quinta-feira, 7 de abril de 2022

29 - A SINA

 

29 - A SINA

Em 1974 cursei a 6ª série, após pular o 5ª ano mediante uma prova de capacitação, de acordo com uma Lei Estadual. E graças ao histórico como “Leiteiro”, portanto, previamente conhecido pelo Gerente e agora enquadrado na série escolar correta, fui admitido como “Pacoteiro” nas Casas Pernambucanas!... Comecei com doze anos a trabalhar numa grande empresa e com Carteira de Trabalho assinada!... Isso foi fundamental para minha formação funcional e até pessoal!...



Existe uma diferença substancial entre trabalhar em uma empresa particular ou em uma filial de uma grande empresa. Na empresa particular lidamos diretamente com o dono, enfrentamos seus melindres, às vezes, falta de educação e respeito. Mas uma grande empresa capacita e seleciona seus administradores e intrinsecamente se sustentam em cinco pilares: Confiança, Competência, Dedicação, Disciplina e Respeito.

Portanto, um gerente bem formado não se posiciona qual um dono. Ele trata com respeito os seus subordinados, mas exige dedicação e disciplina, para que a competência estabeleça a confiança, o que leva a reciprocidade do respeito. Em torno são agregadas as demais qualidades, por exemplo, a Produtividade, tanto de um bom gerente quanto de um bom funcionário.

Isso eu aprendi na função de “Pacoteiro”, onde na teoria deveria conferir e embrulhar as compras. Em parte do tempo até fazia isso, pois aprendi técnicas para quebrar apenas com as mãos grossos cordames de nylon ou como usar estreitos papeis de embrulho para acomodar grandes pacotes com acolchoados e cobertores. Mas na prática também era responsável pela limpeza do grande salão, o que implicava na disciplina e competência em varrer, depois passar o pano molhado, em seguida limpar o escritório e depois os sanitários, todos os dias!... A dedicação me ensinou que todos os serviços necessários são meritórios!...

Com o novo emprego, cursei o quarto bimestre da 6ª série no período noturno e isso foi fundamental para minha aprovação. Por pular a 5ª série eu estava com sérias dificuldades e provavelmente seria reprovado, mas a qualidade do ensino noturno era muito inferior ao vespertino. Talvez por vigorar a tradição dos antigos: “Se não estuda, trabalha!”. O que implica no reverso: “Se trabalha, não estuda!”. E a única forma de conciliar essa triste realidade era amenizar a exigência no ensino noturno.

Entretanto, se facilitou terminar a 6ª série em 1974, nem por isso permitiu concluir a 7ª série em 1975, pois trabalhar de dia e estudar à noite jogou sobre meus treze anos uma sobrecarga que não suportei. Então nem tinha terminado o primeiro bimestre e falei a minha mãe que iria parar de estudar. Eu não mais suportava a exigência. Pelo meu histórico recente, difícil entender se ela concordou por se importar ou o inverso. Além do mais, para muitas pessoas, o trabalho é uma grande escola!...

Triste sina de milhares de jovens da época: “Trabalhar e tentar estudar”. Exatamente por isso demorei cinco anos para concluir as duas séries que faltavam para completar o Ensino Fundamental e invariavelmente dependia sempre de quais professores eram alocados para a primeira aula, pois nunca dava tempo de cumprir o horário. E outros oito anos para concluir as três séries do Ensino Médio. E outros dez anos para o Ensino Superior, Curso de Administração para Bancários UNIDERP 1997, com os melhores Professores de Campo Grande, inclusive, o Reitor da UFMS na época!... Mas, o Curso não foi reconhecido pelo Ministério da Educação por deficiência na carga horária, mas guardo o certificado com carinho, pois sei o quanto lutei para consegui-lo!...

Em 1975 a minha desistência teve um motivo escuso jamais confessado a minha mãe!... Em determinada noite, voltávamos da escola, um grupinho de cinco jovens que moravam na parte alta da cidade. Eu tinha virado zumbi, de tanto trabalhar de dia, tentar estudar de noite e dormir pouco. No grupinho tinha uma menina, um pouco mais velha e crescida, a qual conversava e ria o tempo todo!... De repente, notei que a tagarelice girava em torno de relacionamentos frustrados e malogrados e finalmente reconheci a vizinha da história dos palhacinhos!...

Toda a conversa não era ao acaso!... Ela me reconheceu e estava a me provocar!... E prosseguimos a andar. Ela com suas piadas e eu me fazendo de zumbi, mas o pensamento fervilhava de lembranças e reflexões. Talvez ela quisesse concluir e depois ir além naquilo que não terminamos. Ou talvez alimentasse o desejo de vingança, no comportamento feminino de assanhar e depois esnobar, como se a tijolada dos irmãos não fosse o suficiente!...

A luz de alerta de minha consciência começou a piscar intensamente!... Eu tinha aprendido mediante dor e sofrimento que tudo o que fazemos gera alguma consequência. O Efeito Borboleta define nosso destino de acordo com escolhas simples, algumas até sem nem perceber!... Depois culpamos a Deus ou ao destino pela triste sina. Eu estava com um excelente emprego fixo. Não tive mais problemas com meus pais. Iria colocar tudo a perder por uma aventura?... Sequer sabia o nome daquela menina!... Onde o amor?... Já diziam os antigos: “A pressa é inimiga da perfeição”.

Quando chegamos a praça da antiga rodoviária, balbuciei um adeus, cruzei a praça para chegar à avenida, contornei o quarteirão seguinte e fiz a volta para minha casa. Um trajeto mais longo. Se quisesse a facilidade de um curto caminho, melhor seria seguir com o grupinho e virar na rua de minha casa e neste caso ela saberia meu endereço. Mas resolvi seguir minha consciência. E nunca mais nos vimos!... Também foi a minha última noite na escola, pois no ano seguinte voltei a estudar no período vespertino.

Sinceramente, seguir a consciência no aspecto sentimental gerou muitas frustrações nos anos seguintes. O coração não aceita essa ideia!... E se a embriaguez da paixão entrar em cena, quase impossível aceitar tais orientações. E neste caso, nova carga de decepções e sofrimento, pois invariavelmente ela é infalível!... Até virei Poeta e publiquei livros de poesias com minhas frustrações!...

Tanto assim que alguns anos depois, após muitos amores malogrados, certa noite fiquei muito aborrecido e decepcionado com a minha consciência. Será que eu não tinha direito a ser feliz?... Quando eu iria encontrar a garota predestinada?... Eu não queria ficar sozinho, para semente!... Queria liberdade para viver a vida!... E naquela noite eu sonhei com a moça com quem deveria casar!... Tinha cabelos compridos e até memorizei o nome!...



Na manhã seguinte, ainda com o sonho fresco em minha memória, fiz um desenho imperfeito e escrevi o nome!... Encapei com cola transparente e coloquei na parede de meu minúsculo quarto, para esquecer aquele assunto e focar no estudo e trabalho!... Mas meu coração ainda se recusava a acreditar e outras decepções conseguiram bater no pequeno escudo!... Ah!... Quanto tempo demorou!... Casei aos trinta e sete anos, exatamente qual tinha sonhado quase quinze anos antes!...


E distante alguns milhares de quilômetros, ela também vivia a mesma agonia da prolongada espera!... Tanto que na década de 1990 chegou a chorar suas dores e decepções na eterna espera do príncipe encantado, o cavaleiro peregrino que um dia chegaria para encantar seus dias!... E um amigo artista plástico, pintou em tela a imagem que fez em sua mente daquela confissão!...

Mas em 1975, os meses seguintes foram de muitas novidades, pois além de conseguir o necessário repouso do sono, descobri que uma das balconistas da loja, a Maria das Dores, morava exatamente na mesma rua onde eu morava, numa casa no meio do quarteirão seguinte!... Aliás, aquela região tinha poucas casas e além apenas a solitária Delegacia de Polícia, um pouco acima da horta do Japonês.

A satisfação não foi pela coincidência do endereço. É que ela viera de São Paulo há pouco tempo e trouxera sua coleção de dezenas e dezenas de gibis!... Tudo a minha disposição, quando quisesse!... Dá para imaginar a minha felicidade?!...

Infelizmente para o meu pai a realidade não estava nada agradável, pois os filhos cresceram e exigiam cuidados extras em todos os sentidos, a elevar significativamente as despesas mensais. A situação econômica mudara nos últimos meses, pois outras cidades cresceram além do rio Paraná, atraindo os grandes serviços, por exemplo, Dourados, Mundo Novo e Naviraí.

Aliás, pouco antes de voltamos para Sansabel, em 1971, o irmão mais novo de meu pai mudou-se para Naviraí, pois recebera uma tentadora oferta para administrar uma filial da outra oficina existente em Sansabel e imediatamente aceitou!... E em 1975 a filial foi vendida para um forte grupo financeiro, donos de fazendas, serrarias e até um posto de gasolina!... Coube a meu tio gerenciar a nova oficina e com isso, ficou livre para convidar o meu pai para fazer parte!...

Em Sansabel, o filho mais velho do dono da oficina também cresceu em todos os sentidos, passou a interferir nos rumos de todas as atividades e isso desagradou a meu pai, principalmente depois do filho não concordar com o pedido de aumento de salário!...

Na verdade, a situação financeira não deixava margem para o aumento, mas por reconhecer a contribuição de meu pai, o dono da oficina estava disposto a conceder a sociedade de 5% na empresa!... Nem chegou a colocar a oferta na mesa!... O gênio forte de meu pai o fez chutar a situação e pedir demissão!... Não quis nem saber de conversar!... Decidiu que iria para Naviraí!... Com isso, também tive de pedir demissão e acabou-se o que era doce...

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Do livro: MEMÓRIAS do Menino Esquecido.

ISBN: 978-65-00-38553-3

Registro Autoral CBL - DA-2022-017822.

© Sobrinho, José Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial, total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.

 

Se quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:

MEMÓRIAS do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores 

 

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