terça-feira, 5 de março de 2013

O BALDE



     Sábado ensolarado muito convidativo a uma boa caminhada.
      Não lembro do motivo. Sei que era preciso comprar um pequeno balde. Após a compra, fiquei olhando as mercadorias expostas nas vitrinas. De repente, escutei um alarido pitoresco de escárnio, oriundo de um pequeno agrupamento de desocupados, estacionados numa esquina, a bailarem feitos embriagados, ora para a direita, ora para a esquerda. Certamente zombavam de algum bêbado. Não reparei exatamente qual o motivo.
     Entretanto, alguns minutos depois, eu acabei por notar o alvo da pilhéria. Não se tratava de bêbado nenhum!
     Era um casal de velhos, ambos dobrados pelo peso da idade.
     Ele trazia no rosto as marcas das aflições, da luta pela sobrevivência. No corpo raquítico, as marcas visíveis da falta de alimentação.
     Ela, por sua vez, sequer conseguia andar. Certamente saíra de algum hospital onde estivera internada, pois a fraqueza era tanta ao ponto do companheiro precisar orientá-la a andar:
  -  Isso meu bem. Agora o pé esquerdo. Agora o outro!...
     Seria de fato uma cena cômica caso não estivesse presente algo sublime. Naquele homem rústico, sem grande ciência dos valores do mundo, desprovido de bens materiais, eu vi a exuberante riqueza do amor!
     Sim! Era magistral sua força de vontade em ajudar a companheira.
     É notório: Diante de mulher jovem, muitos homens são perfeitos cavalheiros. Mas aquela velhinha sequer deveria lembrar se um dia teve juventude.
     Por mulher afortunada quantos não são eternos apaixonados?... Mas aquela anciã nem mesmo possuía recursos para garantir a permanência num hospital.
     Tratando-se, de mulher formosa, muitos homens rastejam vítimas da paixão. Ah!... Mas ela, infelizmente, causaria constrangimentos aos mais compreensíveis espelhos.
     Quantas beldades, na comodidade de lares confortáveis, beneficiadas por todos os recursos, vivem amarguradas na solidão interior, pela ausência de qualquer carinho, de um meigo gesto de amor, de um companheiro de verdade!
     Pensei em clamar à turba irresponsável quem de fato eram os dignos protagonistas da comédia, naquele palco da vida. Mas será que adiantaria?... Quem se importa com o amor?...
     E assim, hipocritamente soltei um sorriso amarelado e segui em frente, saudável, no vigor da juventude, bem vestido, passos firmes, solitário - com o meu balde - sem que ninguém notasse o quanto isto também era  ridículo!

     José Nunes Sobrinho
     Naviraí - MS
     Diário do Interior - 01/06/1990

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