez primeiro restaurante
mineiro em terras cariocas: O “Restaurante Mineiro da Perpétua”! Logo fez um
grande sucesso, tanto que o Governador de Minas, o Visconde Luizinho, quando
deixava Vila Rica a negócios com destino ao porto do Rio de Janeiro, fazia
questão de saborear sua culinária.
Infelizmente não foi
apenas da comida que ele gostou... Enamorou-se perdidamente por Perpétua e a
fez sua amante, coisa normal naquela época onde os homens ditavam os costumes
morais e sociais, relegando às mulheres cozinhar e procriar. Sentimentos?...
Como assim?... Quem ligava!
Mas quis o destino que
pouco tempo depois chegasse à cidade o Quinzinho, após pedir baixa do posto de
Alferes na cavalaria imperial. Esse sim era um legítimo brasileiro, trabalhador
sofrido, desde quando ficara órfão aos onze anos e teve de aprender com o tio a
hábil atividade de Dentista, depois Minerador, Tropeiro, Comerciante, até Farmacêutico
medicinal de ervas, por fim Militar, já que conhecia tão bem os minérios
preciosos e caminhos da região.
Era solteiro. Na
verdade, viveu muitos anos com a Mariazinha, em Vila Rica, com quem teve
filhos, mas sem chegarem a casar. Por fim, após influência de líderes religiosos,
militares de elevada hierarquia e ricos fazendeiros, dizem que até a maçonaria,
rebelou-se contra a massacrante cobrança de impostos destinados a reerguer a cidade
de Lisboa em Portugal, recém-destruída por um terremoto. Mariazinha temeu pelos
filhos e isso provocou o rompimento da união conjugal. Ela ficou com a casa, documento
passado em Cartório e nos anais do Brasil. Quinzinho foi para o Rio de Janeiro.
Ah!... A saudade da
comida mineira!... Foi isso que provocou o encontro de Quinzinho e Perpétua! E
foi amor à primeira vista! Embriagaram-se de felicidade por quase dois anos e
fizeram eternas juras de amor!... Planos de retornarem lá pelos lados do sertão
da Bahia, onde ninguém iria reconhecê-los e construiriam uma moradia de sol e
luz, onde caberia uma imensa família feliz!...
Mas o fazendeiro Silverinha,
muito conhecido de Quinzinho, tanto da época em que ambos foram garimpeiros,
quanto de atividades militares onde era Major, pois o Silverinha diante de
suborno em perdão de dívidas, delatou ao Governador Luizinho todo o insurgente
grupo mineiro, quais traidores da Coroa Portuguesa, ainda mais com as recentes
notícias da nova República dos Estados Unidos da América!
Luizinho já sabia que
Perpétua fizera a repugnante afronta de trocá-lo pelo Quinzinho e imediatamente
ordenou a prisão de todos os que estavam em Vila Rica!... Tal notícia logo se
espalhou e Quinzinho tentou obter informações e ajuda justamente de Silverinha,
o qual engendrou a dupla traição e Quinzinho foi preso no Rio!...
Posteriormente, todos
os rebeldes foram julgados e a maioria condenados à morte!... Todavia, os padres,
os militares, os ricos e poderosos receberam o perdão da Rainha de Portugal,
desde que deixassem o Brasil. E por influente vontade do agora Conde Luizinho,
somente Quinzinho permaneceu condenado à morte, por ter falado a verdade, por
ser brasileiro, pobre, humilde, pouco estudo, mas talvez ousar ser feliz com a
Perpétua!...
Ele foi enforcado,
degolado, esquartejado e as partes deixadas na estrada entre o Rio e Vila Rica
para que todos vissem o que acontece com quem tenta se rebelar contra o poder
do Rei!...
Na mesma tarde da
execução, Perpétua esteve na macabra praça e encontrou o lenço que dera a
Quinzinho, onde bordara as iniciais: JJSX. Não fora apenas a morte da
liberdade, fora um atentado ao amor!...
No dia seguinte
Perpétua deixou o Rio de Janeiro e foi em busca dos raios de sol, lá no sertão
de Minas Gerais, divisa com a Bahia, onde teve filhos e filhas. E por tradição
mineira, os filhos receberam o sobrenome do pai, as filhas receberam o
sobrenome da mãe e assim sucessivamente de geração em geração. Quem duvidar
basta pesquisar na internet por “Perpétua Mineira”!
Entretanto, há outra
versão, segundo a qual a maçonaria muito trabalhou nas engrenagens do poder, ao
ponto de convencer a Rainha do suposto mal-entendido, pois a queixa não era
contra Portugal e sim quanto a intensidade na cobrança de impostos.
E nisso criou-se um impasse,
pois o Conde Luizinho de Barbacena, Vice-Rei, ficaria desmoralizado caso a
Rainha perdoasse a afronta feita por Quinzinho, como se Perpétua fosse sua
propriedade.
Mas a maçonaria
encontrou uma solução!... Convenceram um ladrão condenado à morte a substituir
Quinzinho na execução, mediante juramento de que seus filhos receberiam o amparo
vitalício e assim foi feito!...
No dia seguinte,
Quinzinho e Perpétua embarcaram para Portugal, onde cumpriram o exílio de dez
anos, depois voltaram ao Brasil e tiveram muitos filhos!...
Por um caminho ou por
outro, a tradição se cumpriu e assim nasceu a minha avó, Jovelina Perpétua da
Silva, a qual casou-se com Eurico Nunes Pereira, herdeiro de muitas terras lá
em Espinosa-MG e sul da Bahia, filho único além de uma irmã. Minha avó teve 16
filhos, uma partiu cedo demais, mas os demais, filhos e filhas, cresceram e
constituíram famílias, espalhadas por este imenso Brasil!
E a “Madinha”, qual a
chamávamos, mesmo sem Crisma ou Batismo para legitimar a primazia, mulher firme
e guerreira a honrar o sobrenome de Perpétua, muito lamentou ao saber que meu
pai iria abandonar o único sítio que sobrara no sertão do Paraná de todas as
riquezas de Minas!...
Ele pretendia colocar a
família numa carroça e com os poucos bens, mas muita esperança e confiança em
Deus de dias melhores, simplesmente se aventurar na cidade!...
Lá em Minas, ela
encomendara a um conhecido e hábil Ferreiro que fizesse um facão de uma mola de
caminhão. Ele esquentou e bateu naquela mola até afiná-la, depois a deixou no
prumo, por fim, fez a têmpera e o corte afiado!
Meu pai recebeu de bom
grado o significativo presente e foi para a cidade, malgrado a contrariedade de
meu avô, pois agora sobrara apenas um genro para cumprir as atividades exigidas
no sítio.
Não foi ingratidão de
meu pai. E nisso tive alguma participação, pois quando estava prestes a
completar sete anos, ao invés de um presente ou a promessa de frequentar a escola,
recebi de presente uma pequena enxada, para também capinar na roça!... E no dia
seguinte, subi com o meu pai para o cafezal para cumprir a triste sina.
Nos dois anos anteriores
meu serviço tinha sido todo dia levar o almoço para o meu pai lá no morro do
cafezal. Mas naquele dia tivemos de levar nossas marmitas logo ao amanhecer.
Na hora do almoço,
sentamos embaixo de um pé de café e eu estava numa tristeza de dar dó. Nem
queria comer, ainda mais que a comida estava bem fria. Meu pai pegou uma faca e
começou a cortar um tronco de café. Foi lapidando até formar um pião e me deu
de presente! Finalmente despertou-me um sorriso!...
Imagino que isso mexeu
com sua coragem e perspectivas, pois naquele dia ele resolveu se mudar para
Sansabel e assim ganhou de presente o facão, o qual depois eu ganhei e guardo
com muito carinho, qual relíquia de minha avó Perpétua!...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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