29 - A SINA
Existe uma diferença
substancial entre trabalhar em uma empresa particular ou em uma filial de uma
grande empresa. Na empresa particular lidamos diretamente com o dono,
enfrentamos seus melindres, às vezes, falta de educação e respeito. Mas uma
grande empresa capacita e seleciona seus administradores e intrinsecamente se
sustentam em cinco pilares: Confiança, Competência, Dedicação, Disciplina e
Respeito.
Portanto, um gerente
bem formado não se posiciona qual um dono. Ele trata com respeito os seus
subordinados, mas exige dedicação e disciplina, para que a competência
estabeleça a confiança, o que leva a reciprocidade do respeito. Em torno são
agregadas as demais qualidades, por exemplo, a Produtividade, tanto de um bom gerente
quanto de um bom funcionário.
Isso eu aprendi na
função de “Pacoteiro”, onde na teoria deveria conferir e embrulhar as compras.
Em parte do tempo até fazia isso, pois aprendi técnicas para quebrar apenas com
as mãos grossos cordames de nylon ou como usar estreitos papeis de embrulho
para acomodar grandes pacotes com acolchoados e cobertores. Mas na prática
também era responsável pela limpeza do grande salão, o que implicava na
disciplina e competência em varrer, depois passar o pano molhado, em seguida
limpar o escritório e depois os sanitários, todos os dias!... A dedicação me
ensinou que todos os serviços necessários são meritórios!...
Com o novo emprego,
cursei o quarto bimestre da 6ª série no período noturno e isso foi fundamental
para minha aprovação. Por pular a 5ª série eu estava com sérias dificuldades e
provavelmente seria reprovado, mas a qualidade do ensino noturno era muito inferior
ao vespertino. Talvez por vigorar a tradição dos antigos: “Se não estuda,
trabalha!”. O que implica no reverso: “Se trabalha, não estuda!”. E a única
forma de conciliar essa triste realidade era amenizar a exigência no ensino
noturno.
Entretanto, se
facilitou terminar a 6ª série em 1974, nem por isso permitiu concluir a 7ª
série em 1975, pois trabalhar de dia e estudar à noite jogou sobre meus treze
anos uma sobrecarga que não suportei. Então nem tinha terminado o primeiro
bimestre e falei a minha mãe que iria parar de estudar. Eu não mais suportava a
exigência. Pelo meu histórico recente, difícil entender se ela concordou por se
importar ou o inverso. Além do mais, para muitas pessoas, o trabalho é uma
grande escola!...
Triste sina de milhares
de jovens da época: “Trabalhar e tentar estudar”. Exatamente por isso demorei
cinco anos para concluir as duas séries que faltavam para completar o Ensino
Fundamental e invariavelmente dependia sempre de quais professores eram
alocados para a primeira aula, pois nunca dava tempo de cumprir o horário. E
outros oito anos para concluir as três séries do Ensino Médio. E outros dez
anos para o Ensino Superior, Curso de Administração para Bancários UNIDERP
1997, com os melhores Professores de Campo Grande, inclusive, o Reitor da UFMS
na época!... Mas, o Curso não foi reconhecido pelo Ministério da Educação por
deficiência na carga horária, mas guardo o certificado com carinho, pois sei o
quanto lutei para consegui-lo!...
Em 1975 a minha
desistência teve um motivo escuso jamais confessado a minha mãe!... Em
determinada noite, voltávamos da escola, um grupinho de cinco jovens que
moravam na parte alta da cidade. Eu tinha virado zumbi, de tanto trabalhar de
dia, tentar estudar de noite e dormir pouco. No grupinho tinha uma menina, um
pouco mais velha e crescida, a qual conversava e ria o tempo todo!... De
repente, notei que a tagarelice girava em torno de relacionamentos frustrados e
malogrados e finalmente reconheci a vizinha da história dos palhacinhos!...
Toda a conversa não era
ao acaso!... Ela me reconheceu e estava a me provocar!... E prosseguimos a
andar. Ela com suas piadas e eu me fazendo de zumbi, mas o pensamento
fervilhava de lembranças e reflexões. Talvez ela quisesse concluir e depois ir
além naquilo que não terminamos. Ou talvez alimentasse o desejo de vingança, no
comportamento feminino de assanhar e depois esnobar, como se a tijolada dos
irmãos não fosse o suficiente!...
A luz de alerta de
minha consciência começou a piscar intensamente!... Eu tinha aprendido mediante
dor e sofrimento que tudo o que fazemos gera alguma consequência. O Efeito
Borboleta define nosso destino de acordo com escolhas simples, algumas até sem
nem perceber!... Depois culpamos a Deus ou ao destino pela triste sina. Eu
estava com um excelente emprego fixo. Não tive mais problemas com meus pais.
Iria colocar tudo a perder por uma aventura?... Sequer sabia o nome daquela
menina!... Onde o amor?... Já diziam os antigos: “A pressa é inimiga da
perfeição”.
Quando chegamos a praça
da antiga rodoviária, balbuciei um adeus, cruzei a praça para chegar à avenida,
contornei o quarteirão seguinte e fiz a volta para minha casa. Um trajeto mais
longo. Se quisesse a facilidade de um curto caminho, melhor seria seguir com o
grupinho e virar na rua de minha casa e neste caso ela saberia meu endereço.
Mas resolvi seguir minha consciência. E nunca mais nos vimos!... Também foi a
minha última noite na escola, pois no ano seguinte voltei a estudar no período
vespertino.
Sinceramente, seguir a consciência
no aspecto sentimental gerou muitas frustrações nos anos seguintes. O coração
não aceita essa ideia!... E se a embriaguez da paixão entrar em cena, quase
impossível aceitar tais orientações. E neste caso, nova carga de decepções e
sofrimento, pois invariavelmente ela é infalível!... Até virei Poeta e
publiquei livros de poesias com minhas frustrações!...
Tanto assim que alguns
anos depois, após muitos amores malogrados, certa noite fiquei muito aborrecido
e decepcionado com a minha consciência. Será que eu não tinha direito a ser
feliz?... Quando eu iria encontrar a garota predestinada?... Eu não queria
ficar sozinho, para semente!... Queria liberdade para viver a vida!... E
naquela noite eu sonhei com a moça com quem deveria casar!...
Na manhã seguinte, ainda com o sonho fresco em minha memória, fiz um desenho imperfeito e escrevi o nome!... Encapei com cola transparente e coloquei na parede de meu minúsculo quarto, para esquecer aquele assunto e focar no estudo e trabalho!... Mas meu coração ainda se recusava a acreditar e outras decepções conseguiram bater no pequeno escudo!... Ah!... Quanto tempo demorou!... Casei aos trinta e sete anos, exatamente qual tinha sonhado quase quinze anos antes!...
Mas em 1975, os meses
seguintes foram de muitas novidades, pois além de conseguir o necessário
repouso do sono, descobri que uma das balconistas da loja, a Maria das Dores,
morava exatamente na mesma rua onde eu morava, numa casa no meio do quarteirão
seguinte!... Aliás, aquela região tinha poucas casas e além apenas a solitária
Delegacia de Polícia, um pouco acima da horta do Japonês.
A satisfação não foi
pela coincidência do endereço. É que ela viera de São Paulo há pouco tempo e
trouxera sua coleção de dezenas e dezenas de gibis!... Tudo a minha disposição,
quando quisesse!... Dá para imaginar a minha felicidade?!...
Infelizmente para o meu
pai a realidade não estava nada agradável, pois os filhos cresceram e exigiam
cuidados extras em todos os sentidos, a elevar significativamente as despesas
mensais. A situação econômica mudara nos últimos meses, pois outras cidades
cresceram além do rio Paraná, atraindo os grandes serviços, por exemplo,
Dourados, Mundo Novo e Naviraí.
Aliás, pouco antes de
voltamos para Sansabel, em 1971, o irmão mais novo de meu pai mudou-se para
Naviraí, pois recebera uma tentadora oferta para administrar uma filial da
outra oficina existente em Sansabel e imediatamente aceitou!... E em 1975 a
filial foi vendida para um forte grupo financeiro, donos de fazendas, serrarias
e até um posto de gasolina!... Coube a meu tio gerenciar a nova oficina e com
isso, ficou livre para convidar o meu pai para fazer parte!...
Em Sansabel, o filho
mais velho do dono da oficina também cresceu em todos os sentidos, passou a
interferir nos rumos de todas as atividades e isso desagradou a meu pai,
principalmente depois do filho não concordar com o pedido de aumento de salário!...
Na verdade, a situação
financeira não deixava margem para o aumento, mas por reconhecer a contribuição
de meu pai, o dono da oficina estava disposto a conceder a sociedade de 5% na empresa!...
Nem chegou a colocar a oferta na mesa!... O gênio forte de meu pai o fez chutar
a situação e pedir demissão!... Não quis nem saber de conversar!... Decidiu que
iria para Naviraí!... Com isso, também tive de pedir demissão e acabou-se o que
era doce...
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Do livro:
MEMÓRIAS do Menino Esquecido.
ISBN:
978-65-00-38553-3
Registro
Autoral CBL - DA-2022-017822.
© Sobrinho, José
Nunes Pereira. – Todos os direitos reservados, proibida a reprodução parcial,
total ou cópia sem permissão prévia do Autor ou Editora.
Se
quiser, por favor, compre o livro. Abaixo o link:
MEMÓRIAS
do Menino Esquecido, por José Nunes Pereira Sobrinho - Clube de Autores
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