sexta-feira, 5 de abril de 2013

MUDANÇAS E CONCEITOS



     O metabolismo humano proporciona sentidos múltiplos que geram reflexos conscientes ou autônomos.
      Fora dos padrões tradicionais da ciência, podemos classificar estes sentidos como sendo qualidades conceituais, para onde destinamos as atribuições intelectuais e morais, tais como a inteligência, a intuição, a sensibilidade artística ou emotiva, etc. Em seguida, as qualidades práticas, para onde canalizamos as atribuições orgânicas, tais como a capacidade de sentir estímulos através do tato, de digerir um alimento, etc.
     Um exemplo de qualidade conceitual é a capacidade de assimilação. Alguém expõe uma teoria e uns entendem de imediato e outros não se atinam com o sentido. Outra é a criatividade.
     Um exemplo de qualidade prática é a capacidade de regeneração. Se quebrarmos um objeto ele não se reconstituirá por si mesmo, mas se acontecer um ferimento num membro do corpo humano, o próprio organismo promoverá a recuperação. Outra é a capacidade de adaptação. É justamente esta qualidade que nos interessa.
     Sabemos que no Nordeste faz calor e no Rio Grande do Sul faz frio. Se um nordestino, por sua vontade, quiser morar no sul, com o tempo, certamente se adaptará ao clima e costumes da região. Isto é a praticidade da adaptação. Todavia, nos conceitos, ao alimentar-se com churrasco, lembrar-se-á das iguarias típicas do nordeste. Escutará a música gauchesca e certamente preferirá as músicas regionais de sua terra. Adaptou-se, mas não mudou os conceitos.
     É exatamente esta a questão. O ser humano muda apenas em aparência, mas os costumes, as tradições, os conceitos permanecem os mesmos e somente com muitas dores são mudados.
     Através da história, percebemos que o gênero humano errou muito mais por não se atualizar em seus conceitos do que propriamente por falta de oportunidades e circunstâncias de progresso.
     Foi assim que Moisés estabeleceu princípios civis oportunos diante das circunstâncias e quando Jesus veio melhorá-los, séculos depois, sofreu todo o peso do enraizamento restrito da letra por não compreenderem o sentido expansivo da palavra.
     Igualmente com Copérnico ao explicar que a Terra não é o centro do universo ou Galileu ao afirmar que ela gira.
     É como diz o provérbio atribuído a Einstein: É mais fácil desintegrar um átomo do que mudar um preconceito.
     Em nome das tradições, quantos crimes não foram cometidos?... Basta lembrar da exterminação que Moisés determinou contra os povos nativos das terras de Canaã; os cristãos nas arenas romanas; os turcos, os católicos e as cruzadas; os dias negros da inquisição; a noite de São Bartolomeu e mais recentemente - provando que apesar de todo o avanço científico, filosófico e tecnológico não houve mudança de conceitos - os campos de extermínio na Alemanha.
     "Um navio francês entrava um navio inglês no porto de Santos". Qual o sentido desta frase?...
     Muitas vezes, apegamo-nos a uma maneira equivocada de raciocinar e estabelecemos conceitos rígidos, sem atinar que a lógica da verdade não segue um padrão comum. Determinamos horizontes mentais restritos como se tivéssemos medo de mudar, de ver o que há além, de usar toda a capacidade da máquina orgânica. Julgamos que nossos conceitos, nossas verdades, formam nossa maior riqueza. Talvez seja. Mas qual a importância desta riqueza quando provoca escravidão? Toda riqueza represada, guardada, de nada serve. Temos medo do vazio que poderia ficar se anulássemos todos os conceitos inúteis que infestam nosso consciente e inconsciente. Mudar seria admitir o tempo perdido, que envelhecemos acumulando fatores que nada significam. Por isso, quanto mais idade tem uma pessoa, mais difícil de mudar os seus conceitos, por mais absurdos e errados que sejam.
     Voltando à frase, a palavra "entrava" refere-se ao verbo "entravar" e não ao verbo "entrar". Ou seja, um navio francês bloqueava um navio inglês, impedindo-o de entrar no porto.
     Em outro exemplo, antes da informática, nos estabelecimentos bancários, todos os chefes eram pessoas com mais de trinta anos. Hoje a idade varia entre vinte aos vinte e cinco anos. Por outro lado, naquela época tudo era feito manualmente. Hoje o computador trabalha. Será que os antigos não tinham capacidade para lidar com o computador?... Será que os jovens atuais são melhores do que os antigos?...  Pois afirmo com certeza que os antigos além de mais capacitados ainda tinham a experiência. Entretanto, também traziam os conceitos dos sistemas antigos, das formas ultrapassadas. As mudanças vieram e eles tentaram adaptar-se quanto à prática, mas na mente guardaram uma infinidade de regras e procedimentos obsoletos. Houve a resistência. Os jovens vieram, com a mente aberta, acreditaram nas mudanças e ocuparam os lugares dos clássicos senhores de conceitos rígidos.
     Isto acontece em todos os sentidos da vida. Em todos os lugares. É preciso aprender a mudar. Questionar as razões e importância dos conceitos que herdamos dos pais, dos professores, da sociedade, das religiões, dos instrutores, dos líderes, etc.
     Tudo que restringe e impede o ser humano de crescer mentalmente, de aprender e evoluir, de mudar, são conceitos desnecessários e devem ser esquecidos.
     Quem teme as mudanças mostra por si mesmo que não tem convicção daquilo que acredita como certo. Por outro lado, quem conhece a verdade não precisa recear novos ensinamentos, pois a verdade é um círculo em espiral perfeito e em nada pode se contradizer; entretanto, sempre surgem novas camadas na sequência e se a lógica e a razão diz que faz sentido, por que duvidar? 


José Nunes Sobrinho
Campo Grande - MS
Diário do Interior - 10/01/1995

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