segunda-feira, 4 de março de 2013

VIDA DE BANCÁRIO



    Jorge Alfredo era bancário há mais de dez anos. Parecia sina, mas tudo quanto tipo de pagamento, ocorria em sua agência, provocando enormes filas.
     No início ele procurou mecanismos para amenizar a situação, mostrando-se sempre atencioso e paciente; mas, com o passar dos anos, a vida bancária virou uma rotina e ele se deixou levar pelo comodismo. O pior é que passou a incorporar as demais pessoas em sua rotina, esquecido de que eram seres humanos, no mínimo, credores de um pouco de dignidade e respeito.
     Quantas vezes ele atendera clientes que apresentavam precárias condições de saúde e em nome das normas, visando acabar com o atendimento extra caixa, simplesmente determinava:
  - O senhor tem que ir à fila.
  - Mas eu não posso!... Estou doente...
  - É fila única... Rapidinho será atendido!
     O pobre coitado saía cabisbaixo para a fila, destas, tipo labirinto, que deixa a pessoa enjoada só de nela rodopiar.
     Em outros casos, depois de toda a fila, o cliente chegava ao caixa e diziam-lhe que infelizmente não havia numerário em espécie para o pagamento.
  - Eu não entendo... O cheque não está bom, é isso?...
     Jorge Alfredo se aproximava:
  - O caixa está dizendo que ora não temos o dinheiro. O Senhor fez previsão?
  - Previsão?... Eu só quero descontar o cheque...
  - Infelizmente é norma. Quantias acima de um teto mínimo têm que se fazer previsão do saque quarenta e oito horas antes!...
                                       -o-
     Pois bem. Uma bela manhã Jorge Alfredo acordou diferente. Sentia-se leve. Não tardou em perceber que em sua casa reinava o desespero. Todos choravam dizendo que ele morrera.
     Mas como?... Se ele estava ali, bem vivinho?... Por que ninguém lhe escutava?... Um verdadeiro pesadelo!...
     Em verdade, seu corpo morrera na madrugada vítima de um súbito ataque cardíaco.
     Vendo seu desespero, um outro espírito que por ali passava, orientou-o sobre sua atual situação, sugerindo-lhe buscar ajuda num posto de atendimento ali perto. E assim ele saiu rua afora.
     Para sua surpresa, ao chegar ao posto de atendimento espiritual, logo foi reconhecido.
  - Ah!... Jorge Alfredo não é?... Pois o senhor tem que entrar naquela fila ali... Explicou a recepcionista.
  - Mas como?... Fila aqui no céu?... E a organização daqui?...
  - É norma seu Jorge. Além do mais, todos aqueles que estão na fila foram bancários lá na terra. Agora estão experimentando o próprio remédio...
     Ele refletiu por uns segundos e concordou. Foi para a fila e após intermináveis minutos chegou ao guichê.
  - Não tenho nenhum registro do seu retorno. O senhor fez previsão?...
  - Mas como previsão?!... Eu morri! Como iria fazer previsão?!...
  - São as regras. - Explicou o atendente. - Se não fez previsão, terá de esperar mais quarenta e oito horas. Na terra todos se descuidam da saúde do corpo, feitos suicidas em potencial e chegam aqui antes da hora marcada. Precisamos providenciar a ficha do desencarne.
    
     Moral da história: Não somos culpados por todos os erros que ocorrem no mundo, mas fatalmente sofreremos as consequências do nosso comodismo diante deles.

José Nunes Sobrinho
Itaquiraí - MS
Diário do Interior - 14/04/1993

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