quinta-feira, 7 de abril de 2022

05 - O FACÃO

05 - O FACÃO

Miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes. Índios, mulatos, pretos ou brancos, miséria é miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes. (Titãs).

Quando meu pai resolveu deixar a fartura do sítio e se aventurar com a esposa e filhos na desconhecida vida da cidade, não foi assim tão surpreendente, pois todos os filhos mais velhos do “Padinho” – forma carinhosa qual chamávamos o meu avô Eurico – tinham alçado esse mesmo voo em direção ao que eles estimavam ser a liberdade daquela vida atribulada, sem perspectivas.

A tataravó de minha avó saiu de Minas Gerais e foi para o Rio de Janeiro, isso lá pelos anos de 1780. Naquela época, por aqueles lados, cidade grande era Salvador, na Bahia, a capital do Brasil, ou então Vila Rica, sede da governança de Minas Gerais. Ela também tinha na veia o espírito aventureiro, além da habilidade como Costureira e assim chegou à futura capital do país.

E quase ao final da década, notou a grande quantidade de “mineiros” que fluíam para aquele próspero Porto de São Sebastião do Rio de Janeiro e sua grande enseada, pois era o caminho mais seguro e rápido, tanto para chegar à capital Salvador, quando para levar os metais preciosos para Portugal.

Perspicaz e boa cozinheira, ela mudou de atividade e fundou o talvez primeiro restaurante mineiro em terras cariocas: O “Restaurante Mineiro da Perpétua”! Logo fez um grande sucesso, tanto que o Governador de Minas, o Visconde Luizinho, quando deixava Vila Rica a negócios com destino ao porto do Rio de Janeiro, fazia questão de saborear sua culinária.

Infelizmente não foi apenas da comida que ele gostou... Enamorou-se perdidamente por Perpétua e a fez sua amante, coisa normal naquela época onde os homens ditavam os costumes morais e sociais, relegando às mulheres cozinhar e procriar. Sentimentos?... Como assim?... Quem ligava!

Mas quis o destino que pouco tempo depois chegasse à cidade o Quinzinho, após pedir baixa do posto de Alferes na cavalaria imperial. Esse sim era um legítimo brasileiro, trabalhador sofrido, desde quando ficara órfão aos onze anos e teve de aprender com o tio a hábil atividade de Dentista, depois Minerador, Tropeiro, Comerciante, até Farmacêutico medicinal de ervas, por fim Militar, já que conhecia tão bem os minérios preciosos e caminhos da região.

Era solteiro. Na verdade, viveu muitos anos com a Mariazinha, em Vila Rica, com quem teve filhos, mas sem chegarem a casar. Por fim, após influência de líderes religiosos, militares de elevada hierarquia e ricos fazendeiros, dizem que até a maçonaria, rebelou-se contra a massacrante cobrança de impostos destinados a reerguer a cidade de Lisboa em Portugal, recém-destruída por um terremoto. Mariazinha temeu pelos filhos e isso provocou o rompimento da união conjugal. Ela ficou com a casa, documento passado em Cartório e nos anais do Brasil. Quinzinho foi para o Rio de Janeiro.

Ah!... A saudade da comida mineira!... Foi isso que provocou o encontro de Quinzinho e Perpétua! E foi amor à primeira vista! Embriagaram-se de felicidade por quase dois anos e fizeram eternas juras de amor!... Planos de retornarem lá pelos lados do sertão da Bahia, onde ninguém iria reconhecê-los e construiriam uma moradia de sol e luz, onde caberia uma imensa família feliz!...

Mas o fazendeiro Silverinha, muito conhecido de Quinzinho, tanto da época em que ambos foram garimpeiros, quanto de atividades militares onde era Major, pois o Silverinha diante de suborno em perdão de dívidas, delatou ao Governador Luizinho todo o insurgente grupo mineiro, quais traidores da Coroa Portuguesa, ainda mais com as recentes notícias da nova República dos Estados Unidos da América!

Luizinho já sabia que Perpétua fizera a repugnante afronta de trocá-lo pelo Quinzinho e imediatamente ordenou a prisão de todos os que estavam em Vila Rica!... Tal notícia logo se espalhou e Quinzinho tentou obter informações e ajuda justamente de Silverinha, o qual engendrou a dupla traição e Quinzinho foi preso no Rio!...

Posteriormente, todos os rebeldes foram julgados e a maioria condenados à morte!... Todavia, os padres, os militares, os ricos e poderosos receberam o perdão da Rainha de Portugal, desde que deixassem o Brasil. E por influente vontade do agora Conde Luizinho, somente Quinzinho permaneceu condenado à morte, por ter falado a verdade, por ser brasileiro, pobre, humilde, pouco estudo, mas talvez ousar ser feliz com a Perpétua!...

Ele foi enforcado, degolado, esquartejado e as partes deixadas na estrada entre o Rio e Vila Rica para que todos vissem o que acontece com quem tenta se rebelar contra o poder do Rei!...

Na mesma tarde da execução, Perpétua esteve na macabra praça e encontrou o lenço que dera a Quinzinho, onde bordara as iniciais: JJSX. Não fora apenas a morte da liberdade, fora um atentado ao amor!...

No dia seguinte Perpétua deixou o Rio de Janeiro e foi em busca dos raios de sol, lá no sertão de Minas Gerais, divisa com a Bahia, onde teve filhos e filhas. E por tradição mineira, os filhos receberam o sobrenome do pai, as filhas receberam o sobrenome da mãe e assim sucessivamente de geração em geração. Quem duvidar basta pesquisar na internet por “Perpétua Mineira”!

Entretanto, há outra versão, segundo a qual a maçonaria muito trabalhou nas engrenagens do poder, ao ponto de convencer a Rainha do suposto mal-entendido, pois a queixa não era contra Portugal e sim quanto a intensidade na cobrança de impostos.

E nisso criou-se um impasse, pois o Conde Luizinho de Barbacena, Vice-Rei, ficaria desmoralizado caso a Rainha perdoasse a afronta feita por Quinzinho, como se Perpétua fosse sua propriedade.

Mas a maçonaria encontrou uma solução!... Convenceram um ladrão condenado à morte a substituir Quinzinho na execução, mediante juramento de que seus filhos receberiam o amparo vitalício e assim foi feito!...

No dia seguinte, Quinzinho e Perpétua embarcaram para Portugal, onde cumpriram o exílio de dez anos, depois voltaram ao Brasil e tiveram muitos filhos!...

Por um caminho ou por outro, a tradição se cumpriu e assim nasceu a minha avó, Jovelina Perpétua da Silva, a qual casou-se com Eurico Nunes Pereira, herdeiro de muitas terras lá em Espinosa-MG e sul da Bahia, filho único além de uma irmã. Minha avó teve 16 filhos, uma partiu cedo demais, mas os demais, filhos e filhas, cresceram e constituíram famílias, espalhadas por este imenso Brasil!

E a “Madinha”, qual a chamávamos, mesmo sem Crisma ou Batismo para legitimar a primazia, mulher firme e guerreira a honrar o sobrenome de Perpétua, muito lamentou ao saber que meu pai iria abandonar o único sítio que sobrara no sertão do Paraná de todas as riquezas de Minas!...

Ele pretendia colocar a família numa carroça e com os poucos bens, mas muita esperança e confiança em Deus de dias melhores, simplesmente se aventurar na cidade!...

Pois eis que minha avó Jovelina Perpétua, para amenizar os possíveis percalços, além de uma plaina para alisar madeiras, deu ao meu pai algo muito precioso que trouxera lá de Minas Gerais, um antigo facão!...


Lá em Minas, ela encomendara a um conhecido e hábil Ferreiro que fizesse um facão de uma mola de caminhão. Ele esquentou e bateu naquela mola até afiná-la, depois a deixou no prumo, por fim, fez a têmpera e o corte afiado!

Meu pai recebeu de bom grado o significativo presente e foi para a cidade, malgrado a contrariedade de meu avô, pois agora sobrara apenas um genro para cumprir as atividades exigidas no sítio.

Não foi ingratidão de meu pai. E nisso tive alguma participação, pois quando estava prestes a completar sete anos, ao invés de um presente ou a promessa de frequentar a escola, recebi de presente uma pequena enxada, para também capinar na roça!... E no dia seguinte, subi com o meu pai para o cafezal para cumprir a triste sina.

Nos dois anos anteriores meu serviço tinha sido todo dia levar o almoço para o meu pai lá no morro do cafezal. Mas naquele dia tivemos de levar nossas marmitas logo ao amanhecer.

Na hora do almoço, sentamos embaixo de um pé de café e eu estava numa tristeza de dar dó. Nem queria comer, ainda mais que a comida estava bem fria. Meu pai pegou uma faca e começou a cortar um tronco de café. Foi lapidando até formar um pião e me deu de presente! Finalmente despertou-me um sorriso!...

Imagino que isso mexeu com sua coragem e perspectivas, pois naquele dia ele resolveu se mudar para Sansabel e assim ganhou de presente o facão, o qual depois eu ganhei e guardo com muito carinho, qual relíquia de minha avó Perpétua!...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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